Bernardo Trindade. “A TAP é um instrumento de mobilidade que deve manter-se ao serviço do país”

Bernardo Trindade lembra que ‘um em cada três turistas entra em Portugal pela TAP e um em cada dois turistas entra em Lisboa pela TAP’. O ex-secretário de Estado e agora presidente da AHP admite que ‘o Estado português tem de olhar para o interesse nacional quando proceder à abertura do capital da companhia’.

A hotelaria «representa a parte do turismo que historicamente paga melhor» e atualmente, face à falta de mão-de-obra, está a pagar ainda mais, revela Bernardo Trindade. Apesar de já ter recuperado grande parte dos 45 mil trabalhadores que perdeu durante a pandemia, o setor continua a sentir a escassez, dada a abertura de mais unidades unidades hoteleiras.

Quanto à Jornada Mundial de Juventude, o presidente da AHP afirma que os hotéis até quatro estrelas terão uma ocupação em torno dos 90% – já os de cinco ficam de fora do radar dos peregrinos. Em relação ao final do ano não hesita: «A expectativa é prudentemente animadora».

O ex-secretário de Estado lamenta os atrasos no novo aeroporto de Lisboa e, mesmo afirmando que «a preocupação do setor da hotelaria não é discutir o sítio», lembra que o «aeroporto do Montijo tem vantagens imediatas, tem uma declaração de impacto ambiental, tem um modelo de financiamento assente nas taxas aeroportuárias, não resulta, por isso, num encargo para o Estado diretamente», enquanto Alcochete poderá demorar até 10 anos.

Como está o setor do turismo? Já recuperou os níveis de 2019? 

A recuperação tem sido felizmente mais rápida em todas as regiões do país, mas com a recuperação da receita e da confiança dos nossos clientes veio também um aumento da despesa em toda a cadeia de valor, desde os recursos humanos, indiscutivelmente, que é a componente mais importante, passando por todo o setor alimentar, pela energia e gás. E Portugal, tendo hoje a base do seu crescimento económico uma impressão digital chamada turismo, é importante que isto aconteça porque contribui não só para a criação de valor, criação de riqueza, como também contribui para a criação de emprego e para o aumento da coleta fiscal. É com base nisso que o Governo apresenta contas certas, uma melhoria do rating e das condições de financiamento. Temos bem a noção do nosso contributo. Conseguimos ter mais receita, maior confiança por parte dos nossos clientes mais rapidamente do que prevíamos, mas também com a despesa a aumentar. 

Mas o setor continua a braços com o problema da falta de mão-de-obra. Isso faz pressão para aumentar os salários com vista a conseguir captar mais trabalhadores?

Representamos a parte do turismo que historicamente paga melhor e estamos a pagar ainda melhor. E estamos inclusivamente a juntar, além da componente retributiva, uma componente que é sempre importante que é a nossa relação com os nossos colaboradores. Temos grupos que hoje cofinanciam os ATLs dos filhos quando os pais trabalham. Temos grupos que pagam os passes sociais, outros que atribuem cabazes de Natal e de Páscoa. Isto é, estamos a alargar rapidamente a componente retributiva. E porquê? Porque queremos construir relações de confiança com os nossos colaboradores. O sentimento no pós-covid foi muito negativo. O turismo perdeu cerca de 45 mil ativos, já recuperou grande parte deste número, mas, entretanto, mais hotéis abriram, mais restaurantes abriram, mais espaços e experiências aconteceram e o turismo é uma atividade de mão-de-obra intensiva presencial.

Mesmo tendo conseguido recuperar grande parte dos 45 mil trabalhadores que perdeu como o setor continua a crescer continua a precisar sempre de mais… 

Continua a precisar de mais, o que significa que a necessidade já não são praticamente os 500 mil ativos em Portugal no setor do turismo. Já é preciso mais e mais. 

Tem ideia de quantos trabalhadores o setor precisa neste momento? 

Perdemos, recuperámos, mas precisamos de mais. Já não nos bastamos a nós próprios. Ou seja, há um conjunto de funções que são hoje desempenhadas por não portugueses, por pessoas que tiveram confiança para vir para Portugal para exercerem uma determinada profissão, que já não são exercidas por portugueses. No entanto, é fundamental garantir uma integração plena. Chegam cá porque têm um processo simplificado de acesso ao mercado de trabalho, mas depois é preciso encontrar habitação, transportes, condições de fixação, nomeadamente falando português ou tendo os mínimos skills para o setor do turismo. Esse é provavelmente um dos grandes desafios que temos pela frente que é assegurar esta integração plena para que as pessoas que aqui estão, as pessoas que optaram por Portugal possam ter uma coexistência boa com os portugueses. Ouvimos as notícias de França que resultam claramente de uma falha geral em termos desta interação. Portugal é diferente. Portugal foi emigrante, tem uma condição natural e muito construtiva daquilo que é a receção de pessoas de fora. Temos é de trabalhar.

Mesmo que não tenham formação, o setor depois disponibilizar? 

Acabamos por dar e estamos muito disponíveis para o fazer. 

A entrada de imigrantes, pelos menos dos países da CPLP, está mais agilizada… 

Os países de língua oficial portuguesa que beneficiaram do acordo da CPLP têm encontrado em Portugal um país de destino para trabalhar. Porquê? Porque, como referiu, Portugal é um país seguro, somos um bom país de acolhimento e temos essa tradição como país de acolhimento. Agora temos de continuar a trabalhar para que esta integração plena seja feita em vários domínios e que possa resultar no fim do dia numa coisa boa para todos nós.

Um dos desafios que se colocava ao setor face ao aumento da procura é que era preciso aumentar a própria receita, por exemplo, o valor médio por quarto. Isso já foi possível de alcançar? 

Este ano de 2023 é um excelente retrato disso mesmo, no primeiro semestre tivemos mais ocupação e preços mais elevados em todas as regiões do país, mas o primeiro trimestre ainda compara com a fase da covid. Neste segundo semestre já irá comparar com o segundo semestre de 2022, em velocidade completamente normal e diria que estamos a manter níveis de ocupação num nível de planalto elevado. Estamos a melhorar os preços e isso é obviamente muito bom, porque qualifica o setor do turismo na generalidade das categorias de empreendimentos.

Em termos de turistas estrangeiros, os mercados emissores continuam a ser historicamente os mesmos ou houve alterações. E falo do Reino Unido, Alemanha, Espanha e França… 

Estamos a consolidar um conjunto de destinos que mantêm com Portugal uma relação de grande proximidade. Falou, e muito bem, no mercado inglês, francês, espanhol, além do português, naquilo que representa o turismo interno, mas com uma novidade muito significativa neste ano de 2023. Também o mercado norte-americano tem apresentado crescimentos de mais de 30%, o que reflete bem a aposta que o mercado americano está a fazer em Portugal. Temos neste momento quatro companhias aéreas a fazer ligação a Lisboa e ao Porto, e isso, obviamente, é muito positivo, porque um turista americano tem poder aquisitivo, procura qualidade de compra, procura experiências muito multifacetadas e isso qualifica-nos enquanto destino.

Portugal tem beneficiado por ser considerado um destino seguro?

Portugal tem uma coisa extraordinária e que para o cliente americano é muito importante: é o facto de ter uma hotelaria de qualidade e uma restauração muito genuína. Vou dar um exemplo. O peixe que servimos nas mesas dos nossos restaurantes é muito apreciado pelo cliente americano, que normalmente tem uma comida mais plastificada dentro de casa. Proporcionamos hoje experiências que vão desde os contactos com a natureza a uma diversidade concentrada muito acentuada, a outras experiências. Eu próprio tive a oportunidade de cozinhar em conjunto com um americano, e com matéria-prima portuguesa, e, como pode imaginar, o resultado é muito bom.

Há pouco destacou o grande contributo que o turismo dá para a economia portuguesa. Como vê aquelas vozes a criticar, dizendo que Portugal tem turistas a mais e que temos de ser mais seletivos? 

Os turistas estrangeiros respiram o nosso oxigénio. É verdade. Também é verdade que o turismo tem externalidades negativas e nunca ninguém omitiu esse facto. Agora há uma coisa que é muito importante, é que quando um turista vem consumir a Portugal, quando dorme, quando come, quando experiencia não só está a alimentar este perímetro do setor do turismo, como também está a alimentar um conjunto de outros setores de atividade. É o caso do alimentar, do têxtil, etc. Ou seja, todos os setores que de alguma maneira criam riqueza, criam valor, criam condições de investimento em função do consumo do turista estrangeiro. O alerta que faço é que nos próximos anos esta tendência irá reforçar-se e a nossa responsabilidade é sobretudo qualificar a oferta que entregamos ao nosso turista, porque se formos competentes vamos com certeza ser ganhadores para bem de todos. E há um aspeto muito importante que gostaria de distinguir. Uma coisa é o espaço político mediático das pessoas que, não tendo nenhuma relação com o setor do turismo, se podem pronunciar de forma livre e espontânea. Outra coisa é uma economia real e social de pessoas que dependem do consumo do turista para poderem existir, poderem criar, poderem pagar contas e essa gente está hoje muito comprometida neste objetivo nacional. Acompanho o setor do turismo há muitos anos e hoje é para mim um motivo de grande satisfação perceber que no país, de norte a sul, passando pelas regiões autónomas, temos um sítio com qualidade para dormir, um sítio com qualidade para comer, um sítio com qualidade para visitar. Ora, isto não existia no passado. 

Temos o ministro das Finanças, que foi antigo autarca de Lisboa, que não diz que não quer ouvir a expressão que temos turistas a mais… 

Conheço bem o ministro das Finanças, sei bem qual é o seu sentir e o seu pensamento relativamente a isto. Fernando Medina sabe bem como Lisboa cresceu com a possibilidade de se renovar e de se requalificar. A reabilitação urbana, a reabilitação dos espaços públicos foi fruto do que foi feito em torno do setor do turismo. É bom ter responsabilidades públicas e políticas que tenham essa noção. 

Mas a economia não deveria ser mais diversificada e não estar só assente no turismo? Viu-se o que aconteceu durante a pandemia, em que todo o setor foi obrigado a parar…

Foi claramente o setor mais afetado pela pandemia porque tivemos uma falha de mercado brutal, os clientes ficaram em casa e os nossos colaboradores em casa ficaram. Mas o ponto não é esse. Há um conjunto de atividades que beneficiam do setor do turismo. Imagine que abre um hotel veja todos os materiais que precisa e não sendo atividades que estão ligadas diretamente ao turismo beneficiam do facto de haver confiança para que o investimento aconteça e para que estas encomendas aconteçam.

Em relação às perspetivas, o setor tem já um novo desafio nos próximos dias com a Jornada Mundial da Juventude. Será importante para a hotelaria?

O setor disse presente a esta convocatória de uma realização nacional de grande envergadura. Agora uma coisa é associarmo-nos, como fizemos, com a Jornada Mundial da Juventude, outra é dizer que é fundamental para o setor do turismo. Fizemos um inquérito junto dos nossos associados relativamente às taxas de ocupação para a primeira semana de agosto e o que posso afirmar é que a hotelaria até quatro estrelas vai cumprir o objetivo que definiu em junho relativamente ao inquérito que era ter uma taxa de ocupação em torno dos 90%. Por outro lado, a hotelaria de cinco estrelas vai ficar claramente abaixo desse objetivo. Porquê? Porque um turista de maior poder aquisitivo, sabendo do impacto da Jornada Mundial da Juventude, opta por visitar Portugal numa outra altura. 

É um evento que acaba por ‘afugentar’ outro tipo de turistas? 

É natural. Se estamos a falar de um turista com elevado poder aquisitivo, que vem cheio de expectativas relativamente às experiências, quanto à hotelaria que vai escolher, aos restaurantes que vai frequentar e às experiências que vai poder visitar face à circunstância de ter um 1,5 milhões a mais do que tenho normalmente então dirá que virá em outra altura. 

Poderá ser um cenário caótico… 

Não há forma de não ter impacto. As autoridades têm estado a fazer ações de promoção para, de alguma maneira, mitigar os efeitos. Mas como é evidente, quer os nossos clientes, quer os nossos colaboradores, quer os nossos fornecedores têm de ter muito claros sobre os quais os passos que têm de dar para que estes fornecimentos possam acontecer. Sei que os clientes com a sua reserva, os colaboradores com uma declaração da entidade patronal podem circular, já os fornecedores viram diminuído claramente o período de abastecimento – passando a ser das sete às 10h da manhã em cada dia -, o que é diferente daquilo que acontece habitualmente. 

Há mais limitações…

Com estas limitações todas esperemos que tudo corra bem. 

Há menos de um mês, a associação falava que as reservas estavam muito baixas. Essa tendência era transversal ou era só para os hotéis de cinco estrelas? 

O que acontece é que este processo começou a ser ganho a menos de uma semana do evento e já posso afirmar confortavelmente que a hotelaria até quatro estrelas nesta grande área metropolitana de Lisboa vai cumprir esse objetivo, enquanto a hotelaria de cinco estrelas vai ficar abaixo. 

Em relação ao preço houve várias críticas que acusavam a hotelaria de estar a praticar preços inflacionados para essa semana…

O preço vai sendo construído em função dos níveis de ocupação e, como pode imaginar, se calhar a hotelaria de cinco estrelas, uma vez que está claramente abaixo da ocupação que tem normalmente prevista para esta altura, terá preços mais baixos e no caso da hotelaria até quatro estrelas pode haver, não digo preços exorbitantes, mas preços compatíveis com níveis de ocupação elevados, porque é também onde existem ocupações mais elevadas.

Disse que há vários passos que têm que ser seguidos. Há risco de haver algum problema de rutura em termos de fornecimento? 

É claramente um desafio muito grande. Tive oportunidade, enquanto cidadão, de visitar todo o novo espaço junto à Expo, onde está o grande palco e é uma área com uma dimensão muito, muito grande e a vinda para o Parque Eduardo VII ou mesmo para Algés traz outros desafios, mas os votos que faço é que as autoridades, todas elas, públicas, privadas, empresariais e associativas, possam ajudar.

O alojamento local acaba por sair mais beneficiado do que a hotelaria?

O importante é haver resposta. Haver uma resposta relativamente ao alojamento, seja alojamento local, seja hotelaria deixa-nos a todos satisfeitos. 

E depois desse desafio da jornada temos ainda o verão e o resto do ano. A expectativa é animadora?

A expectativa é prudentemente animadora. Digo isto porquê? Porque hoje, como é evidente, no setor do turismo, a mobilidade depende muito dos equilíbrios geopolíticos que se constroem à escala global. Estamos a viver uma guerra e temos de ser muito, muito prudentes nas previsões que fazemos. A um curto prazo estou moderadamente otimista, quanto ao médio prazo vamos acompanhar. 

O Algarve tradicionalmente é alvo de uma grande procura por parte do mercado interno em julho e agosto. Vai-se manter essa tendência? 

O que está a acontecer neste momento é que temos mais alemães este verão e com o mesmo nível de ingleses, brasileiros. Também os cidadãos dos Estados Unidos e do Canadá querem conhecer o Algarve. O caso do mercado nacional é um pouco diferente. Ou seja, dependendo do tipo de alojamento podemos ter comportamentos completamente diferentes, porque as famílias também foram confrontadas com o aumento das taxas de juro, em alguns casos estamos perante um menor rendimento disponível e têm de fazer outras opções. Ainda assim, estou moderadamente otimista relativamente ao comportamento no verão. 

O Governo aprovou o pacote Mais Habitação, que prevê limitações ao alojamento local. Acha que vai resolver o problema da habitação? Também os hotéis foram ‘acusados’ de estarem a tirar imóveis ao mercado residencial…

Interviemos, quer com o Governo, quer na Assembleia da República, dando a nossa opinião e o que dissemos no Parlamento foi o seguinte: concentrar no alojamento local o elemento de diabolização relativamente ao problema da habitação é tipicamente um caso em que estamos a começar pelo telhado quando queremos tratar da construção de uma habitação. Há alicerces fundamentais que é preciso responder, sobretudo quando estamos perante uma quantidade de património público que está hoje ao abandono e que pode legitimamente ser afeto à habitação, mitigando este efeito. Aquilo que a AHP também defendeu e já o defendia antes da discussão do pacote Mais Habitação é a revisão da lei dos empreendimentos turísticos. A criação do alojamento local é de 2008 e tenho alguma paternidade nessa lei. Na altura, pretendia-se tratar de centenas de milhares de fogos que eram comercializados ilegalmente e era preciso trazê-los para a economia formal. A partir daí, muitas coisas foram feitas e muita da requalificação que foi feita nos centros urbanos se deve claramente ao alojamento local. No entanto, entendemos que há uma componente do alojamento local coletivo, as guest houses e os hostels que devem migrar para os empreendimentos turísticos e dessa forma qualificamos toda a nossa oferta turística nacional. Mas respondendo à sua pergunta diria que o alojamento local não deve, não pode ser diabolizado. Olhamos para a Jornada Mundial de Juventude e imagine que não havia oferta de alojamento alternativo, imagine que não havia esta oferta de alojamento alternativo, onde é que íamos alojar as pessoas? Olhando para isso, acho que o património público deve ser reposicionado no sentido de ele próprio ser uma resposta para os problemas da habitação. 

Nem que seja para ser o próprio Estado a dar o exemplo… 

Dar o exemplo e mobilizar o país para o tema da habitação. O tema da habitação é um tema candente. É preciso responder ao problema dos jovens que se querem fixar e ter a sua autonomia. É preciso respostas ao nível de uma população que, procurando trabalhar ou querendo vir trabalhar para Portugal quer ter habitação. Tudo isso é absolutamente verdadeiro. Agora, o primeiro exemplo tem de ser dado pelo próprio Estado, que tem de olhar para o seu património e afetar uma parte importante a soluções de habitação. 

Estava à espera da reação por parte alojamento local? Fizeram duas manifestações à porta do Parlamento..

Este exercício de cidadania é muitíssimo louvável e devo dizer que, até um bocadinho por estas questões de paternidade e da circunstância de termos na AHP associados que fazem alojamento local, tenho solidariedade para com estas manifestações.

Defende que os hostels e as guest houses deviam entrar na oferta turística por estamos perante casos que eram antigas residenciais e pensões… 

A lei dos empreendimentos de 2008, que cria o alojamento local, de alguma maneira termina basicamente com a figura das pensões e das estalagens e o que faz é criar esta nova forma, por um lado, para responder a um conjunto de requisitos, mas simultaneamente para engrossar aquilo que era oferta hoteleira. Ou seja, foi possível muitas pensões e estalagens se requalificarem para a hotelaria e são hoje de duas, três e quatro estrelas, em função de um conjunto de requisitos que foi pré-estabelecido. E aquilo que entendíamos na altura, e entendemos hoje, é que o mesmo raciocínio possa ser feito para os hostels, por exemplo.

Em relação à TAP como vê todo este processo? 

Vejo com esta premissa fundamental: a TAP é um instrumento de mobilidade que deve manter-se ao serviço do país. Para ter um bocadinho de noção um em cada três turistas entra em Portugal pela TAP e um em cada dois turistas entra em Lisboa pela TAP. E a TAP lidera o movimento de passageiros em Lisboa e na Madeira. Então se estamos todos de acordo com a necessidade de que o país cresça económica e socialmente, se estamos todos de acordo e reconhecemos a importância do turismo como impressão digital e como impulsionador deste crescimento então a TAP é um instrumento para cumprir este objetivo. O que temos advogado de forma permanente é que o Estado português tem de olhar para o interesse nacional quando proceder à abertura do capital da companhia e quando falo no interesse nacional é basicamente isto: a TAP sediada em Portugal, a TAP com o hub em Lisboa, a TAP com um olhar muito criterioso relativamente às problemáticas das regiões autónomas e da diáspora portuguesa. 

Defende então que a manutenção do hub de Lisboa deve estar presente no caderno de encargos? 

Absolutamente. No caderno de encargos estas questões têm de estar todas muito, muito claras. Ou seja, não somos contra a abertura do capital da TAP. Aliás, é bom recordar que TAP voltou a ser pública porque durante o plano de reestruturação, os acionistas privados disseram que não tinham condições para acompanhar o investimento de recapitalização da empresa e é por isso que voltou a ser 100% pública. 

Mas sempre houve o objetivo do Governo em nacionalizar, acenando com a ideia de empresa de bandeira… 

A TAP é uma companhia de bandeira e é preciso olhar para o interesse nacional. Isto não é indiferente. Luís Rodrigues, atual CEO e chairman da TAP, é alguém com muita, muita experiência. E como é que vemos a TAP no futuro? Vemos a TAP com uma abertura do seu capital e que possa ser integrada numa aliança num grupo suficientemente robusto que tire da TAP as vantagens que resultam um pouco da sua existência e há coisas aqui que são incontornáveis. Ou seja, a relação da TAP com a nossa diáspora. A relação da TAP com o Brasil. São dois ativos que devem ser olhados com muito, muito interesse por quem se queira associar à TAP. 

Mas o que se passou na comissão de inquérito poderá ter desvalorizado o ativo TAP?

Estou completamente de acordo com isso, acho que quando se fala nesta abertura de capital de forma apressada, a pergunta que deixo é: em função dos números do turismo, em função dos números que a TAP vem apresentando também em função dos números do turismo há assim tanta pressa em abrir o seu capital, uma vez que, sentimos que a TAP se está a valorizar, o seu balanço está se a valorizar, em função do momento em que estamos a viver? Se calhar não há assim tanta pressa. 

Outro problema que temos diz respeito ao novo aeroporto de Lisboa. Temos várias soluções em cima da mesa e uma comissão a avaliar essas possíveis localizações…

Tive a oportunidade de participar na semana passada numa reunião da Comissão Técnica Independente que definiu quais os critérios para a localização do novo aeroporto e percebe-se uma determinada preferência, preferência esta que durará sempre entre oito a dez anos.

Fala na hipótese Alcochete? 

É preciso perceber os impactos ambientais e perceber qual o modelo de financiamento do próprio aeroporto. Mas a pergunta que o turismo deixa e que a hotelaria, em particular, deixa é então e o plano B? Vamos continuar a assistir a este espetáculo em torno do aeroporto da Portela, onde todos reconhecemos que estamos a entregar um serviço de má qualidade? E atenção, esta é sempre a primeira experiência de quem nos visita, portanto, é essencial, além da futura localização, olhar para aspetos que são muito, muito pragmáticos e que têm a ver com o normal funcionamento do aeroporto da Portela. E além de definir uma localização é preciso e rapidamente autorizar as obras, utilizar mais espaço de estacionamento e mais capacidade área para poder aumentar o número de movimentos. Foram todas estas questões que deixámos nessa apresentação.

Entre Alcochete e Montijo prefere o segundo?

A preocupação do setor da hotelaria não é discutir o sítio. Não temos competência técnica para o fazer. Deixamos a quem sabe, agora a nossa responsabilidade enquanto dirigentes associativos, num setor absolutamente crítico para o desenvolvimento não só de Lisboa, mas também do país é até termos um novo aeroporto que plano B, plano C existem? Para quê? Para que possamos melhorar a qualidade de entrega, responder às companhias aéreas que querem operar em Lisboa em resultado do interesse pelo nosso país. Essas questões têm de ser todas respondidas. 

E Montijo pode ser usado, por exemplo, como plano B, assumindo que se opta por Alcochete? 

O aeroporto do Montijo tem vantagens imediatas, tem uma declaração de impacto ambiental, tem um modelo de financiamento assente nas taxas aeroportuárias, não resulta, por isso, num encargo para o Estado diretamente. Deixámos esse apelo à comissão técnica e deixamos o apelo ao Governo. 

No caso de Alcochete já houve estudos de impacto ambiental e essa solução foi chumbada… 

O que é que se está a ver? É que uma solução dessa natureza demorará seguramente esse tempo. E a pergunta que nós, como agentes económicos empreendedores no país, deixamos é se podemos dar-nos ao luxo de dispensar clientes? Podemos dar-nos ao luxo de servir e de entregar uma qualidade que é uma qualidade insatisfatória? 

E já há anos que ouvimos a dizer para a Portela está esgotada, mesmo com as obras que têm sido feitas….

O Aeroporto da Portela na exata circunstância atual para determinados slots está esgotado e dei esse exemplo nessa apresentação com a Comissão Técnica Independente. É evidente que há slots às quatro e às cinco da tarde, mas o período crítico, que é o período que torna viável uma operação aérea e que diz respeito às primeiras horas da manhã e às últimas horas do dia está saturado. O ponto aqui é este: a saturação resulta exatamente destes slots estarem ocupados. Então temos de trabalhar sobre isso. Temos de encontrar respostas até ter o novo aeroporto. 

Esperar dez anos pode comprometer o crescimento do turismo… 

Claro, e toda esta família do setor do turismo hoje está a apostar num turismo de maior qualidade, de maior valor acrescentado e os números são muito claros desse ponto de vista. Portugal em 2022 e em 2023 crescerá claramente acima da média da União Europeia com uma impressão digital chamada turismo. 

Foi secretário de Estado do Turismo. Como é que vê a pasta de turismo estar junto com a do Comércio?

O setor do turismo também ganhou uma senioridade importante, não se confina à parte pública. Há uma parte empresarial que está mais qualificada e isso verifica-se um pouco por todo o país. É essencial que nestes dossiês, que têm extrema importância para o setor do turismo e referi aqui três – a questão do aeroporto, a questão do futuro da TAP e a questão da revisão da lei dos empreendimentos turísticos – que haja de alguma maneira um compromisso forte e um envolvimento forte por parte do Governo. E esse é claramente o apelo que fazemos. 

Sente que tem havido esse compromisso? 

Do ponto de vista dos princípios, do ponto de vista da disponibilidade existe, mas o que é para nós é fundamental é que na prática e depois o que resulta daí seja uma coisa que seja boa para o setor do turismo, porque sendo boa para o setor do turismo, é boa para Portugal. 

E as mudanças na secretaria de Estado? O setor saiu penalizado com a saída da Rita Marques? 

Não. Diria que ambos são duas pessoas muito competentes, muito comprometidas com a sua missão. Aí se me permite acho que é possível dizer que, independentemente do ciclo político, ou seja, independentemente de quem governa, seja à esquerda, ou seja, à direita, os responsáveis têm sido pessoas comprometidas com o setor. Isso é bom. 

Mas tendo em conta que estamos perante um Governo de maioria absoluta, não deveria haver mais rapidez nestas decisões que apontou como essenciais?

Temos um Governo que está em funções há um ano e meio, ainda não chegou a metade da legislatura, os problemas estão identificados, o apelo que fazemos é que as decisões sejam tomadas com este compromisso. Não nos demitimos da nossa responsabilidade enquanto entidade associativa e participaremos sempre neste debate. 

E no caso do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] está alocada alguma verba para o setor? 

Tem havido um conjunto de situações de natureza importantes, como a descarbonização da economia. Por exemplo, a criação de alternativas energéticas para as unidades hoteleiras é um exemplo de como o PRR pode intervir e intervindo bem, mas pode ter uma outra ambição. Outro exemplo, foi aquilo que já dissemos no Algarve e que voltamos a referir é que a rede de transporte interconcelhia no Algarve é frágil, obriga a que muitas vezes o colaborador tenha de viver ou pernoitar no concelho onde trabalha e isto resulta do quê? De uma estrutura frágil de mobilidade. Ora, o PRR pode ser um instrumento ao serviço das populações e do setor do turismo, em particular.

E no caso do novo aeroporto, a opção de ir para a margem sul vai também exigir investimentos em termos de infraestruturas… 

Muito significativas, como a terceira travessia e um olhar para a ferrovia de maneira diferente. Temos uma série de desafios e por isso falo de um prazo longo.

É o caso da alta velocidade…

A questão do TGV é de responsabilidade, porque quem foi poder e quem depois passou a oposição teve atitudes diferentes e aí não importou o sentido de Estado e o sentido do interesse nacional.

Durante a pandemia foram cancelados uma série de projetos. Neste momento estão quantos hotéis previstos para abrir? 

As informações que temos são informações das imobiliárias e que apontavam para cerca de 60 novos hotéis em Portugal.

Para este ano?

Admito que o tema do setor da construção possa também estar a sofrer um bocadinho e poderá haver alguns adiamentos.

E precisamos de ter toda esta oferta? Além dos que já temos mais este 60 novos?

Não me cumpre enquanto dirigente associativo estar a fazer um bocadinho a planificação central. Cabe-me estimular para que os nossos empreendedores possam empreender.