Álvaro Beleza. “Todos deviam pagar IRS, nem que fosse um euro”

Para o presidente da SEDES, “a ideia de isentar metade dos portugueses de pagar IRS não faz sentido” e admite que só se pode baixar a carga fiscal depois de termos uma verdadeira reforma do sistema, lembrando que a última que foi feita por Miguel Cadilhe nos anos 90.

Álvaro Beleza reconhece que estamos a perder competitividade em relação a Espanha e, por isso, defende que os nossos impostos sejam um ponto mais baixo do que os espanhóis, seja no IRS, seja no IRC. Outra falha diz respeito â falta de aposta da indústria, nomeadamente automóvel e lembra que estamos a perder investimento estrangeiro por causa da fiscalidade.

A SEDES tem defendido que quer todos os impostos inferiores aos de Espanha. Mas tem havido resistência…

A tese da SEDES é basicamente esta: temos de fazer uma reforma fiscal, mas antes de chegar à diminuição da carga fiscal e que vá no sentido da simplificação. Isto é, haver muito menos escalões, acabar-se com os benefícios fiscais, ser muito mais simples, com clareza e transparência. Sem ser preciso um contabilista ou um escritório de fiscalistas ou especialistas para fazerem as contas. E basta entrar no site da Autoridade Tributária para vermos como o sistema é complexo. É imperativo haver uma simplificação fiscal, e fazer uma reforma séria. A última grande reforma foi a de Miguel Cadilhe, nos anos 90 e, desde aí, nunca mais se fez uma verdadeira reforma fiscal. Só depois é que podemos ir ao segundo ponto que é todos pagarem, não haver isenção de IRS, não haver impostos zero, nem que seja de um euro, mas todos deviam pagar IRS.

Até aqueles que ganham o salário mínimo deviam pagar IRS?

Exatamente, mas esses nem que pagassem um euro. Esta ideia de isentar metade dos portugueses de pagar IRS não faz sentido. A ideia inicial do ministro das Finanças de todos pagarem IRS fazia sentido e a SEDES tem isso escrito no seu livro, assim como não faz sentido ter IVA zero. O IVA pode até ser meio por cento, pode ser o que quiser, mas a ideia de zero impostos não faz sentido no contrato social que temos. Agora vamos ao terceiro ponto, porque os três têm de ser feitos ao mesmo tempo. A terceira é a diminuição da carga fiscal e é a diminuição de todos os impostos diretos e indiretos. No entanto, tem de ser de uma forma gradual, não é um choque fiscal e comparamos com Espanha porquê? Porque Portugal tem um competidor direto para a atração de investimento para a economia, que é a Espanha. Ainda agora saíram notícias de que o primeiro-ministro vai acabar com a tributação para residentes estrangeiros e já surgiram jornais espanhóis a dizer que ganham com isso.

Até falam no fim do oásis…

A ideia é ter uma política fiscal atrativa para os de cá e para os de fora. Mas tem de ter uma política atrativa em relação a Espanha, e o que é que entendemos? Que os nossos impostos devem ser um ponto mais baixo do que o dos espanhóis, seja no IRS, seja no IRC, etc. Tem de acompanhar a Espanha, mas tem de ser menor do que Espanha. E porque é que tem de ser menor? Porque estamos atrás e até um médico, como eu, percebe isso. E se estou atrás tenho de recuperar. Agora estes três princípios têm de ser feitos ao mesmo tempo porquê? Porque, isto é um conceito que a SEDES defende, desde sempre, que é o de ética fiscal. A fiscalidade é um sistema em que os que têm mais dão mais para que o Estado proteja os que têm menos. Mas todos t|em de ter a noção que pagar impostos é um dever da República, logo todos temos de contribuir. É por isso é que ninguém pode estar de fora. Nem podem estar fora, porque baixando a carga fiscal, simplificando a fiscalidade acaba-se com a economia paralela.

E que continua a ter um grande peso…

Em Portugal, 30% é economia paralela. Isso deve-se a várias razões, mas uma delas está relacionada com a elevada carga fiscal e como se eleva muito, as pessoas fogem mais, o que é normal. Não estou a dizer que baixando a carga fiscal, simplificando, fazendo uma reforma, vai deixar de haver economia paralela. Não vai. O mundo perfeito não existe. Mas depois de baixar tem de exigir tolerância zero à fuga e para moralizar isto, todos têm de pagar, nem que seja 1%. As pessoas têm de ter a noção de que todos temos de contribuir, nem que seja com uma singela parte, porque também somos todos beneficiários. Por exemplo, no caso da saúde, vai ao Santa Maria, seja rico ou seja pobre, recebe um serviço de forma igual. Ninguém lhe pergunta quanto é que ganha, e bem, porque estamos todos a pagar para isso. Agora, é evidente que é importante ter uma política de tolerância zero como tem os Estados Unidos há muitos anos. Há 100 anos, o Al Capone foi apanhado por fuga ao fisco, porque nos Estados Unidos isso é um crime gravíssimo e a carga fiscal americana é muito menor do que a nossa. Isso significa que tem de moralizar o sistema para que todos tenham de estar dentro do sistema para baixar a carga fiscal e quando digo baixar é para todos. E, por exemplo, no IRC para Portugal ter crescimento económico precisa de várias coisas, como está no livro da SEDES. Esta é uma delas. É preciso ter atratividade fiscal, menor carga fiscal, melhorar a justiça em termos de rapidez e outra que é fundamental: escala.

Maiores empresas?

Precisamos de grandes empresas e de políticas que ajudem à fusão de empresas. Em Portugal, o IRC é progressivo e, por isso, as grandes empresas pagam mais do que as pequenas, o que está errado. Devia-se fazer políticas fiscais que incentivassem a fusão de pequenas e médias em grandes empresas. A taxa de IRC é altíssima, mas se dissesse a uma empresa que fatura 20 ou 30 milhões que se fundisse e passasse os 100 milhões pagaria 14% e se faturasse mil milhões pagaria 13% o cenário poderia ser diferente. Se estou a pôr um IRC progressivo para cima estou a incentivar os grandes a dividirem-se e se se dividirem até pagam menos. E Portugal tem um défice de grandes empresas, coisa que a Espanha não tem. Comparado com Espanha, onde é que estamos pior? A Espanha tem grandes grupos e grandes empresas, portanto teve políticas de apoio, enquanto nós não temos, nem temos políticas de apoio à fusão, nem à criação de grandes grupos. Temos pequenos e médios grupos, falta-nos escala. Segunda coisa que Espanha tem melhor do que nós e que fez melhor do que nós nas últimas décadas, já vem dos anos 60, mas continua é a indústria. Espanha tem indústria, nomeadamente automóvel que é absolutamente chave na Catalunha, Valência, Vigo e Vitoria, muito maior do que a Autoeuropa. A Autoeuropa comparada com a Fiat, em Barcelona, é um quinto ou um sexto, em termos de dimensão.

Ainda assim, a Autoeuropa é a maior indústria do setor automóvel em Portugal…

Mas é só uma. Portugal, desde os anos 90, precisava de duas ou três dessa dimensão para estarmos ao nível de Espanha. Vitoria, uma pequena cidade do País Basco, é hoje uma cidade Mercedes, é uma cidade industrial brutal. Qual Autoeuropa? A Mercedes é dez vezes maior. Não é só 10 vezes maior em tamanho e em emprego como também é em valor acrescentado. Um Mercedes em média vale três Golf, três Volkswagen. E o valor acrescentado está relacionado com o valor de cada peça que é vendida numa indústria e com os mesmos 100 operários faz um carro da Volkswagen ou um Dacia ou um Mercedes. O PIB alemão é maior do que o francês porque a média dos carros alemães é vendida ao dobro da média dos carros franceses. É fácil fazer as contas. Isto é fundamental, a indústria automóvel é absolutamente chave. E Portugal também tem de ter indústria naval. Temos a Lisnave em Setúbal, que visitámos há pouco tempo, mas podia ter uma dimensão maior do que tem. Há ainda em Viana do Castelo, mas podíamos ser uma potência maior em construção naval do que temos. E depois há a indústria para comboios e para aviões, que é fundamental. Portanto, Espanha está melhor do que nós em termos de indústria. Começou, na altura, com Franco na Catalunha com a Seat e depois em democracia avançou para Valência com a Ford, não é por acaso que há o Ford Fiesta. Valência tornou-se no que é hoje não por causa das laranjas em Benidorm, mas porque a indústria automóvel virou a sua capacidade. Isto revela que precisamos de mais indústria, de uma fiscalidade mais atrativa tal como os espanhóis têm há mais tempo, seja o IVA, seja o IRC, sejam impostos diretos ou indiretos. Vamos a um exemplo prático, se atravessar a fronteira para Badajoz e à chegada, ainda não passou um quilómetro de Portugal, vê um grande centro da Amazónia. E porque é que está encostada à fronteira? Por causa da fiscalidade, obviamente. Porque é ficou do lado de lá e não do lado de cá? Porque as pessoas que lá trabalham são da cidade de Badajoz – claro que têm mais pessoas do que Elvas – mas não é só por isso, se a fiscalidade fosse mais atrativa em Portugal – estamos a falar de IRC e de IRS – era do lá de cá da fronteira que estaria, como é obvio. Está apenas do lado de lá por causa da fiscalidade. Ou seja, estamos a perder investimento por causa disso. A Tesla vai para onde? Para Espanha. E onde é que há o lítio? Em Portugal. Isto faz algum sentido? Então temos o lítio e depois não temos a indústria? É isto que Portugal precisa e só temos de fazer melhor do que o nosso vizinho do lado.

É fazer o trabalho de casa…

Sou médico, não sou especialista na matéria, mas tenho aprendido muito porque estou rodeado por economistas e já aprendi algumas coisa. Mas falando a sério, está tudo escrito no livro da SEDES e nos textos da reforma fiscal. E porque é que escrevemos o livro de que era preciso duplicar o PIB? Porque é uma coisa óbvia. Qual é o problema português? Porque é que há greves de professores, de médicos, porque é que o jovens não ficam cá? Porque os salários são baixos, mas para aumentar os salários temos de aumentar o PIB. Se não tiver mais economia como é que pago mais? Não tenho como pagar e para duplicar o salário temos que duplicar o PIB. Aliás, a duplicação do PIB [Produto Interno Bruto] não dá uma duplicação do salário, dá quatro vezes mais, nem preciso de duplicar o PIB para ter o dobro dos salários. Mas se não temos crescimento económico é evidente que não vamos ter crescimento dos salários. E já não estou sequer a falar no aumento da produtividade e que o aumento de salários deveria aumentar consoante o aumento da produtividade. É preciso mais economia. Falei nos preços dos automóveis, e porque é que a Roménia nos está a ultrapassar, em termos de PIB? Porque a Roménia tem 10 Autoeuropas só com o Dacia, são muito baratinhos mas produzem em grande número. E foi isso que permitiu à Roménia dar um salto, porque não tem grande turismo, mas só ter uma indústria automóvel a sério é brutal. Também a República Checa ultrapassou-nos porque a Skoda foi adquirida pela Volkswagen. A Skoda é 10 vezes a Autoeuropa. Não é uma, nem três, nem quatro. E tudo o resto foi atrás. E quando a Autoeuropa ficou agora parada um mês parado foi tudo ‘ó tio, ó tio’ porque a indústria automóvel leva atrás outra série de indústrias.

Portugal está muito assente no turismo, nomeadamente nos serviços…

Estamos muito bem no turismo e vamos continuar a estar. Aliás, defendo uma tese que é o facto de Portugal ser um porto de abrigo. Escrevi um artigo nos anos 90 a dizer que achava que a visão estratégica para Portugal devia tentar ser a Califórnia ou a Florida da Europa. E 30 anos depois acho que acertei. Já agora tinha lá uma coisa que propunha que Lisboa se candidatasse aos Jogos Olímpicos, depois a seguir Lisboa fez a Expo. É bom ter Mundiais e Jogos Olímpicos para a afirmação dos países, agora Portugal tem feito esse caminho todo e somos um porto de abrigo, ainda por cima quando em termos europeus há uma guerra no centro da Europa. Neste caso, Portugal é beneficiário e Portugal tem ganho por causa da geografia.

Temos a vantagem de sermos vistos como um país seguro…

Exatamente. E mesmo com esta crise, com a inflação e com tudo isto, Portugal, apesar de tudo está melhor do que a média europeia, o que nunca tinha acontecido. Isto deve-se a Putin. Um dia espera-se que a guerra acabe, que se resolva o conflito e portanto este balão esvazia-se. Mas é certo que estamos a ter mais turistas e mais tudo também por este efeito de segurança, por ser o país que está mais longe. Agora falta-nos aqui trabalho de casa nestas áreas que estava a dizer.

O Orçamento do Estado vai ser apresentado esta terça-feira e estamos a assistir a um pressão muito grande, pelo menos, da carga fiscal. Está à espera de surpresas?

A SEDES tem insistido na reforma fiscal. Não é só diminuir os impostos é necessária a tal simplicidade fiscal, porque tem empresas que não pagam IRC porque negociaram com o Governo. Tem investimento estrangeiro em que é negociada essa isenção caso a caso. Isto não pode ser. Tem de ser uma coisa clarinha para todos. Temos de ter um IRC muito mais baixo, como tem a Irlanda e tem de ser para todos: para os portugueses e para os estrangeiros. E é também uma questão ética, é uma questão moral, não é só económica. Portanto, simplificação fiscal, menos escalões, mais simplicidade e depois baixa a carga. Segundo os estudos de Carlos Alves da SEDES pode-se baixar o IRC e aumentar a receita, porque se baixarmos a carga fiscal temos mais crescimento económico. Já aquela ideia da CIP de avançar com um 15.º mês sem pagar impostos sou contra porque acho que todos têm de pagar impostos.

Nem que seja um valor simbólico….

No fundo é um contrato e acho que é isso que falta à liderança política. Fazer um contrato olhos nos olhos com as pessoas e dizer assim: ‘Vamos baixar a carga fiscal, vamos simplificar a fiscalidade, mas quem prevaricar vai dentro’. O assunto é sério. Não pode ter um café ou uma loja que não tem multibanco. Aliás, o Banco de Portugal falou nisso há pouco tempo e bem porque temos de acabar com a economia informal. Agora vai tributar menos, vamos todos pagar menos, mas depois temos de exigir. É preciso ser razoável.

Isso implica uma mudança de mentalidades?

Não implica nada, implica liderança. O papel dos líderes é mudar as mentalidades. Uma área em que Portugal melhorou imenso e em que mudou as mentalidades, e foi pelas lideranças, foi o futebol. O futebol hoje é uma área em que Portugal é altamente competitivo, é uma potência mundial. Isso mudou-se como? Com liderança, com profissionalismo. Os clubes funcionam à seria, com profissionalismo, com trabalho, com ciência baseada na evidência, não inventar e depois ambição. Portugal exporta jogadores, treinadores e já viu como é que Portugal hoje é uma potência? E há 50 anos como era? Não era. Tínhamos o Eusébio, tivemos bons resultados, mas não éramos a potência que hoje somos, Hoje em dia tem no futebol uma mentalidade muito competitiva.

Teria de se aplicar essa fórmula a outras atividades?

É preciso esse espírito, mas isso faz-se com líderes. Por exemplo, Mourinho, foi o primeiro grande treinador português que depois puxou pelos outros e os outros começaram a valer mais. Mourinho não era conhecido pela sua modéstia. Um português chegar a Londres e dizer ‘vim para cá porque sou maior’ foi um discurso de mudança, porque estávamos habituados a dizer ‘eu faço, esforço-me muito para dar o meu melhor’. Mourinho não disse que se ia esforçar muito para dar o seu melhor, disse que era o primeiro. É uma atitude à americana.

Mas quando diz que é preciso uma nova liderança implica mudar a mentalidade do Governo e da oposição?

Exatamente. E qual é a função da SEDES? É tentar fazer a pedagogia de como é que se faz.