O autarca que conquistou a Câmara ao PCP garante que a mudança para o PS «permitiu Loures respirar de uma outra forma» e contraria a ideia dos comunistas de que os investimentos da responsabilidade do Governo não têm de ser feitos pelo município. Por isso, tem em marcha a construção de quatro centros de saúde, chegou a acordo para erguer o quartel da GNR em Bucelas e está a renovar o parque escolar. Em relação ao hospital Beatriz Ângelo, afirma que pouco se «importa se é parceria público-privada ou se é gestão pública», rematando: «Tem é de servir convenientemente a minha população». O socialista reconhece que é uma das vozes críticas de algumas medidas do Governo e graceja: «Tenho 115 quilos, é difícil puxarem-me as orelhas». Nesta entrevista ao Nascer do SOL, Ricardo Leão faz um balanço da Jornada Mundial de Juventude (JMJ) e admite que uma das suas grandes preocupações foi que uma parte significativa do investimento feito ficasse no concelho. Afasta a ideia de que os ajustes diretos representaram qualquer tipo de favorecimento e não hesita: «Da minha parte estou perfeitamente à vontade».
Loures foi também palco da Jornada Mundial da Juventude. Que balanço faz?
Faço um balanço positivo e que é reconhecido por todos os intervenientes. Ninguém acreditava que era possível chegar a 1,5 milhões de peregrinos e só no nosso território de cerca de 55 hectares chegaram a um milhão. É algo que não vamos assistir nunca mais nas nossas vidas, a um evento com esta dimensão. E dito por Sua Santidade o Papa, foi das mais bem organizadas, mais bem preparadas.
Como responde às críticas que feitas às verbas que foram usadas?
Se há coisa que aprendi é que tudo o que é crítica construtiva é analisada e devidamente tratada. Tudo o que é crítica destrutiva entra-me a cem e sai-me a dois mil. Houve críticas que foram destrutivas, mas em relação à questão das verbas foi obviamente construtiva, pois estamos a falar de dinheiros públicos. Da nossa parte, e acho que da parte de todos, a grande dificuldade que existiu foi chegar ao tal memorando de entendimento. Houve um momento em que as diversas entidades, particularmente a Igreja, o Governo, a Câmara de Lisboa e a de Loures demoraram um bocadinho até todos nos entendermos com o que é que cada um tinha de fazer. Só em setembro/outubro do ano passado é que fechámos o memorando. Da nossa parte, tínhamos uma verba prevista para gastar à volta dos 10 milhões de euros, no entanto, a nossa grande preocupação, enquanto Câmara, foi fazer com que uma parte significativa desse investimento ficasse no concelho. Tentámos ao máximo evitar situações de alugueres temporários que depois não iriam ter qualquer tipo de finalidade ou de uso. Hoje, posso dizer com toda a certeza que 80% do dinheiro que foi gasto – e não chegámos aos 10 milhões, chegámos aos 8 milhões – foi verba que ficou. Só 6,5 milhões foram para infraestruturar todo aquele espaço, mas é obra que fica já como base para o futuro espaço verde que vamos criar juntamente com o Governo. Outra preocupação estava relacionada com a necessidade de tratar dos resíduos. Temos uma lacuna no nosso concelho, muitas das nossas freguesias tinham contentores já degradados, uns por má utilização, outros pela idade, e aproveitámos esta ocasião para adquirir cerca de dois mil contentores que foram utilizados na Jornada e agora vão ser relocalizados nessas freguesias. Outro exemplo, havia um desejo grande por parte das juntas em criar ecocentros ambientais de recolha. Era um investimento avultado, mas, como era necessário para a Jornada haver esses contentores com essas dimensões, adquirimos dez e vamos agora criar esses ecocentros espalhados pelas freguesias. Desde o início, houve uma grande preocupação da minha parte para que tudo o que fosse gasto fosse reaproveitado no futuro.
E em relação à polémica dos ajustes diretos?
Quando se fala de ajuste direto, o que é que isso quer dizer? Houve favorecimentos e pagou-se mais caro. Quando se fala de ajuste direto, a finalidade é esta, não vamos meter a cabeça na areia. Mas o ajuste direto não é sinónimo nem de favorecimento, nem que se está a pagar mais caro. É um instrumento legal utilizado pela contratação pública há vários anos e que vai continuar a ser usado. Aquilo que aconteceu foi que, tendo em conta o tempo que havia para a concretização da JMJ, o Governo – e, na minha opinião, bem – aceitou recorrer a esse instrumento. Fui um dos primeiros a pedir isso ao Governo, porque, quando cheguei há um ano e sete meses a presidente da Câmara, não tinha nada, não tinha nenhum projeto, enquanto Lisboa já tinha o projeto da ponte e de uma série de infraestruturas. A única hipótese de infraestruturamos aquele espaço e de fugirmos ao tempo da contratação pública normal só era possível com este regime de excecionalidade e que também foi utilizado pela Parque Expo. Na Expo 98, este instrumento legal foi usado e hoje já ninguém fala nisso. Este regime de excecionalidade permitiu que as câmaras e as entidades pudessem concretizar o que se tinham comprometido fazer. Isso é sinónimo de corrupção? É sinónimo de favorecimento? É sinónimo de se pagar mais do que se devia? Não, da minha parte não foi contratada a primeira empresa que apareceu. Fizemos consultas a várias empresas, estivemos atentos a ver o preço de mercado. Dizem que se fosse por concurso público seria mais barato; ora, não sei se seria. Uma coisa é certa: fomos inspecionados pelo próprio Tribunal de Contas (TdC). Vivemos num estado democrático, temos instituições como o TdC e outras, que podem, em qualquer altura, em qualquer momento, fazer as suas inspeções para tirarem as dúvidas que entenderem. Estou perfeitamente à vontade e tranquilo.
Mas por causa das polémicas houve gastos que foram reduzidos, como foi o caso do altar-palco…
Vou ser muito honesto, como era uma matéria que dizia respeito ao presidente da Câmara de Lisboa não tive, nem manifestei qualquer tipo de opinião. Hoje, digo com franqueza: se o palco fosse um bocadinho mais alto, se calhar teria sido bom. Às vezes pensamos um bocadinho pequeno e as pessoas que ficaram atrás não tiveram visibilidade para o palco. É claro que a preocupação com o dinheiro público é legítima, é mais do que legítima, agora associar-se esta figura do ajuste direto a favorecimentos e que se gastou mais… não faz sentido.
E a ideia é usar aquele espaço para atrair outros eventos…
Temos dois terrenos muito distintos, porque temos o IC2 que é uma barreira que divide o rio do parque verde. Mas mesmo junto ao rio temos cerca de 15 a 20 hectares, que acompanha o passadiço e é onde a Câmara vai intervencionar. Em reunião de Câmara, vamos pedir um empréstimo na ordem dos três milhões de euros para investir naquele espaço. Do lado da IC2 vai ser o Governo a entregar o espaço já todo construído com o parque verde. Foi um ganho importante para o município, porque vai ser o Governo a investir 3,5 milhões num espaço que depois virá para a posse da autarquia, com 500 árvores plantadas e com todo um sistema de equipamentos de restauração e de animação que são necessários para dar dinâmica ao local. Caso contrário, ninguém vai para lá. Vamos ter um espaço muito importante para fazer grandes eventos e no nosso lado do triângulo vamos já ter a Semana Académica de Lisboa.
Loures chegou a receber o Super Bock Super Rock…
Os dois espaços verdes têm objetivos muito importantes. Um é o de ser um pulmão verde, o segundo é conseguirmos atrair famílias que possam usufruir daquele espaço. Nasci ali e sempre vivi ali e em toda aquela linha – Santa Iria de Azoia, São João da Talha, Bobadela e Sacavém – vivem mais de 100 mil pessoas que viveram durante décadas com barreiras de contentores de seis a sete pisos que lhes inviabilizavam qualquer tipo de acesso à zona ribeirinha. Tínhamos uma zona ribeirinha requalificada com a Expo 98, mas quando o atual primeiro-ministro, na altura presidente da Câmara de Lisboa, entendeu fazer a reforma administrativa retirou-nos aquele espaço e Loures ficou sem uma frente ribeirinha.
Essa ideia de ligar até Cascais já era antiga…
Digo hoje com toda a certeza que, se não fosse este evento desta dimensão, desta notoriedade e com esta importância, jamais aqueles contentores sairiam dali, porque era o principal porto seco de abastecimento do Porto de Lisboa. Era impossível, era impensável. Tentou-se durante décadas e nunca se conseguiu e, por isso, a escolha deste local foi uma escolha sensata, mas com um fim muito específico que foi a retirada daqueles contentores. Agora, há que começar a fazer o projeto, começar com a obra no tal parque verde para criarmos condições para termos um espaço para recebermos grandes eventos. A nossa marca é Loures no centro, mudámos a marca do município por alguma razão, porque queremos estar no centro da Área Metropolitana de Lisboa. Lisboa está ao lado de nós, Sintra também, o mesmo acontece com Mafra e Odivelas, já que fazemos fronteira com todos estes municípios. Se geograficamente falando está no centro, então também tem de estar no centro dos grandes investimentos, na captação da iniciativa privada e na captação de grandes eventos dos Super Bock desta vida, dos NOS Alive desta vida, etc. É esse o caminho que vamos percorrer.
E trouxe também o concelho para o centro das atenções…
A jornada foi importante para dar essa notoriedade ao concelho de Loures, mas o município não esteve parado este mês e meio, ou estes dois meses ou três meses para a sua preparação. Estivemos a trabalhar naquilo que é a promoção da qualidade de vida das pessoas, em matéria da educação e infraestruturas. Estes dois anos foram para preparar tudo e o próximo mandato vai ser para executar um conjunto de investimentos que ultrapassam em muito a Jornada Mundial da Juventude.
Que investimentos são esses?
Esta mudança que houve em Loures permitiu respirar de uma outra forma. O concelho, durante oito anos, esteve sob uma gestão comunista e, por razões ideológicas, esteve parado durante muito, muito tempo. Posso dar vários exemplos, a CDU não construiu durante oito anos centros de saúde, porque considerava que era uma competência do Governo. Mas olhávamos para a Amadora, Vila Franca de Xira, Odivelas, tudo gestão PS, e estavam-se a construir centros de saúde. Então por que é que em Loures não se fazia? Ora, essa marca ideológica profunda colocava mal o interesse das pessoas. Em segundo lugar, a ideologia que marcava muito a gestão comunista neste concelho atrasou-nos não só em matéria da saúde, mas também em matéria de requalificação do parque escolar, na criação de infraestruturas de áreas fundamentais para a vida das pessoas. Era importante darmos um passo significativo e recuperar esses oito anos de atraso de investimento municipal e privado. O investimento privado, hoje, olha-nos de uma forma muito diferente e dizem claramente que se respira melhor.
Isso traduz-se em quê?
Só neste mandato estão em execução 500 milhões. Dou-lhe exemplos: está em fase de finalização o maior entreposto do país do Lidl. Os dois maiores operadores de logística da Europa e do mundo, a DHL e a DPD, estão a instalar-se no nosso concelho. A DHL está a instalar a sua sede social aqui. Não é sinónimo de se estar a respirar de outra forma? Este investimento privado que está em execução vai criar quatro mil postos de trabalho neste mandato e vai dar prioridade à população do concelho. As empresas querem, obviamente, pessoas que vivam aqui até por uma questão de maior proximidade. Este valor é uma coisa nunca antes vista. E isto foi importante porquê? Porque mal chegámos fizemos uma alteração profunda à macroestrutura da Câmara. No Departamento Urbanístico tratava-se de tudo, desde o licenciamento da pequena vivenda a investimentos de 100 ou 200 ou 300 milhões de euros; tivemos de fazer uma separação clara para dar atenção ao munícipe que está a construir a sua vivenda e que precisa de um licenciamento rápido, porque tem prazos, nomeadamente ao nível dos empréstimos bancários, mas também aos grandes investimentos. Outro exemplo, as AUGI, casas de génese ilegal, são um drama que infelizmente ainda existe no nosso concelho. A CDU atribuiu oito alvarás em oito anos. Num ano e sete meses já atribuímos nove alvarás. Temos 30% da população do concelho de Loures que vive em áreas urbanas de génese ilegal e são pessoas têm as suas casas, pagam IMI, pagam água, luz e os impostos, mas não têm as suas casas legalizadas. Isto é um drama, importa olhar para isto de uma outra forma. Criámos uma estrutura muito centralizada naquilo que são áreas urbanas de génese ilegal e vamos investir cerca de 3,5 milhões em obras de infraestruturação numa série de bairros para poderem estar em condições de serem legalizados.
Quando tomou posse já estava à espera destes problemas?
Nunca pensei que a matriz ideológica se sobrepusesse de tal forma aos interesses das pessoas. Isso é que me entristeceu. A ideologia é importante, mas colocar ideologia à frente dos interesses das pessoas não faz sentido. Então não se construíam centros de saúde porque era uma responsabilidade do Governo e ao lado fazia-se? Tanto que é possível que vamos construir neste mandato quatro centros de saúde, um investimento de 15 milhões. Estamos a acabar um em Santo Antão do Tojal, o do Catujal está a finalizar, já lançámos um concurso para o da Bobadela e vamos fazer um novo em Camarate. Dou um outro exemplo muito claro: há décadas que se fala do quartel da GNR de Bucelas e a Câmara dizia que era da responsabilidade do MAI. Era preferível colocar faixas a dizer que a culpa é do A, B. C, numa gestão do passa culpas, em vez de optar por uma gestão de colocar o interesse das pessoas à frente? O que fizemos foi uma clara alteração de visão, não há que ter ideologia, nem de colocar as táticas partidárias à frente dos interesses das pessoas. A grande diferença é que agora voltámos a colocar o interesse das pessoas à frente de qualquer tipo de tática política e tenho criticado o Governo que é do meu partido quando assim tem de ser. Temos de ter liberdade de pensamento e eu tenho, felizmente, estou aqui em primeiro lugar para defender os interesses da população do concelho de Loures. Se tiver de criticar o Governo que é do meu partid,o faço-o, já o fiz e hei de fazer sempre que entender que não estão a ser satisfeitos os interesses da população do meu concelho.
Não leva nenhum puxão de orelhas pelas críticas que faz?
Tenho 115 quilos, é difícil puxarem-me as orelhas. Em relação ao quartel de Bucelas, é um assunto que já está resolvido. Estive reunido com o ministro da tutela e o resultado foi 50/50: 50% vai ser pago pelo ministério e 50% vai ser o município a pagar. Esta foi a forma de se conseguir desbloquear um problema que se arrasta há décadas. Se continuássemos com a ideia de que o Governo é que tem de pagar e que tem de fazer, então não iríamos ter um quartel em Bucelas. Na minha campanha, sempre disse que Loures tem de fazer parte da solução de todos os problemas que afetam a vida dos da população, sejam eles da responsabilidade do Governo, da IP, seja de quem for, mas o município tem de estar na solução. Não pode estar só do lado da reivindicação, porque isso foi o que se viu nos últimos oito anos de gestão comunista. E o que se viu? Zero! Por isso é que as pessoas quiseram mudar.
Mas esses investimentos exigem dinheiro…
Claro que exigem, mas vamos pedir empréstimos bancários. Em reunião de Câmara vamos pedir cerca de 55 milhões de empréstimos bancários e temos de aproveitar todos os mecanismos que estão neste momento ao nosso dispor, porque o pior que pode acontecer é chegarmos a 2026 e não utilizarmos, enquanto país, instrumentos como o PRR que comparticipa parte dessas obras. Loures não pode deixar passar esta oportunidade. Por exemplo, no centro de saúde da Bobadela, o PRR vai financiar 2,5 milhões de euros, mas a obra vai custar 4,2 milhões. Esses dois milhões que faltam tem de ser o município a dar. Se fosse a gestão comunista, o que é que fazia? Não fazia. E os empréstimos bancários estão aí para isso mesmo. Vamos ser das poucas autarquias a usar o Banco Europeu de Investimento (BEI). Conseguimos, depois de um ano de negociações com o BEI, colocar um conjunto de investimentos e, destes 55 milhões de euros que vão à reunião de câmara, 25 milhões são do BEI com condições muito mais atrativas, com um período de pagamento mais longo, o que significa uma dívida menos pesada. Houve esta preocupação e o nosso objetivo é aproveitar os mecanismos quer do PRR, quer do PT2030, quer através do financiamento do município para não deixarmos passar esta oportunidade de requalificar a nossa rede de centros de saúde e de requalificar o nosso parque escolar. Vamos fazer um investimento na requalificação do parque escolar e em novas escolas de cerca de 40 milhões euros neste mandato, entre verbas do PRR, PT20230 e verbas do município. Vamos investir em vias, como por exemplo, em São João da Talha, em que se vai gastar sete milhões de euros. É uma obra que, obviamente, devia ser o Governo ou a Brisa a fazer, nunca a Câmara, e é por isso é que nunca foi feita, mas agora a Câmara assume e faz-se. Também o Metro finalmente viu luz ao fundo do túnel. O concurso vai ser lançado este ano e iniciará a obra no próximo. Estamos a falar de um valor que andará a rondar os 465 milhões feito pelo Metropolitano de Lisboa. Vamos ter cerca de nove estações no nosso concelho e a nossa linha será de 6,5 quilómetros, num total de 13 quilómetros.
Apesar desses projetos, o PCP acusa a Câmara de estar estagnada…
Não é isso que oiço na rua. O concelho de Loures está dinâmico, está mais visível, mas, como disse, chegámos aqui há um ano e sete meses e não tínhamos nada. Planeámos, projetámos. Agora, estes dois anos vão ser para execução, acredito que a CDU vai mudar de opinião nos próximos dois anos.
Estes projetos têm de ir à Assembleia Municipal para serem aprovados. Sente a mesma dificuldade do autarca de Lisboa que diz que chega à Assembleia Municipal e os projetos são chumbados?
Não ganhámos com maioria absoluta, mas temos de saber interpretar os resultados eleitorais. Isso também é outra capacidade que um político tem de ter. Entendi desde o início que tinha de criar condições de governabilidade para que pudéssemos colocar estes projetos todos em execução. As pessoas estão à espera de mudança. E essa mudança vai acontecer, mas para isso é preciso termos um executivo municipal minimamente coeso, para conseguirmos ter esta tranquilidade na gestão. E, aí, o PSD tem sido importante nesta gestão nestes dois anos. Colocámos no início do mandato quais eram os investimentos necessários e se fosse necessário recorrer a empréstimos bancários quais é que teríamos de fazer. Temos um acordo muito bem feito desde o início com o PSD, que partilha a gestão connosco. Estão connosco dois vereadores do PSD com áreas importantes, como o ambiente, a cultura e a atividade económica. Também tive a sorte de os dois vereadores do PSD partilharem a mesma posição, ou seja, de não colocarmos as táticas partidárias à frente do interesse das pessoas.
Optou por um acordo com o PSD. O PCP foi automaticamente excluído?
As pessoas é que ditaram, as pessoas cansaram-se da CDU, não era eu que iria chamar a CDU.
Falou na construção dos quatro centros de saúde. Mas o hospital Beatriz Ângelo também enfrenta problemas…
Essa é uma das grandes preocupações que temos. O hospital é um equipamento que conheço particularmente bem. O PS ganhou a Câmara em 2000/2001, com Carlos Teixeira, e, nessa altura, fui vereador da Câmara com a parte financeira e da educação. Conseguimos desbloquear juntamente com o Governo a construção do hospital e desbloqueámos porque cedemos de forma gratuita um terreno urbano avaliado em cerca de 35 milhões. Nessa época, investimos 3,5 milhões de euros na criação das infraestruturas à volta do hospital, ou seja, a Câmara investiu o dinheiro dos munícipes para aquele equipamento não estar a servir convenientemente a população do concelho de Loures. Já tive a oportunidade de dizer isso ao ministro da Saúde e a minha opinião foi muito clara e foi sempre a mesma desde o início: compararmos a gestão da parceria público-privada com a gestão de empresa pública não é legítimo, porque a liberdade de atuação da iniciativa privada é diferente da gestão pública. Ou se dá mais liberdade ao administrador hospitalar público, nomeadamente na contratação e no seu orçamento, ou, se não for essa a opção do Governo, então teremos de retomar a parceria público-privada. A mim pouco me importa se é parceria público-privada ou se é gestão pública, tem é de servir convenientemente a minha população. A opção do ministro da Saúde foi a de criar as chamadas unidades locais de saúde, que vão ter mais liberdade do ponto de vista de contratação pública, de gestão em termos orçamentais, associada à questão de os centros de saúde passarem para as tipologias B. Isso é muito importante, porque os médicos e os enfermeiros, quando passarem para a tipologia B, vão ser remunerados se atingirem os objetivos traçados e, em muitos casos, aos seus vencimentos soma-se mais 40% a 50%. Também pode ser importante porque vai funcionar como uma verdadeira rede de saúde primária para libertar as urgências do hospital Beatriz Ângelo. Estou com muita expectativa para saber se este novo modelo de unidade de saúde local vai ou não funcionar, mas, se não funcionar, serei novamente aquele que estará ao lado da parceria público-privada. Se estou satisfeito? Não estou. Se tenho sido crítico com o ministro da Saúde? Tenho.
Daí acusarem-no de ser uma força de bloqueio, por discordar de algumas das decisões socialistas…
Não sou força de bloqueio nenhuma. Se pensasse pela cabeça dos outros, militava no PCP. Estou no PS, desde muito novo, porque sempre tive liberdade de expressão dentro do meu partido. No dia em que sinta que esteja limitado, que esteja a ser pressionado ou a ser inibido de pensar pela minha cabeça e de não poder colocar o interesse da população do concelho em primeiro lugar, então, aí, terei de tomar uma decisão. Fui eleito presidente da Câmara por um partido que é o meu, o PS, mas tenho de ter liberdade de pensamento e de crítica sempre que assim for necessário, em defesa dos interesses da população. Foi assim no passado, é agora e será sempre.
Foi recentemente criticado por admitir despejos por falta de pagamento das rendas camarárias…
Ando na rua e as pessoas dizem-me: ‘Presidente, para a frente’. Sabe porquê? Vivemos num país em que ainda há algum sentimento – que depois é alimentado por partidos mais radicais – de que uns são mais do que os outros, uns são mais chico-espertos do que outros e aproveitam-se da ausência de fiscalização, da ausência do sistema para beneficiar do trabalho dos outros. Disse desde o início e disse-o nos bairros municipais que tem de haver direitos e deveres iguais para todos. Esse é o meu grande lema: direitos e deveres iguais para todos. Temos 2.500 fogos de habitação municipal e temos uma dívida acumulada de 15 milhões de euros. Qual foi a resposta que ao longo destes anos a Câmara Municipal de Loures deu? Olhou para o lado e fingiu que não havia um problema. A que é que isso levou? Alimentou esse sentimento de injustiça, alimentou esse sentimento que uns têm mais direitos do que outros e outros têm mais deveres do que outros. O que quis fazer foi um chega, num sentido de basta. Consegue-se resolver um problema destes sem cavalgar em ondas de radicalismos, de xenofobia ou de racismo. Não é preciso o Chega vir para Loures para resolver um problema de desigualdades de direitos e de falta de pagamento das rendas de habitação social. Um militante do PS também consegue fazê-lo.
É um problema que também afeta outras Câmaras…
Vamos estar cá para ver se as outras Câmaras não irão replicar o nosso modelo. O que quisemos fazer desde o início foi dizer às pessoas que connosco há direitos iguais para todos e reconhecer também que a Câmara não fez o seu trabalho, porque, desses 2.500 fogos, grande parte deles, mais de metade, são casas que não têm dignidade de habitabilidade. O município de Loures não investiu como senhorio aquilo que deveria ter investido. É preciso haver um novo pacto social entre os moradores das habitações municipais e a Câmara. E esse pacto é o quê? O município irá investir cerca de 20 milhões na requalificação e na dignificação da habitação dessas pessoas, mas vai exigir o pagamento da renda. É o mínimo. Agora, temos de nos dedicar à dívida. Uma parte dela está prescrita, mas há outra que não está. Por isso, fizemos um plano de regularização de dívida.
Estamos a falar de que valores de rendas?
Arrisco-me a dizer que 80% são rendas de nove euros, à época eram de 4,5 euros, mas foram, entretanto, atualizadas. Aqueles que não pagam, têm dívidas de nove euros… Isto é inadmissível. Já recebi uma série de telefonemas de presidentes de câmara a pedirem cópias do plano de regularização de dívidas porque querem replicar o modelo. É um plano amigo, não fizemos um plano que não fosse exequível ou que nos permitisse fazer despejos. O nosso objetivo não é fazer um despejo. O nosso objetivo é o cumprimento das regras. Este plano pode ir até às 60 prestações, a quem aderir são perdoados os juros de mora e estamos a falar de 2.000 e tal euros de perdão. O sentimento que cria é que as pessoas sabem que têm de pagar, porque este plano é para ser executado e para ser cumprido. E, se não for cumprido, vamos ter de fazer ordens de despejo, mas isso é normal, porque tenho uma lista de espera de mil pessoas em situações sociais muito complicadas. As casas não crescem como os cogumelos e, embora estejamos a construir mais 312 fogos de habitação social, demora o seu tempo e o município também tem de dar resposta a essas pessoas. Vamos cumprir com a nossa parte, vamos fazer as obras, vamos dar dignidade à habitação e em todo o bairro envolvente – recuperar os parques infantis, os polos desportivos -, mas vamos exigir que se cumpram as regras.
E como reagiram aqueles que estão em falta?
Nem todos são devedores. Nos 2.500 moradores há 1.250, cerca de metade que pagam, que cumprem. E durante estes anos todos têm estado a olhar para o lado e veem que aos outros que não cumprem não lhes acontece nada. Não faz o mínimo de sentido. Esses 50% que pagam aplaudem e dizem que finalmente vamos ter direitos e deveres iguais para todos. Os outros perceberam com mais ou menos dificuldade o que vai acontecer e deixo uma garantia: não volto atrás. Este caminho é para seguir em frente. E depois temos ainda a questão dos contadores de água. Em 2.500 fogos, e isso foi algo que a CDU durante oito anos não viu, só tínhamos 500 contadores ativos de água. As outras duas mil casas vivem sem água? Roubavam água. Havia um contador no prédio que estava ativo e depois iam ao ramal. A CDU nunca viu isto durante oito anos? Ignorou? É isto que não quero e, agora, com as novas competências que temos do RSI, a partir do momento em que recebemos a ação social como competência reuni-me com todas as assistentes sociais e disse-lhes: ‘A regra agora é esta: se a pessoa que vai receber o RSI não vier com água paga, nem com a renda da casa paga, se for de um morador municipal, põe-se uma cruzinha e não vai receber RSI nenhum’. E pode crer que vai ser assim.
Não vai criar conflitos?
Então e os outros 202 mil habitantes do concelho que pagam os seus impostos, que cumprem as suas obrigações, que não tem condições para suportar as rendas astronómicas que existem neste momento? Estamos a falar de rendas de nove euros, estamos a falar de água que, em muitos casos, está no tarifário social e se pagam cinco ou seis euros é muito…
Já foi feito algum despejo?
Não, é um plano que tem um tempo de duração de um ano. Mas há alguns moradores que não entregaram os papéis e há alguns casos já confirmados de ocupações ilegais das casas. Em relação às ocupações ilegais, não vamos compadecer com isso e, aí, vai haver ordens de despejo. No final do ano teremos a oportunidade de fazer esse balanço. Ando bem nos bairros, ando bem na rua, estou muito confortável e durmo consciente com esta decisão.
Em relação ao novo aeroporto, o concelho sairia beneficiado se Alverca fosse uma das localizações que estivesse a ser estudada…
A partir do momento em que o Governo e todos os partidos políticos, por consenso, particularmente o PS e o PSD, decidiram que a melhor forma de se estudar a localização do futuro aeroporto seria através de uma comissão de técnicos independentes, então o político o que tem de fazer é abstrair-se de dar opiniões públicas. E enquanto presidente da Câmara vou-me dispensar de dar a minha opinião, para não atrapalhar. Quando a Comissão independente tomar a decisão cá estarei para falar.
E em relação ao caso TAP? Foi mais um episódio que desgastou o Governo?
Foi um problema que existiu, foi um problema que desgastou o Governo e poderia ter sido conduzido de outra forma. Houve falhas, não de decisão, mas de comunicação, até mesmo interna, dentro do próprio Governo, para não falar da comunicação externa. Mas a vinda de Sua Santidade veio aliviar um bocadinho o clima de crispação. Agora que o Governo teve esta paz espero bem que tenha aproveitado para refletir e para não voltar a cometer alguns erros no futuro. Estou convicto de que António Costa já tomou a posição que tinha que tomar. António Costa é uma pessoa que tem uma experiência política que ninguém coloca em causa. Tenho a consciência de que muitas destas situações lhe passaram ao lado.
Mas deixou muitos surpreendidos quando recusou o pedido de demissão de João Galamba…
Ficou surpreendida? Eu não, conhecendo António Costa como conheço. E digo isto com toda a frontalidade, António Costa é daquelas pessoas que quando é encostado entre a espada e a parede vai para a espada. Nunca vai para a parede. Isso é algo que não é para todos. E quando todos pensavam que o estavam a empurrar para uma solução vai para outra. Isso prejudicou o país? Vamos ver. João Galamba está a fazer um trabalho em Loures muito positivo. Ainda na semana passada fomos inaugurar uma importante infraestrutura que foi a estação ferroviária de Sacavém e esteve envolvido no desbloqueio daquilo que vai ser uma importante obra no nosso concelho em São João da Talha.
E veio substituir um peso pesado socialista que é Pedro Nuno Santos…
Pedro Nuno Santos é um capítulo dois, que há de ser reaberto quando assim o entender.
Como viu o regresso de Pedro Nuno Santos ao Parlamento. Também já foi deputado…
Pedro Nuno Santos é meu amigo. Tenho uma opinião muito positiva sobre o homem, o caráter, a capacidade de trabalho e vi com muita alegria e com muita satisfação o regresso do Pedro Nuno Santos à vida política. Ele agora saberá quais os melhores timings para começar a intervir e a definir os seus objetivos políticos.
Acredita que poderá ser o próximo secretário-geral socialista?
A seu tempo veremos. Não é o único putativo candidato a secretário-geral do partido. Agora temos António Costa e vai continuar a sê-lo.
A não ser que vá para o Conselho Europeu…
Isso já é uma decisão que depende dele. Outra capacidade que António Costa tem é que na cabeça dele poucos conseguem lá entrar. É uma decisão que há de tomar, mas só ele. Podem vir mil pessoas dizer, mas no tempo dele é que há de tomar a decisão. Sempre foi assim, sempre será. O partido, felizmente, tem bons quadros, está preparado e, se a sucessão de António Costa for daqui a dois, três, quatro ou cinco anos, o partido há de estar sempre preparado para ter soluções.
Disse que a vinda do Papa deu alguma tranquilidade ao Governo. Acha que devia ter aproveitado para pensar na tal remodelação?
Essa é outra, não tenho dúvidas que a remodelação vai ser feita, porque reconheço que é necessária, mas vai ser feita no timing que António Costa entender. Pode vir o Presidente da República exigir, pode vir Montenegro exigir, pode vir a comunicação social exigir, mas será feita no momento que António Costa entender.
Em relação às eleições autárquicas pretende recandidatar-se, mas quanto a Lisboa como vê a possível ‘guerra’ entre Carlos Moedas e Marta Temido?
Se Marta Temido for candidata à Câmara de Lisboa, como se aponta, é uma candidata de peso. Marta Temido tem um valor eleitoral acrescentado por aquilo que as pessoas reconhecem que fez numa altura difícil do país, durante a crise pandémica. Ando na rua e as pessoas, particularmente as mais idosas, olham para Marta Temido como uma ministra da Saúde que esteve ao seu lado num momento difícil. Esse é um valor que não pode ser desaproveitado. Agora, se vai ser fácil ganhar a Carlos Moedas? Não vai ser fácil. Mas impossíveis não existem. Quando me candidatei à Câmara de Loures diziam-me que era impossível tirar Bernardino Soares da Câmara, no entanto, não era isso que eu ouvia na rua. As campanhas eleitorais são importantes, mas não são durante um mês ou dois. Venci a Câmara porque estive quatro anos na rua, não foi o trabalho de um ano. Como estamos a dois anos e pouco das eleições, este é um momento crucial para as pessoas irem para a rua. Sou daqueles que acredito que as eleições se ganham na rua, falando com as pessoas e, se assim for, Marta Temido vai ser um osso muito duro de roer.
Em relação a Moedas, sente que teve menos protagonismo do que ele durante a Jornada?
Não, não me sinto minimamente menorizado, nem nada que se pareça. O meu foco sempre foi conseguir atrair para o concelho de Loures aquilo que eram os propósitos e os interesses da população. Realizou-se a jornada, Loures apareceu com dignidade, com honradez, com os munícipes a sentirem orgulho em pertencerem ao concelho. O meu propósito sempre foi o pós-JMJ: o parque verde, o passadiço e, aí, vamos ficar com muito mais do que Lisboa. O meu ego pessoal não se sobrepõe aos interesses das pessoas. O interesse das pessoas é o parque verde, é o passadiço, são as infraestruturas que se vão criar e o meu ego fica para segundo plano.
Disse desde o início que não aceitava que Carlos Moedas interferisse no seu território…
E não interferiu. Tenho uma relação pessoal com Carlos Moedas excelente, uma relação até de amizade. Temos feito um trabalho muito interessante e vamos continuar a fazê-lo. Quanto ao futuro, vou em setembro internamente falar com membros do partido para mostrar a minha disponibilidade para liderar a lista da Federação do PS de Lisboa, já que é o último mandato de Duarte Cordeiro enquanto presidente. Em princípio vai ser uma lista única.
E como vê a nova polémica em torno do nome da ponte?
É um assunto ultrapassado. Não alimento mais essa polémica.