No momento em que o mundo vive na incerteza do que poderá resultar de mais um conflito no Médio Oriente, que ameaça alastrar-se, em Portugal aumentam os sinais de insatisfação vindos dos vários ramos das Forças Armadas.
Depois de na passada semana termos dado conta de vários sinais de desagrado no interior da Marinha, relacionados, sobretudo, com falta de meios humanos e técnicos, saiu a público o conteúdo de um memorando enviado pelo Chefe de Estado Maior da Força Aérea (CEMFA) à ministra da Defesa, Helena Carreiras.
No documento, divulgado pela agência Lusa e a que o Nascer do SOL teve acesso, o general Cartaxo Alves alerta Helena Carreiras para o risco real de aquele ramo das Forças Armadas poder ficar sem capacidade para cumprir os compromissos assumidos pelo país. «Caso não sejam tomadas medidas efetivas, que contribuam de forma inequívoca para a inversão do processo de erosão dos efetivos militares, comprometer-se-á, irremediavelmente, a capacidade operacional da Força Aérea e qualquer ambição de edificação das novas capacidades atribuídas».
No memorando enviado à ministra, o CEMFA indica como principal fator para a crise na Força Aérea o défice de efetivos que possa dar resposta às responsabilidades acrescidas entregues a este ramo das Forças Armadas, nomeadamente o combate aos incêndios, a capacidade de ciberdefesa e o sistema de armas KC-390.
Nas contas de Cartaxo Alves, «o número de efetivos militares existentes no ramo situa-se francamente abaixo do previsto (…), antecipando-se que no final de 2023 varie entre os 1.632 militares abaixo do autorizado pelo decreto lei Nº 6/2022 e os 2.292 militares em falta, em relação às necessidades reais identificadas».
No documento de 12 páginas, dá-se conta dos resultados de um estudo feito para identificar as razões que levam a um abandono cada vez mais significativo de efetivos da Força Aérea. Os baixos salários, a diminuição de apoios, a diminuição do prestígio social, o impacto na vida pessoal e familiar das especificidades da carreira militar e a sobrecarga de trabalho são as principais razões que levam ao abandono de uma carreira que é pouco atrativa e não tem capacidade para competir com a oferta privada.
A divulgação pública deste documento causou mal-estar e a Força Aérea fez sair de imediato um comunicado garantindo que «a Força Aérea Portuguesa, como tem sido o seu timbre ao longo dos 71 anos da sua existência, cumpre e continuará sempre a cumprir a sua missão empenhando todos os seus homens e mulheres, bem como todos os seus meios colocando-os ao serviço do país e dos portugueses».
No mesmo comunicado é garantido o permanente diálogo com a ministra Helena Carreiras, no sentido de encontrar soluções para os problemas existentes.
Um desânimo que não se resolve sem reformas
«O problema não se resolve com dinheiro, é precisa uma revolução dentro das Forças Armadas para poder ter solução». O desabafo é de um antigo responsável pela área da Defesa, que não vê qualquer solução para o impasse que se vive nos três ramos das Forças Armadas enquanto a estrutura militar mantiver uma organização do século XX, herdada dos tempos da guerra colonial. «A pirâmide está invertida nos vários ramos».
Este responsável refere que o problema da falta de atratividade das Forças Armadas nas novas gerações não é um problema exclusivo do nosso país, mas, no nosso caso, agrava-se porque «a estrutura militar não aceita mudanças que permitam agilizar o sistema».
Em contraste com esta opinião, entre vários grupos de oficiais nas redes sociais, circulam duas imagens do Orçamento de Estado para 2024. Na primeira, destaca-se a verba destinada à Igualdadesde Género:_426M€. Na segunda, surge a verba destinada aos meios e equipamentos para as Forças Armadas em todos os domínios operacionais:_533M€.
À medida que o mal-estar se avoluma, são cada vez mais os que depositam esperança na ação presidencial. Afinal, o Presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas e já tem aproveitado para fazer alertas em momentos especiais, como foi o caso do discurso no 25 de Abril de 2022. Agora, o que muitos esperam é que Marcelo Rebelo de Sousa seja consistente com os alertas que fez no passado, evitando que o debate que devia ficar nos quartéis seja trazido para a praça pública.
Gouveia e Melo aposta na Aldeia Naval para atrair jovens
Não resolve, mas ajuda. A ideia é aproveitar os terrenos no Alfeite, onde em tempos existiram os bairros destinados a oficiais e sargentos, para contruir um conjunto de habitações destinadas aos jovens que queiram ingressar na Marinha.
Ao que apurámos, o projeto já está em aprovação e a nova Aldeia Naval deverá incluir um conjunto de casas pré-fabricadas em Madeira, «simples mas condignas». A estes jovens, a Marinha consegue, indiretamente, dar um aumento de rendimento, já que as casas se destinam aos que, não tendo casa na zona de Lisboa, possam aceder a estas habitações durante os primeiros anos, com rendas controladas. O projeto do almirante Gouveia e Melo está em curso e a expetativa é que possa aumentar significativamente a atratividade para o ingresso na Marinha. A ideia foi desde a primeira hora acarinhada pelos diversos setores do ramo e é vista como uma «forma proativa» de lidar com os problemas. A questão é saber se as casas estarão prontas a tempo de evitar situações de rotura. l
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