O encontro do Papa com os políticos estava marcado logo para o início da visita. Antes do primeiro discurso no Centro Cultural de Belém, Francisco fez uma paragem no palácio presidencial para um encontro privado com Marcelo Rebelo de Sousa, que, desde que acolheu o Chefe da Igreja no aeroporto, não escondeu a satisfação que esta visita lhe dá. Do encontro privado entre os dois, pouco se sabe, mas é provavel que o tema incómodo da recente aprovação da eutanásia em Portugal tenha constado da conversa entre os dois.
À mesma hora, ali bem perto, centenas de pessoas, entre políticos, responsáveis do setor social, personalidades da sociedade civil e da cultura, iam entrando e ocupando o seu lugar no grande auditório do CCB. Apesar das muitas críticas ouvidas nos últimos dias de vários setores, só o Bloco de Esquerda e o Livre não marcaram presença no encontro com Francisco. Nas filas da frente, António Costa e vários dos membros do seu Governo. Espalhados pela audiência, deputados, conselheiros de Estado, ex-Presidentes da República, pessoas ligadas à comunicação social e muita gente do mundo da cultura.
Polémicas à parte, toda a sala se levantou para aplaudir a entrada de Francisco. O Papa agradeceu e sentou-se para ouvir Marcelo dizer-lhe em nome dos portugueses:
«Santo Padre,
Hoje, em Lisboa, Portugal acolhe-Vos de braços abertos. Por cinco inesquecíveis dias.
Acolhe o Vosso testemunho de Dignidade das Pessoas, entre elas e na relação com a Natureza, de Esperança, de Paz, de Fraternidade, de procura das periferias, de luta contra fomes, misérias, opressões, abusos, xenofobias, intolerâncias, exclusões dos deserdados destes tempos.
E, Convosco, acolhe também de braços abertos, os jovens católicos, e também crentes de várias crenças, e não crentes, vindos ao apelo das Vossas palavras. Porque Convosco a Vossa voz tornou-se maior do que o Vosso Povo».
Francisco ouviu e, sabendo que tinha diante de si aqueles que podem fazer a diferença na solução dos muitos problemas que deteta no mundo de hoje, aproveitou. Num discurso que terá escrito com a ajuda de Tolentino de Mendonça, o cardeal português que agora faz parte da cúria romana com responsabilidades na educação e na cultura. Com citações de Sophia de Mello Breyner, Amália Rodrigues, Fernando Pessoa e José Saramago ou Luís de Camões,, o Papa pediu a Portugal que fizesse a diferença nas políticas sociais, no acolhimento aos refugiados, no combate às desigualdades, na construção de uma cultura de paz.
«Parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios. Lisboa pode sugerir uma mudança de ritmo», disse.
Oiçam a voz dos jovens
«Jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade, desafiam-nos a realizar os seus bons sonhos. Não andam pelas ruas a gritar a sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho – a esperança da vida». E foi para eles que o Papa desafiou os decisores políticos a governarem. Desde logo, passando duma ‘cultura da morte’, para uma ‘cultura da vida e da fraternidade’. Fiel às suas preocupações de sempre, Francisco apelou aos presentes na sala para serem consequentes com os desafios que a crise ambiental coloca ao mundo e pediu para que os recursos trazidos pelo desenvolvimento económico não sejam usados para construir armas , mas para construir um estado social que possa acolher todos. Só assim, disse o Papa, os jovens podem ter condições para constituir família e colocar filhos no mundo.
Viram, ouviram
e pouco comentaram
É preciso que a Europa e o ocidente se reinventem e se abram ao mundo, porque a riqueza e o conforto têm que estar abertos a todos, sublinhou Francisco.
As palavras de Francisco foram atentamente ouvidas por ministros e deputados das várias áreas políticas, mas, à saída, para além de palavras de circunstância, poucos comentários se ouviram.
Até à hora do fecho desta edição do Nascer do SOL ainda não se ouviu um únicomentário de António Costa, nem ao discurso do Centro Cultural de Belém, nem após o encontro pessoal que teve com o Papa na Nunciatura.
Quanto aos restantes responsáveis políticos, da oposição e membros do Governo, também têm sido escassas as palavras e comentários.
Só dois homens têm fugido à regra do silêncio ao longo destes dias, Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas. Os dois têm marcado presença em todos os eventos de maior dimensão pública e não escondem a alegria e satisfação com que estão a viver estes dias. E se o facto não é de estranhar no que diz respeito ao Presidente da República, assumido católico e pai da ideia de trazer para Portugal a JMJ, já o mesmo não acontece com o presidente da Câmara de Lisboa. Moedas não é católico e teve alguma resistência em se tornar um fã da organização da Jornada em Lisboa, logo a seguir a ter vencido as eleições.
Mas nos últimos meses tudo mudou na perspetiva de Carlos Moedas. A polémica dos custos do altar-palco no Parque Tejo acabou por deixá-lo sózinho a defender a solução e, daí para a frente, o presidente da Câmara de Lisboa percebeu que, se tudo correr bem, o sucesso das Jornadas ficar-lhe-á associado. Não é de estranhar, portanto, que, de então para cá, Moedas se tenha desdobrado para mostrar obra feita, e feita antes de tempo, como gosta de sublinhar. Nos últimos meses, já muito próximo do início das Jornadas, o autarca lisboeta foi mesmo ao Vaticano para um encontro com o Papa. Moedas foi dizer pessoalmente a Francisco que a capital portuguesa estava pronta para o receber e aos jovens do mundo inteiro. De caminho, aproveitou para se dar a conhecer ao Chefe da Igreja.
Os dividendos políticos que Carlos Moedas pode tirar no futuro, depois de se ter destacado por organizar na cidade o maior evento que o país já viu, são para já desconhecidos. Só o futuro mostrará que impacto isto terá no futuro de Moedas. Mas, uma coisa é certa, se há político a transbordar de felicidade por estes dias, esse político é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Quanto ao resto da classe política, parece estar a reservar-se para mais tarde e para as contas que, na rentrée política, muitos já anunciaram que vão querer escrutinar.
A polémica com os ajustes diretos feitos nos últimos meses para que tudo estivesse pronto no início da Jornada gerou muitas críticas e levou forças políticas, da esquerda à direita, a interpelarem Governo e autarquias sobre uma aparente fuga às regras da contratação pública. Entre os críticos, ouve muitos que salientaram que, por causa da pandemia, Portugal teve mais um ano para preparar o evento. Razão suficiente para que nada se tivesse atrasado.
Do lado dos municípios de Lisboa e de Loures, a resposta chegou pronta. Carlos Moedas e Ricardo Leão tinham tudo por fazer quando chegaram às respectivas Câmaras.
Mais difícil foi a reação do Governo, que só chegou, ao fim de alguns dias, pela voz de Ana Catarina Mendes, a ministra que tem no Executivo a responsabilidade de acompanhar a JMJ. A ministra garantiu que tudo obedeceu à legislação em vigor e que os ajustes diretos têm plena justificação. Foi por isso, aliás, garantiu Ana Catarina Mendes, que o Governo aprovou no Orçamento para 2023 os casos em que, na organização da Jornada Mundial da Juventude, se poderia recorrer ao ajuste direto.
É certo que o impacto que a Jornada está a ter no país pode acalmar a discussão política. Depois da JMJ, os políticos vão de férias, e logo se verá se voltam à carga com críticas… ou talvez não.