Babi Yar: Memórias de assassinato em massa

Até á libertação de Kiev pelos soviéticos em 6 de novembro de 1943, o local de Babi Yar foi usado pelos alemães como ponto de descarte para os corpos de pelo menos 100.000 “inimigos do Reichkommissariat”, incluindo militares soviéticos, ucranianos russos, tártaros, ciganos e pacientes incapacitados de hospitais e asilos.

Em 29/30 de setembro de 1941, a polícia civil ucraniana prendeu 33.700 judeus que viviam em Kiev e conduziu-os até á ravina de Babi Yar, situada a noroeste da cidade. Aqui eles foram despojados inteiramente dos seus pertences antes de serem sistematicamente fuzilados para que os seus corpos caíssem, como sardinhas, nas valas preparadas. Em seguida, as vítimas, mortas e feridas, foram cobertas por camadas de terra extraídas das laterais do vale. Sabe-se que apenas vintes sobreviveram, permanecendo como se estivessem em coma, até que pudessem escavar o seu caminho para a sobrevivência; alguns conseguiram, em 1945, prestar depoimento aos investigadores sobre esses assassinatos em massa perpetrados pelos Einsatzgruppen e pelas SS.

Até á libertação de Kiev pelos soviéticos em 6 de novembro de 1943, o local de Babi Yar foi usado pelos alemães como ponto de descarte para os corpos de pelo menos 100.000 “inimigos do Reichkommissariat”, incluindo militares soviéticos, ucranianos russos, tártaros, ciganos e pacientes incapacitados de hospitais e asilos. A identificação posterior das vítimas foi quase impossível porque os seus corpos foram cremados pelas SS em retirada e seus colaboradores que forçaram os prisioneiros de guerra soviéticos a construir uma série de piras funerárias compostas por lápides e grades removidas de cemitérios próximos.

A invasão (Operação Barbarossa) pelas forças alemãs do território soviético começou em 22 de junho de 1941 e avançou com facilidade através do oeste da Ucrânia, onde alistaram mais de 200.000 pessoas para funções nos exércitos nacionais, na guarda civil e nas forças policiais. A resistência nas províncias orientais de língua russa e na Crimeia foi mais forte, mas um novo regime fantoche foi rapidamente estabelecido em Kiev, que se adaptou às necessidades dos conquistadores, reabrindo as comodidades cívicas. Isto incluiu clubes desportivos e o estabelecimento de uma mini-liga de futebol com equipas oriundas de unidades da Wehrmacht e de antigos jogadores ucranianos. O principal destes últimos foi a equipa Start, sediada na fábrica de pão nº 1 de Kiev e que incluía membros suficientes dos clubes extintos do Dínamo e do Lokomotyv para participar fortemente em 111 jogos, com um registo de 60 vitórias, 36 derrotas e 15 empates. Em 06 de agosto de 1942, o Start derrotou a equipa militar alemã Flakelf por cinco golos a um e repetiu o sucesso três dias depois com uma vitória por 5 a 3. Relatos de jogadores e espectadores afirmaram que os jogos foram disputados de forma justa, sem intimidação. Mas a 16 de agosto o F.C.  Start venceu a equipa nacionalista ucraniana ocidental “Rukh”, liderada pelo pró-alemão Georgi Shvetsov, por 8 a 0, o que levou à prisão pela Gestapo de nove jogadores do Start que tinham sido denunciados por Shvetsov como sendo agentes do NKVD (a polícia secreta soviética). Seguiu-se a prisão no campo de concentração de Syretz, onde quatro ex-Dínamo foram executados em 25 de fevereiro de 1943 e os seus corpos enterrados em Babi Yar. Os cinco restantes conseguiram fugir durante o caos causado pelo avanço do Exército Vermelho.

Nas décadas seguintes, a máquina de propaganda russa trabalhou arduamente para apoiar o novo regime comunista, mas pouco fez para descobrir a história factual das atrocidades cometidas em Babi Yar, preferindo, em vez disso, utilizar as provas concretas dos horrores revelados em Auschwitz e noutros locais de extermínio. Quanto aos jogadores de futebol, quatro foram declarados postumamente heróis corajosos da União Soviética, enquanto cinco foram premiados com medalhas de Mérito de Batalha. Shvetsov e sua equipa foram condenados por colaboração e receberam sentenças de prisão.

Em 1966, o fotojornalista Joseph Shneider publicou fotografias e registos horríveis de esqueletos que ele e outros ativistas tinham exumado em Babi Yar; eles ergueram no local um memorial não oficial. Mas só em 1971 é que um monumento oficial foi autorizado pelo Estado e dedicado à memória dos assassinados de todas as etnias e credos.

As coisas começaram a mudar na década de 1980, quando uma investigação mais positiva foi exigida pelos descendentes das vítimas da opressão nazi, mas as provas descobertas foram utilizadas como munição política na Guerra Fria. No entanto, a criação em Jerusalém do Instituto Yad Vashem exerceu pressão sobre as autoridades ucranianas para limparem a ravina dos detritos acumulados e para realizarem uma investigação mais aprofundada sobre o massacre de judeus. Mais recentemente, o extravagante diretor de cinema russo Ilya Khrzanovsky foi controversamente nomeado diretor de arte da “Fundação Memorial Babyn Yar” e supervisionou a construção de instalações como uma sinagoga, um muro de lamentações de cristal e uma galeria de fotografias como o primeiro estágio de o que pretendia ser talvez o último grande memorial às vítimas da Shoah. O progresso foi então interrompido pela guerra implacável de Putin e pela retirada do apoio financeiro por parte de quatro oligarcas russo-israelitas que se tornaram objeto de sanções ocidentais e dos devidos processos legais.

Curiosamente, o fim de semana de 16/17 de setembro de 2023 viu a chegada de 35.000 judeus ultraortodoxos para participar das festividades de Rosh Hashaná no túmulo do rabino hassídico Nachman de Breslav na cidade sagrada de Uman, que está situada na atual zona de guerra a cerca de 200 km a sul de Kiev. Este foi em 1941 o cenário do assassinato á bala de 17.000 cidadãos judeus ucranianos, simultâneo ao massacre de Babi Yar.  Uman também foi o local em 1919 de dois pogroms, totalizando 260 vítimas judias, realizados por unidades do Exército Branco Russo liderado pelo General Denikin, que era conhecido por sua antipatia pela maçonaria hebraica e considerava todos os judeus responsáveis pela revolução bolchevique e pela introdução do comunismo.

Durante os últimos 82 anos, muitos filmes e documentários foram produzidos por diretores de diversas nacionalidades que refletem a história dos “Death Matches” de 1941. Talvez o mais conhecido seja “Escape to Victory”, que foi feito em 1981 no melhor estilo épico de Hollywood. A equipa Start foi liderada por Sylvester Stallone e Michael Caine e combateu galantemente um árbitro fascista, oponentes bandidos e uma força de segurança composta por pessoal da SS com cães ferozes antes de escapar através de uma confusão de adeptos partidários.

Os assassinatos em massa em Babi Yar e noutros locais da Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial devem ser lembrados por todos nós, independentemente dos credos e da etnia das vítimas.

Tomar 19-09-2023