OE 2024. Empresas esquecidas

Entidades patronais admitem que a proposta apresentada pelo Governo em nada melhora a vida das empresas, numa altura, em que vão ser pressionadas por novos aumentos dos salários.

O IRC (imposto sobre as empresas) é um dos impostos mais elevados da Europa. De acordo com os últimos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a taxa pode chegar aos 31,5%, sendo o segundo mais elevado entre os 38 países e as empresas não vão ser aliviadas no próximo ano, já que a proposta de Orçamento do Estado pouco ou nada apresenta medidas a pensar no tecido empresarial, de acordo com as entidades empresariais contactadas pelo Nascer do SOL.

“Este Orçamento do Estado não tem como prioridade as empresas, sendo que as medidas direcionadas para as mesmas são poucas e com reduzido impacto. Na atual conjuntura económica, a AEP considera que as empresas devem ser apoiadas de forma a criarem mais riqueza, contudo registam-se pouco incentivos, nomeadamente no que se refere ao investimento privado”, defende Luís Miguel Ribeiro.

E considera que existe “uma certa contradição” por parte do Estado em relação aos apoios facultados ao tecido empresarial. “Há um discurso, mas temos medidas contrárias a esse discurso, como a limitação no acesso a programas comunitários para grandes empresas”, refere ao nosso jornal.

Também o presidente da CIP – que recentemente não assinou o acordo de rendimentos com o Governo, tendo sido o único parceiro a rejeitá-lo – dá cartão vermelho ao Executivo ao considerar que não existem medidas destinadas às empresas e defende que seria “de elementar justiça” que cenário fosse mudado agora no debate do documento na especialidade. “As empresas precisam de sentir que os seus esforços de investimento fazem sentido. É importante que na fase de negociação, as empresas não sejam ignoradas, porque sendo ignoradas é natural que a capacidade de criar postos de trabalho seja posta em causa”, confessa ao Nascer do SOL.

Uma opinião partilhada por Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) ao referir que faltam neste Orçamento medidas que permitam mais investimento privado e mais crescimento. “Eram necessárias mais medidas para capitalizar as empresas, através do investimento e da competitividade fiscal”, acrescentando que “sem as empresas capitalizadas não temos crescimento e mais emprego e as empresas são obrigadas a ter de recorrer a mais empréstimos, o que as prejudica, numa altura em que todos sabemos a dificuldade em fazer face a taxas de juro tão elevadas”.

E como solução, o responsável do turismo aponta para a necessidade de avançar para uma verdadeira reforma fiscal. “Era necessário para as empresas uma grande redução do IRC, mas esta não está prevista. As famílias irão pagar menos IRS, mas em contrapartida vão pagar mais impostos indiretos, pelo que este Orçamento dificilmente contribui para um maior crescimento económico e não me parece que garanta muito mais rendimento às pessoas”.

Também Luís Miguel Ribeiro acena com as várias propostas que apresentou ao Governo e que passavam pela diminuição progressiva da taxa de IRC, para 17% até 2025, a eliminação da derrama estadual e a eliminação ou redução significativa das taxas de tributação autónomas, especialmente para os gastos normais e indispensáveis à atividade das empresas. Quanto aos custos de contexto, a AEP reforçou a necessidade de uma simplificação do enquadramento administrativo, legal, judicial, fiscal e garantia da sua previsibilidade.

Gastos salariais pressionam

Os responsáveis admitem ainda que o aumento do salário mínimo nacional em 60 euros para 820 euros e de 5% na generalidade representa mais um encargo para as empresas, após um aumento dos custos de financiamento e um arrefecimento da atividade económica.

Apesar de o presidente da AEP reconhecer que é necessário um aumento dos salários defende que essa subida deve ser sustentada pelo aumento da produtividade e competitividade do tecido empresarial português. E acrescenta: “Os benefícios anunciados, para as empresas que aumentem os salários em 5%, são manifestamente insuficientes relativamente ao aumento dos custos salariais respetivos e, nesse sentido, a AEP reforça, mais uma vez, a necessidade de uma diminuição da fiscalidade sobre as empresas e uma otimização da relação entre as empresas e a administração pública”. Quanto à adesão dos empresários a estes aumentos acredita “que serão resultado de um forte comprometimento dos mesmos para com os trabalhadores e não pelos benefícios fiscais apresentados pelo Governo”.

Já Francisco Calheiros refere que o turismo é a atividade que mais tem aumentado salários em Portugal e, por isso, acredita que “no próximo ano é muito provável que, olhando para a lei da oferta e da procura, os trabalhadores venham a ter aumentos acima dos 5%”.

Menos otimista está Armindo Monteiro. E faz as contas: “O aumento do salário mínimo e os referenciais que são estabelecidos são mais 4700 milhões de euros em salários. Se a economia produzir mais 4700 milhões está tudo bem, mas não está. Então de onde sai o dinheiro? Sai mais uma vez fragilizando as empresas, tornando-as mais vulneráveis, mas há uma dada altura em que não dá para continuar assim”.

O responsável da CIP estranha ainda o facto de a sua proposta em relação ao 15.º mês sem tributação ter causado tanta polémica. «Se esta medida fosse pedida pelos sindicatos não haveria este tipo de preocupação, mas como foi sugerida por uma entidade patronal dizem que ‘quando a galinha é gorda o pobre desconfia’. Realmente somos muito pobres, mas não precisamos de ser tão desconfiados».

De acordo com o presidente da CIP, a ideia era seguir o modelo que já existe na Europa pós-covid com o objetivo de repor o poder de compra. “Esta medida existe em outros países e não deu esta polémica toda. Em alguns chama-se recuperação de poder de compra, isto é, representa um bónus. Se estivéssemos a dizer que o subsídio de férias ou de Natal – que já existem, que pagam contribuição para a Segurança Social e IRS – para não fazer esses descontos também partilhava essa crítica, porque estávamos a retirar valor aos cofres do Estado. Agora o 15. mês é um extra, não existe. Além disso, existe uma coisa na nossa legislação uma coisa que se chama gratificações de balanço e que também não têm contribuição para a Segurança Social”, acrescenta.

Armindo Monteiro lamenta ainda o facto de em Portugal já nos termos desabituado de olhar para quanto é que ganhamos, uma vez que, entende que só olhamos para quanto recebemos. E alerta: “Se pegarmos no nosso recibo de vencimento vemos efetivamente quanto é que ganhamos, já que o que nos chega à conta bancária é um valor completamente diferente”, acrescentando, no entanto, que para as empresas esse cenário é diferente. “As empresas quando pagam continuam a olhar para quanto pagam, como é óbvio. O único que está a capitalizar com esta carga toda que estamos a viver é o Estado e, nesta fase, que o Estado está capitalizado e recebeu mais do que tinha perspetivado então seria a altura ideal para pôr dinheiro onde faz falta e é nas pessoas”.

E recorda que, por cada aumento salarial que é feito, seja no SMN, seja no salário médio ou mais elevado, o Estado vai buscar um terço desse rendimento, em que “descobriu uma fórmula fabulosa que por via do aumento salarial, o Estado também está a encher os cofres”.

Competitividade e produtividade de fora

Luís Miguel Ribeiro chama ainda a atenção para o facto de o Orçamento não contar com medidas para impulsionar a competitividade ou a produtividade das empresas. “Devemos olhar para o OE não como um exercício de receita-despesa, mas como algo que passa uma mensagem e que define as prioridades para o país. Para a AEP, é claro que as empresas não estão nessa prioridade”. E salienta: “Os empresários identificam um erro de base no OE: para se poder ter uma política social é preciso criar riqueza primeiro e, para criar riqueza, as empresas têm de ter condições de serem competitivas, e competitivas à escala global”.

O presidente da AEP diz ainda que, enquanto a carga fiscal aumenta e a atividade económica sofre um arrefecimento, as empresas enfrentarão um aumento dos custos salariais, operacionais e de financiamento. “O tecido empresarial tem uma pesada carga fiscal e excesso de burocracia. Existem milhares de taxas que causam constrangimentos na atividade. Há estudos que dizem que uma empresa gasta à volta de 250 horas a preencher declarações fiscais. Num tecido empresarial com cerca de 99% de micro, pequenas e médias empresas, veja-se o peso que isto tem no dia a dia”, salienta.

E as críticas não ficam por aqui. “Num contexto particularmente delicado, o Estado continua a beneficiar de fatores como a inflação, que aumentam a receita e a carga fiscal”.

Também Armindo Monteiro aponta o dedo à falta de medidas para aumentar a competitividade e a produtividade. E dá como exemplo, o que se tem verificado nos últimos anos. “Nos últimos três anos entraram em Portugal cerca de 900 mil trabalhadores, quase um milhão de trabalhadores e o que se esperava é que o nosso PIB crescesse, o que não aconteceu. O que é que isto significa? Que estes 900 mil estão a fazer aquilo que já faziam, ou seja, não estamos a produzir mais e a produtividade está a descer”.

O presidente da CIP reconhece que as empresas estão a crescer, mas também admite que nem todas estão a ter uma vida fácil. “Então não há medidas de apoio ao investimento? Não há medidas de apoio ao crescimento? Não há medidas de apoio à produtividade? Como é que é possível fazer um Orçamento ignorando completamente isso”, questiona.

E não hesita: “As empresas estão-se a aguentar de forma histórica e, ainda assim, não há uma medida que diga ‘vamos lá apoiar as empresas’, até porque se não houver essas medidas não há crescimento económico. Então como é que se pretende que haja crescimento económico sem apoio às empresas e sem apoio ao investimento?”.