Sol, areia e banhos de mar: para muitos portugueses este triângulo mágico é sinónimo de umas férias perfeitas. A areia permite às crianças escavar túneis, construir fortalezas de brincar e amassar bolos imaginários. Para os adultos, a informalidade dos calções e tronco nu, ou biquíni para as senhoras, oferece um alívio bem-vindo às regras de indumentária do período laboral. Por toda a parte – exceto nas praias mais apinhadas, onde podemos chegar a sentir-nos sitiados – respira-se uma atmosfera de liberdade. E depois há os pequenos prazeres que passam quase despercebidos, o cheiro do creme para o sol, o sabor de uma bola de berlim depois de um mergulho, os passeios junto à linha da rebentação.
“Ele nunca se tinha entretido e divertido tanto com a visão da praia, esse espetáculo de pessoas civilizadas e despreocupadas a retirarem prazer sensual da proximidade dos elementos”, escreveu há 120 anos Thomas Mann em Morte em Veneza. “O mar plano e cinzento já estava cheio de crianças a chapinhar, nadadores, uma mistura de figuras deitadas nos bancos de areia com os braços cruzados atrás da cabeça. […] Mais à frente, na areia húmida e firme, as pessoas desfilavam em mantos de banho brancos ou embrulhadas em cores vibrantes. […] ‘Sim, vou ficar’, pensou Aschenbach. ‘Onde é que as coisas poderiam ser melhores?’”.
No romance de 1912 de Mann, a praia do Lido, assim descrita, servia de contraponto a uma outra presença muito forte na Laguna de Veneza – a da doença, da decadência e da morte.
E foi precisamente como antídoto contra as maleitas que nasceu este hábito de passar uma temporada junto ao mar. Curiosamente, na cinzenta e chuvosa Inglaterra.
O médico que ‘inventou’ os banhos de mar Um retrato de 1755 mostra Richard Russell como um homem sério, de queixo redondo e olhos pequenos, peruca encaracolada e punhos de renda. Por baixo da enorme casaca de botões dourados, usa um cachecol branco que lhe protege totalmente o pescoço.
Embora já houvesse paladinos do banho frio em Inglaterra, este homem aparentemente sisudo e convencional foi um pioneiro na sua área. Em 1747, com perto de 60 anos, começou a experimentar o uso terapêutico da água do mar – com excelentes resultados. Em 1750 publicou um tratado em latim em que recomendava os banhos de mar, mas também a ingestão da água salgada, para curar o inchaço das glândulas linfáticas.
O local ideal para as abluções, defendeu, era a localidade de Brighton, para onde o próprio Russell acabaria por mudar o seu consultório. As traseiras da sua casa de tijolo davam diretamente para a praia. Já depois da morte do médico, Brighton começou a ser frequentada por membros da família real. Com a visita do príncipe de Gales em 1783, que seria apenas a primeira de muitas nos 40 anos seguintes, tornou-se a principal estância balnear de Inglaterra.
Mas a ‘febre’ da praia já estava a alastrar a toda a Inglaterra. E Russell não era o único a receitar os banhos no mar. Numa data tão recuada quanto 1621, Robert Burton sugeria, no influente clássico The Anatomy of Melancoly, a mudança de ares para combater o demónio da melancolia e há quem faça remontar a tradição das férias balneares a essa recomendação de Burton.
A Revolução Industrial também contribuiu para o fenómeno. Com as cidades como Londres, Liverpool e Manchester cobertas por mantos de fumo das fábricas, muitos médicos mandavam os seus pacientes para zonas costeiras, para beneficiarem das propriedades curativas dos ares marinhos. A descoberta do oxigénio, pelo químico francês Antoine Lavoisier, em 1778, parecia reforçar essa necessidade do ar puro e lavado que soprava do oceano.
Assim, por toda a Europa começaram a surgir tanto hotéis como hospitais junto ao mar – em Portugal, temos o exemplo paradigmático do Hospital Ortopédico de Sant’Ana, estrategicamente localizado para aproveitar a atmosfera rica em iodo da região.
Extravagância e devassidão Embora fossem grandes adeptos dos banhos nas termas, entre os antigos romanos era visto como sinal de distinção passar uma temporada na praia – fosse na Península ou até na Grécia ou no Egipto – ou possuir uma propriedade junto ao mar.
“Os membros da elite romana começaram relativamente cedo a construir elegantes vilas ao longo da costa da Itália, um fenómeno que no final do século II a.C. parece ter estado bastante disseminado”, escreveu Annalisa Marzano em Roman Villas in central Italy. A Social and Economic History. “Foi justamente pelo grande número de ousadas vilas pontilhando seu litoral que Estrabão descreveu a Baía de Nápoles como uma delicada taça com uma cidade contínua. Esta intensa atividade de edificação não se limitava de forma alguma à baía de Nápoles. Outro local de lazer muito popular entre a elite durante a República e o Império era o Litus Laurentinum, um lugar muito conveniente para se ter uma villa devido à sua proximidade a Roma”. Porém, continua Annalisa Marzano, “quando os autores antigos se referem às vilas costeiras, geralmente é para lamentar o seu luxo ostensivo e o consumo desenfreado que nelas tinha lugar. A villa marítima surge como símbolo de extravagância, libertinagem, até devassidão”.
E, de facto, não podiam faltar nestas povoações os lugares dedicados ao jogo e à prostituição.
‘O mais pavoroso espetáculo’ Com a queda de Roma e dos seus valores mundanos, as estâncias balneares perderam o seu poder de atração. O Cristianismo desconfiava do corpo – e, como tal, tudo o que sugerisse uma vida de ócio e prazer sensual devia ser evitado.
O mar, entretanto, ganhou toda uma série de conotações negativas. “O historiador Alain Corbin traça um percurso do olhar do homem ocidental sobre o mar e praia até ao século XVIII», escreveu Pedro Alexandre Guerreiro Martins na dissertação de mestrado ‘Contributos para uma história de ir à praia’ (2011). “Na sua obra O Território do vazio. A praia e o imaginário ocidental, [Corbin] explica como a visão