Primazia do fundamental

Daqui por dois anos, momento em que se espera que a guerra tenha passado, a nova balança de poderes mundial seja diversa, a Europa tenha percebido que entrou num novo tempo, e Portugal esteja quase a encerrar os ciclos institucionais em curso, aí se verá se o apelo de Lisboa foi ouvido, entendido e posto…

por Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República

Juventude. Mudança. Urgência. Inclusão. Recuperação do tempo perdido. Paz. Justiça. Primazia do fundamental sobre o secundário.

Juventude quer dizer mais do que uma Jornada da Juventude. Quer dizer mais juventude a participar, a mandar, a liderar. Foram assim as grandes ruturas na história dos povos.

Mudança, porque só mais juventude permitirá mais mudança. Sobretudo em continentes velhos em ideias, sistemas e soluções, como é o europeu.

Urgência, porque o mundo de 2023 já não é o de 2019. Deixou de crescer. Sofreu uma pandemia, cujas lições ainda não absorveu. Vive uma guerra global. Atravessa várias crises globais. Tem de superar tudo isso com urgência.

Inclusão, porque a mudança não pode deixar ninguém de fora. O atraso irrecuperável de alguns, sejam pessoas, países ou continentes trava o avanço de todos. Além de inumano é estúpido.

Recuperação do tempo perdido, porque nestes quatro anos vivemos todos tempos de paragem, confinamentos, egoísmos, repetição de fórmulas passadas, adiamentos de soluções futuras.

Paz, no respeito do direito internacional, sem a qual a mudança ficará sempre retardada, insuficiente, ilusória.

Justiça, porque sem ela a pobreza, o seu risco, a desigualdade, criarão fossos que, eles próprios, impedirão a mudança para a esmagadora maioria das pessoas e dos povos.

Primazia do fundamental sobre o secundário, supondo o relacionamento entre as pessoas, a prioridade à natureza e à ação climática, a abertura de horizontes, a capacidade de converter sonhos em realidades, o deixar para segundo plano questões menores, por exemplo, as de discutir protagonismos, ganhos conjunturais, pormenores do dia a dia, que são pouca coisa quando comparados com o apelo destas semanas e o muitíssimo que há por fazer.

A Jornada foi portadora desta e de muitas mais mensagens.

Como todos os instantes de reflexão para a rutura, valeu pelas pistas que apontou, mas valerá ainda mais pelos factos que, no futuro, lhes venham a dar sequência.

Daqui por dois anos, momento em que se espera que a guerra tenha passado, a nova balança de poderes mundial seja diversa, a Europa tenha percebido que entrou num novo tempo, e Portugal esteja quase a encerrar os ciclos institucionais em curso, aí se verá se o apelo de Lisboa foi ouvido, entendido e posto em prática. Ou seja, se a esperança de hoje pode vir a ser, ao menos em parte, a certeza de amanhã.