Material escolar. Agravamento dos custos? Economia circular pode ser a solução

O cabaz escolar que as famílias portuguesas encontrarão este ano está 14% mais caro do que o do ano passado, avalia o KuantoKusta. Para o estudante João Pedro Correia e a encarregada de educação Ana Sacadura, a economia circular pode ser a saída.

por Daniela Soares Ferreira e Maria Moreira Rato

Para o regresso às aulas, é importante estar preparado com os materiais essenciais para o sucesso académico. No entanto, os custos dos materiais escolares têm disparado e nem todos conseguem acompanhar. O mais recente estudo do KuantoKusta revela que o cabaz escolar que as famílias portuguesas vão encontrar este ano está 14,2% mais caro, custando assim mais 15,22 euros que em agosto do ano passado.

Esta é uma análise que tem por base os preços médios de vários produtos escolares, como lápis, esferográficas, cadernos, mochilas, estojos e calculadoras científicas e mostra que o custo médio do cabaz para um aluno do 2º ciclo atingiu 122,58 euros a 27 de agosto deste ano. Na mesma altura do ano passado, este mesmo cabaz tinha um valor de 107,36 euros.

E os preços têm subido todos os anos. Olhando para os últimos dois anos, este cabaz de produtos escolares apresentou um aumento cumulativo de 33%, “um fator que impacta diretamente as despesas das famílias nesta época do ano, depois de, em 2022, a análise do mesmo cabaz ter revelado um aumento de 16,5% nos preços, em relação a 2021”, revela o KuantoKusta.

Este ano, entre os produtos do cabaz de artigos escolares, alguns apresentaram variações de preço muito significativas do que outros. Destaque para as esferográficas (+57,9%), compassos (+19,8%), estojos (+18,5%), calculadoras científicas (+18,4%) e mochilas (+13,8%).

“De uma forma geral, os consumidores continuam a comprar e suprir as necessidades para o regresso às aulas”, diz ao i Ana Rego, da equipa de marketing do KuantoKusta. “No entanto, notamos que há antecipação nas compras e um cuidado e preocupação em comparar preços e encontrar a melhor oportunidade de compra, mesmo em produtos de valor mais baixo, mas que no somatório das contas acabam por pesar no orçamento familiar”, acrescenta a responsável.

No caso das mochilas, assim como nos estojos, “há mais procura, embora os gastos médios estejam abaixo do ano passado”, continua, detalhando que “os consumidores não estão a trocar as marcas e os produtos que gostam por outros mais económicos. Estão a fazer compras mais informadas e atentas, o que os ajuda a poupar”.

E deixa exemplos: “Em 2022, havia calculadoras gráficas a serem mais procuradas cujo preço médio era mais elevado em relação às que estão a ser pesquisadas neste ano. Ainda que a escolha do modelo seja uma indicação da escola ou do professor, verificamos que já há preocupação em pesquisar alternativas de preço e opções de compra mais vantajosas”. Um investimento para as famílias, defende, dado que o preço médio de alguns modelos de calculadoras gráficas ultrapassa os 100 euros. “Já as calculadoras científicas, mais baratas, já entram na lista mais procurados, pelo que se denota que os encarregados de educação estão a ponderar todas as contas na hora de escolher onde comprar”, finaliza.

Marta Soares é mãe de dois filhos. Um inicia este ano o quarto ano e o outro entra pela primeira vez na escola. “Este ano é diferente e sentimos mais o peso na nossa carteira porque temos oficialmente dois filhos a estudar”, diz ao i. A ideia é poupar o máximo que conseguir. “Com dois filhos a estudar é sempre mais caro do que ter apenas um, aí não temos como fugir, mas podemos poupar”. E explica como: “Tudo o que puder passar de um para outro, passa. O que não der, tem que ser comprado. E vamos a várias superfícies também para ver o que se encontra mais em conta. Comprar tudo no mesmo local pode ser um erro. É preciso fazer um trabalho de avaliação”, conta ao nosso jornal.

 

Gastos com a educação são uma fonte de stresse

Também a Cetelem realizou um estudo sobre o regresso às aulas e diz que, numa altura em que muitas famílias enfrentam dificuldades económicas devido à inflação, o início do ano letivo “adivinha-se mais complicado, quando comparado com o ano passado”. Isto porque os portugueses esperam gastar com o regresso às aulas em média, 632 euros (+107 euros face a 2022 – um agravamento de 20%), sendo que 95 euros, em média, se destinam à compra de material escolar essencial. “Em roupa, mobiliário, telemóveis, tablets, computadores e meios de transporte de mobilidade suave como bicicletas e trotinetes, os gastos rondam, em média, 150 euros”, dizem os dados avançados pelo Observador Regresso às Aulas 2023, um estudo conduzido pelo Cetelem – marca comercial do grupo BNP Paribas Personal Finance, que também indica que os encarregados de educação cujos educandos frequentam o Ensino Superior (829 euros) e Ensino Secundário (626 euros) enfrentam um gasto médio mais elevado do que os restantes.

Os dados deste Observador mostram que, devido ao aumento do custo de vida, os gastos com a educação revelam-se uma fonte de stresse para 27% dos encarregados de educação, sendo mais evidente entre os que têm educandos a frequentar o ensino privado (32%), que comparam com 27% face ao ensino público. Adicionalmente, 22% referem temer não conseguir financiar a educação. “Este ano apenas 36% dos encarregados de educação afirmam ter total capacidade para financiar a educação, um decréscimo de 15 pontos percentuais face a 2022. Já 5% dos encarregados de educação precisam de apoio para financiar a educação”, diz o estudo, acrescentando que, no que diz respeito à situação financeira, cerca de 40% dos encarregados de educação avaliam-na como tendo piorado em 2023 (39%), um aumento de 20 pontos em comparação com o ano passado.

Já os encarregados de educação que consideram que a sua situação está igual face ao período homólogo é de 41%. Aqueles cujos educandos frequentam o ensino público acreditam que a sua situação financeira é “pior” (32%) e “muito pior” (8%) de forma ligeiramente mais expressiva face ao ensino privado (28% e 6% respetivamente).

 

A importância da economia circular

A Cash Converters, cadeia de lojas que compra e vende artigos usados, está a lançar a campanha “Na volta precisas do essencial. Compra e Poupa”. A ideia é promover a compra de produtos em segunda mão como uma forma de economizar dinheiro e recursos ambientais. A empresa destaca que a compra de produtos em segunda mão não apenas beneficia o bolso das pessoas, mas também tem um impacto positivo no ambiente.

No ano passado, por exemplo, a venda de mais de 3 mil dispositivos tecnológicos usados permitiu à empresa economizar mais de 370.000 kg de CO2, o que é equivalente a reduzir a circulação de mais de 65 mil carros por um dia ou economizar mais de 13.000.000 de litros de água. Além disso, essa economia equivale a mais de 19.000.000 de árvores absorvendo CO2 por um dia. Sérgio Pintado, CMO da Cash Converters, enfatiza que a empresa está comprometida em estender a vida útil dos produtos e apoiar a poupança das famílias, ao mesmo tempo que promove a consciencialização ambiental. A campanha “Na volta precisas do essencial. Compra e Poupa” faz parte do #MovimentoConverters, que visa promover um consumo mais responsável e consciente. A Cash Converters possui lojas físicas e uma loja online em várias localidades em Portugal, incentivando as pessoas a adotar um estilo de consumo mais inteligente e sustentável.

“A economia circular é um conceito económico e ambiental que visa substituir o modelo económico tradicional de ‘pegar, fazer, usar e descartar’ por um sistema mais sustentável e regenerativo. Nesse modelo, os recursos naturais são usados de forma mais eficiente, e os produtos, materiais e recursos são projetados para serem reutilizados, reparados, reciclados ou regenerados, em vez de simplesmente descartados”, começa por explicar João Pedro Correia, licenciado em Economia e mestrando em Gestão, no Reino Unido, que espera regressar a Portugal no futuro.

“Os produtos são projetados desde o início para serem duradouros, reparáveis e fáceis de desmontar para a reciclagem. Os designers consideram todo o ciclo de vida do produto. Por outro lado, as empresas procuram fornecedores que também adotem práticas sustentáveis, incluindo a minimização de desperdício e a redução do uso de recursos naturais. Em vez de descartar produtos partidos ou obsoletos, imaginemos, a ênfase é colocada na reutilização e na reparação, estendendo assim a vida útil dos produtos”, sublinha.

“Os materiais e componentes de produtos são recuperados e reciclados sempre que possível para criar novos produtos. As empresas exploram modelos de negócios que incentivam o uso partilhado de produtos (como partilha de carros, aluguer de roupas) em vez da posse permanente dos mesmos”, continua o jovem de 25 anos, explicando que as organizações procuram minimizar o desperdício de recursos, reduzindo a quantidade de materiais e energia necessários para produzir bens e serviços.

“Os consumidores são incentivados a fazer escolhas mais conscientes e sustentáveis, optando por produtos e serviços que se encaixam nos princípios da economia circular”, enquanto os “governos e autoridades reguladoras desempenham um papel importante na criação de políticas que incentivam a economia circular, como incentivos fiscais para práticas sustentáveis e regulamentações de reciclagem”, explicitando que “a economia circular visa criar um sistema mais sustentável, reduzir o desperdício e a poluição, preservar os recursos naturais e, ao mesmo tempo, promover o crescimento económico”, na medida em que “representa uma abordagem holística para a gestão de recursos e é vista como uma resposta importante aos desafios ambientais e económicos enfrentados pelo mundo moderno”.

“Aqui, em Inglaterra, temos muito mais esta prática enraizada. Eu e os meus colegas ainda mal nos conhecíamos quando começámos a trocar sebentas para evitar imprimir os mesmos capítulos de livros, os mesmos textos, a mesma matéria novamente”, adianta João Pedro, avançando que “a economia circular está em todo o lado, todos os dias, basta que prestemos atenção à mesma”. “Quando o meu computador portátil avariou e percebi que não teria ‘volta a dar’, comprei um em segunda mão a uma das minhas colegas de quarto e não fui a correr comprar um ‘novinho em folha’ como, provavelmente, teria feito quando vivia em Portugal”.

 

Minimizar o desperdício

Também Ana Sacadura, de 47 anos, mãe de quatro filhos com idades compreendidas entre os 12 e os 20 anos, coloca em prática estes princípios. “A aplicação dos princípios da economia circular no regresso às aulas pode contribuir significativamente para a redução do desperdício de recursos e para a promoção de práticas mais sustentáveis. Em vez de comprar novos materiais escolares a cada ano, os alunos podem reutilizar itens como mochilas, estojos, réguas, tesouras e outros materiais que ainda estejam em boas condições. Isso ajuda a prolongar a vida útil desses produtos”, diz a encarregada de educação, sublinhando que “os alunos e os seus pais podem considerar a compra de materiais escolares em segunda mão, como livros didáticos, mochilas e calculadoras. Isso não apenas economiza dinheiro, mas também reduz o consumo de recursos para fabricar novos produtos”.

“As escolas podem organizar programas de troca de livros didáticos usados entre os alunos. Isso permite que os livros sejam utilizados por vários anos antes de serem substituídos. Nas escolas dos meus filhos, tento sempre incentivar os professores e encarregados de educação a realizarem este tipo de iniciativas”, acrescenta, sugerindo que as escolas promovam “a reciclagem de papel, cartão e outros materiais descartáveis, incentivando os alunos a usar caixotes de reciclagem adequados e ensinando sobre a importância da reciclagem”. “Hoje em dia, os miúdos estão cada vez mais sensibilizados para a importância de cuidar do planeta. Não podemos nem devemos permitir que esse bem tão precioso caia em desuso porque não é fácil mudar mentalidades”, avisa.

“Nas cantinas escolares, podem ser adotadas práticas que minimizem o desperdício de alimentos, como porções menores, opções de alimentos frescos e programas de reciclagem de resíduos orgânicos. As escolas podem educar os alunos sobre os princípios da economia circular, explicando como as suas ações individuais podem fazer a diferença na redução do desperdício e na conservação dos recursos”, declara, salientando que a economia circular deve ser adaptada a todas as vertentes e não apenas à do material escolar. “Encorajar a cooperação e a partilha entre os alunos, como a troca de materiais ou a ajuda mútua na reparação de itens danificados, pode fortalecer os princípios da economia circular na escola”, afirma, observando, à semelhança de João Pedro, que para estudantes que utilizam laptops, tablets ou outros dispositivos eletrónicos, incentivar a reparação em vez de substituição pode prolongar a vida útil desses dispositivos.

“Também se deve estabelecer pontos de recolha seletiva na escola para itens como pilhas e tinteiros usados pode facilitar o descarte adequado desses materiais. Para além disso, nas escolas onde o uso de uniformes é obrigatório, como nas de dois dos meus filhos, podem ser promovidas opções de moda sustentável, como uniformes feitos de materiais reciclados ou orgânicos”, recomenda a mãe e encarregada de educação de quatro crianças e adolescentes que, atualmente, se dedica exclusivamente à educação dos filhos, mas estudou Design.

“A incorporação da economia circular no regresso às aulas não apenas ajuda a reduzir o impacto ambiental, mas também promove uma mentalidade mais consciente e sustentável entre os alunos, preparando-os para futuros desafios relacionados com a sustentabilidade! Essas práticas também podem economizar dinheiro para os pais e para as próprias escolas”, finaliza.

Em 2021, soube-se que Portugal estaria incluído, pela primeira vez, no relatório ‘Healthy & Sustainable Living’ (H&SL), cujo objetivo é a aferição das perceções e comportamentos dos cidadãos no que toca às preocupações ambientais, económicas e sociais.

Este relatório abarca as opiniões de consumidores de 30 países em todos os continentes e é considerado o mais abrangente do mundo na medição das opiniões e comportamentos das pessoas em relação a questões ambientais, económicas e sociais, além de identificar os obstáculos que dificultam a adoção de um estilo de vida mais saudável e sustentável, como explicou a GlobalScan em comunicado.