por Raquel Abecasis
Entre o economista e o político, Centeno escolhe o político. O pior é que é governador de uma entidade supostamente independente e reguladora.
A mistura de papéis está a deixar cada vez mais desconfortáveis os técnicos e economistas do Banco de Portugal. A gota que encheu o copo foi o inédito documento que Mário Centeno decidiu publicar na última semana com a assinatura de governador do Banco de Portugal (BdP). O documento é inédito e até agora ninguém sabe se vai passar a ser uma tradição, já que dentro do BdP_ninguém foi informado sobre a sua publicação.
O Nascer do SOL sabe que a iniciativa de Mário Centeno foi muito mal acolhida em diversos departamentos do Banco e não é reconhecida como um documento oficial da instituição. As nossas fontes criticam a forma e o conteúdo do texto. «È um texto de opinião que não se alicerça em dados objetivos», dizem-nos.
«Abuso incrível» e «perspetiva pessoal» foram algumas das críticas ouvidas esta semana pelo nosso jornal.
Economistas reputados e com muitos anos de trabalho no Banco de Portugal garantem-nos que nunca se viu nada assim e que este é um texto de um político, «ainda por cima ex-ministro das Finanças» e não de um líder de uma entidade reguladora.
Quando leram o texto de Mário Centeno, foram muitos os técnicos do BdP_que notaram o facto de o autor usar quadros escolhidos a dedo para fazer prova das suas teses. «É uma perspetiva pessoal que nada tem a ver com a perspetiva do Banco», garantem-nos. Os mesmos técnicos afiançam que muito do que aparece no texto de Centeno não resiste a uma análise objetiva dos dados, que requerem uma leitura muito mais completa e complexa.
«É o Centeno governador a elogiar o Centeno ministro», afirmam as vozes mais críticas.
Mal estar já vem de outros tempos
Dentro de alguns departamentos do Banco há o receio de que este tipo de iniciativa venha a descredibilizar o regulador a quem compete fazer reportes com base científica.
Antes de ser ministro das Finanças, Mário Centeno fez carreira no Gabinete de Estudos do Banco de Portugal. E, ao que o Nascer do SOL conseguiu apurar, os anti-corpos dentro do Banco ao agora governador já vêm desses tempos no BdP, onde deixou mais inimigos do que amigos.
Agora que preside aos destinos da instituição, Mário Centeno voltou a trabalhar com muitos dos que foram os seus colegas no passado. E o regresso não está a ser mais pacífico.
«É muito interventivo no nosso trabalho», diz-nos uma fonte que estranha o facto de o governador querer intrometer-se no trabalho «ao detalhe», questionando dados e quadros para publicação.
O facto está a causar grande mal estar e são muitos os que recordam que o atual governador nunca conseguiu chegar a diretor do Gabinete de Estudos exatamente pela sua difícil relação com os seus colegas.
Ao que nos dizem, a sua não promoção interna é uma pedra no sapato que Centeno não esqueceu.
E agora que é governador coloca problemas e dificuldades aos que considera responsáveis pela sua não promoção. Por outro lado, há também quem diga que as motivações políticas que Centeno não esconde estão a influenciar o seu mandato. «É mais forte do que ele», afirmam.
Entre a imagem que deixou no passado e a sua atuação no presente, a verdade é que crescem o desânimo e as críticas ao desempenho de Mário Centeno como governador do banco central
Entre os críticos há mesmo quem faça questão de lembrar a «perseguição» que Centeno terá feito ao seu antecessor, Carlos Costa. Os mesmos que lamentam que tenha sido possível ao atual governador transitar diretamente do Ministério das Finanças para a sede do Banco de Portugal. «O resultado está à vista», sublinham.