Holocausto. Pio XII foi avisado dos crimes dos nazis

Pio XII foi avisado dos crimes dos nazis. Em finais de 1942, um jesuíta alemão escreveu carta a falar dos judeus assassinados nos “fornos das SS”.

Depois de décadas de controvérsia, as dúvidas parecem estar desfeitas. Uma carta datada de final de 1942 e revelada no passado fim de semana pelo jornal Corriere della Sera mostra que o Papa Pio XII tinha um conhecimento concreto dos crimes cometidos pelos nazis. Até aqui, a Igreja argumentava que as informações que chegavam ao Vaticano sobre o que se estava a passar na Alemanha de Hitler e nos territórios ocupados era vaga e difusa. Agora – e na sequência da abertura dos arquivos do Vaticano, incluindo as secções relativas à Segunda Guerra Mundial, decretada pelo Papa Francisco em 2020 – sabemos que Pio XII estava de facto informado.

Com data de 14 de dezembro de 1942 e dirigida ao secretário pessoal do Papa, Robert Leiber, a carta recém-descoberta não deixa margem para mais especulações. Nela, Lothar Koenig, um jesuíta que fazia parte da resistência ao regime na Alemanha, denunciava que cerca de seis mil polacos e judeus eram assassinados todos os dias “nos fornos da SS” no campo de concentração de Belbec, na Polónia ocupada. O documento refere ainda a existência de outros campos, como Auschwitz e Dachau.

“A novidade e a importância deste documento resulta deste facto: agora temos a certeza de que a Igreja Católica na Alemanha enviou a Pio XII notícias exatas e detalhadas sobre os crimes que estavam a ser cometidos contra os hebreus”, disse ao diário italiano o autor da descoberta, o arquivista Giovanni Coco.

Aclamado após o fim da guerra pela forma como conduziu a Igreja durante o difícil período do conflito, Pio XII foi depois acusado de inação e de cumplicidade com os nazis, ganhando mesmo a alcunha de “Papa do Silêncio”.

Mas não é exatamente verdade que o Pontífice não tenha dito nada. Na sua alocução de Natal, poucos dias depois de Koenig ter endereçado a sua carta ao Vaticano, Pio referiu-se às “centenas de milhares de pessoas que, sem qualquer culpa, por vezes só por causa da sua raça ou nacionalidade, foram condenadas a morrer ou a um lento extermínio”, no que parece ser uma alusão ao Holocausto. Porém, foi notado que essa era apenas uma breve referência, perdida num discurso de quase 30 páginas.

Quanto à ação do Pontífice, o historiador Saul Friedländer, por exemplo, falou num trabalho de bastidores que ajudou a salvar milhares de vidas, tendo sido dadas instruções para esconder judeus em conventos e colégios católicos.

Há também quem defenda que o Papa não foi mais assertivo por temer represálias sobre os católicos. Mas, ainda que o fosse, provavelmente pouca diferença faria – afinal, oito décadas depois, os apelos à paz do Papa Francisco continuam a cair em saco roto.