O Presidente da República entende que não existe qualquer inconstitucionalidade na lei da Habitação e, por essa razão, decidiu não vai enviar para o Tribunal Constitucional o pacote de medidas propostas pelo Governo. O que não significa, contudo, que não esteja a avaliar a possibilidade de um veto político, decisão que diz já ter tomado, mas que tem até domingo, dia 20, para anunciar.
«Não entendi que fosse claro que houvesse dúvidas de constitucionalidade», afirmou Marcelo Rebelo de Sousa em declarações à TVI/CNN Portugal, a partir da praia de Monte Gordo, onde está a passar férias.
«Sei que há na sociedade portuguesa quem entenda que há essas duvidas, sobretudo devido ao arrendamento coercivo e ao alojamento local», reconheceu, mas desta vez entendeu que, «com as alterações introduzidas» no processo parlamentar de apreciação da lei, as dúvidas dissiparam-se. «Entendo que a questão que se levanta não é de inconstitucionalidade», voltou a vincar.
Marcelo Rebelo de Sousa assumiu que já tomou uma decisão, mas não revelou qual. «Agora entramos no período de mais uns dias, até ao dia 20, em que vou focar na questão política. Já decidi mas, como tudo na vida, é uma ponderação de argumentos mais favoráveis ou mais desfavoráveis, é bom que ficasse claro que não é por razão de Constituição», esclareceu, deixando no ar a hipótese de vir a vetar politicamente o pacote desenhado pelo Executivo socialista que chegou a comparar a «melões».
«Se entender que [a lei], tal como está, não é suficiente, devolvo [ao Parlamento]», conjeturou. Certo é que as alterações feitas às propostas mais controversas podem não ter sido suficientes para convencer Marcelo, até porque, tal como lembrou, «só o PS é que votou a favor deste diploma». «Não houve um acordo, o que é sempre desejável em matéria de habitação», argumentou o Presidente.
O pacote Mais Habitação sofreu alterações significativas relativamente à versão inicial apresentada em fevereiro, que mereceu forte contestação dos proprietários, dos inquilinos e do setor do alojamento local. Desde logo, no que respeita ao arrendamento coercivo de imóveis devolutos, uma das medidas mais polémicas desde o início e que se mantém, mas alterada e praticamente esvaziada, reservada apenas para situações muito excecionais.
Já o alojamento local, objeto de um número significativo de medidas, viu algumas delas serem aligeiradas – por exemplo, a nova contribuição extraordinária foi reduzida para metade – mas foram, também, apresentadas propostas que apertam a legislação para novos AL, como a que prevê que para abrir uma nova unidade é preciso o apoio unânime do condomínio.
Caso o Presidente da República vete o diploma, esta será a 28.ª vez que faz uso desse poder. Desde que chegou a Belém, Marcelo já vetou 27 diplomas, dos quais cinco incidiram sobre decretos do Governo e 22 sobre legislação da Assembleia da República.
PR requer fiscalização de nova lei da droga ao TC
Ao contrário do que aconteceu com o Mais Habitação, o Presidente da República decidiu enviar para o Tribunal Constitucional o decreto do Parlamento que descriminaliza as drogas sintéticas e faz a distinção entre o tráfico e o consumo dessas novas substâncias. Numa nota publicada na quinta-feira no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa justifica que requereu a fiscalização preventiva de constitucionalidade do diploma pela «falta de consulta» aos órgãos de Governo das regiões autónomas da Madeira e Açores.
«Verifica-se que não houve lugar à audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas», refere a mesma nota, que recorda ainda que a lei fundamental «impõe, […], a referida audição nos seguintes termos: ‘Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional’».
O chefe de Estado manifesta também «reservas sobre uma questão de conteúdo», mas não a identifica.
A decisão do Presidente da República surge na sequência de o parlamento da Madeira ter solicitado ao chefe de Estado que não promulgasse a nova lei da droga, alegando uma «violação da Constituição da República Portuguesa». Numa carta enviada a Marcelo Rebelo de Sousa no início de agosto, o presidente da Assembleia Legislativa da Madeira já alertava para o facto de o diploma ter sido aprovado sem o «cumprimento do dever de audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas». José Manuel Rodrigues reiterava na altura que o incumprimento deste dever pela Assembleia da República conduzia à «inconstitucionalidade e ilegalidade» da nova legislação.
O texto final do diploma em causa foi apresentado pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na sequência de dois projetos de lei do PSD e do PS, e recebeu luz verde no hemiciclo, a 19 de julho, com votos a favor do PS, IL, BE, PCP, PAN e Livre, o voto contra do Chega e a abstenção do PSD e dos deputados socialistas Maria da Luz Rosinha, Carlos Brás, Rui Lage, Fátima Fonseca, Catarina Lobo, Maria João Castro, Tiago Barbosa Ribeiro, António Faria e Joaquim Barreto.