O tiro de partida para um ano decisivo para o PSD foi dado na passada segunda-feira na histórica Festa do Pontal, devolvida desde o ano passado ao calçadão de Quarteira. Luís Montenegro entrou a jogo trazendo para a ordem do dia a redução de impostos, debate que promete marcar o ano político que se inicia já em setembro. No calendário eleitoral avizinham-se umas europeias determinantes, que podem ditar o fim do ciclo socialista ou então perpetuar a máquina de triturar líderes do PSD. Sendo que a partir dessas eleições, marcadas para junho de 2024, pode estar muito mais em jogo, com autárquicas previstas para 2025 e legislativas para 2026.
Depois de dias e dias em que foi outro social-democrata, Carlos Moedas, a aparecer todos os dias na comunicação social, o presidente do PSD quis aproveitar a rentrée do partido para voltar a ter algum protagonismo político. E, apesar de o autarca lisboeta ter sido um dos convidados de honra que o líder social-democrata levou para o Algarve, Montenegro não saiu ofuscado deste Pontal. Ou, pelo menos, não da mesma forma que no ano passado quando as atenções se viraram para Pedro Passos Coelho, na primeira aparição do antigo primeiro-ministro em eventos do partido desde que abandonara o cargo.
Desta vez, o líder social-democrata dirigiu-se a uma multidão de cerca de 1200 militantes e simpatizantes – sem o entusiasmo do ano anterior – ladeado por Luís Marques Mendes e Carlos Moedas (um dos mais aplaudidos da noite ainda que não tenha proferido uma única palavra desde o púlpito laranja).
A escolha desta comitiva de honra não terá sido à toa. O primeiro é apontado para ser candidato à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa em Belém. Já o segundo é tido entre alguns desalinhados de Montenegro como seu putativo sucessor, caso o PSD se estatele nas próximas europeias.
Dentro do PSD, ninguém ignora o facto de Carlos Moedas ser «o único que tem poder», tal como confessam fontes sociais-democratas. Ainda não se sabe quando poderá receber os dividendos do capital político angariado durante a Jornada Mundial da Juventude, mas Moedas conseguiu a credibilidade que Montenegro ainda anseia, mostrando ser capaz de elevar Lisboa à condição de anfitriã de um evento de dimensão mundial e de forma bem sucedida.
Isso joga a seu favor em futuras aventuras eleitorais se for capaz de gerar confiança no eleitorado. E Luís Montenegro também não é imune às contas que se vão fazendo no partido. Empenhado em passar uma imagem de um PSD «unido» e «coeso», o presidente social-democrata procurou recuperar o ímpeto da JMJ e reservou rasgados elogios ao autarca lisboeta, saudando-o por ter sido um «pilar fundamental» e o «principal anfitrião» do maior evento do mundo da Igreja Católica.
Os ‘dois Carlos’
Entre os cenários que se vislumbram, se as europeias correrem bem ao PSD, também será vital para Montenegro ter Moedas como recandidato à Câmara de Lisboa nas próximas autárquicas, uma vez que isso também ajuda a catapultar o partido para as próximas legislativas de 2026.
E foi exatamente essa a imagem que ficou quando Montenegro convidou o presidente da Câmara de Lisboa e os restantes autarcas sociais-democratas que estavam presentes no Pontal a subir ao palco enquanto discursava. Ao colocar Carlos Moedas na mesma condição que o senador Carlos Carreiras, ou outros presidentes de câmara do PSD, acabou por lhe retirar o peso de eventual adversário interno.
O presidente do PSD partiu para este Pontal sabendo que esta não é uma rentrée qualquer e, apesar de alguns sociais-democratas estarem animados e perspetivarem que a edição do próximo ano poderá ser ainda mais alargada no Calçadão da Quarteira, a verdade é que quando o partido se voltar a encontrar no Algarve, em agosto de 2024, o ambiente poderá ser muito diferente.
Independemente disso, o líder social-democrata terminou o seu discurso com uma promessa: «Vamos estar no Pontal de 2024 para festejar a vitória nas eleições europeias». Certo é que tem menos de um ano para garantir esse desígnio e ainda não se vislumbram candidatos a eurodeputados.
Segundo fontes próximas da direção social-democrata, os nomes que vão integrar a lista do partido ao Parlamento Europeu não deverão sequer ser conhecidos ainda este ano. E se até aqui tinha havido um namoro entre o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e o PSD, agora nada indica que venha a ser consumado nas europeias de 2024.
A cumprir o terceiro e último mandato à frente da autarquia portuense, o independente tem vindo a ser apontando por vários sociais-democratas como uma boa solução para liderar a lista do PSD ao PE e um ativo capaz de capitalizar nas urnas contra o PS, mas, segundo já escreveu o Público, o autarca não estará disponível para renunciar ao mandato e trocar o Porto por Bruxelas.
Entretanto, nos bastidores do partido já se começam a pensar noutros nomes agregadores dos vários setores do PSD e com capital político suficiente para derrotar os socialistas. Ao que o Nascer do SOL apurou, um deles é o de José Pedro Aguiar-Branco, antigo ministro nos Governos de Durão Barroso, Santana Lopes e Pedro Passos Coelho.
Pontal com ‘pouca chama’
O grande desafio de Montenegro está em encontrar um cabeça de lista forte e a escolha deste candidato é especialmente relevante porque o nome socialista apontado até agora é o de Marta Temido, que nos tempos em que era ministra da Saúde ganhava nos rankings de popularidade entre os membros do Executivo de António Costa.
Sobre esta questão, o antigo ministro Miguel Relvas também quis deixar um conselho ao presidente do PSD, antevendo apenas duas hipóteses: ou Luís Montenegro tem «uma grande criatividade» para escolher um candidato para as eleições europeias ou terá mesmo de ter «uma grande coragem» e ser o próprio líder social-democrata a encabeçar a lista para conseguir ganhar.
Em declarações na CNN Portugal, onde comentava o panorama da rentrée política, o ex-dirigente social-democrata também deixou críticas à direção do PSD e falou na «incapacidade da oposição».
«Independentemente dos discursos, notei pouca chama na rentrée do PSD, o mesmo se verificou no Iniciativa Liberal e se há de notar nos outros partidos», afirmou.
Não é certo que este tenha sido o último Pontal do atual presidente social-democrata, mas só uma vitória nas europeias daria folgo à liderança montenegrista, ao mesmo tempo que terminaria com o ciclo de derrotas do PSD. Mas Montenegro está ainda muito condicionado pelo resultado na Madeira e falta perceber se vai ou não ficar refém do Chega. O partido tem obrigação de reeditar a maioria absoluta, mas isso depende sobretudo de Miguel Albuquerque. Mas tudo o que não seja uma vitória com maioria absoluta terá implicações diretas para o líder social-democrata.