Petróleo. O que acontece se o conflito se alastrar?

Incerteza é a palavra de ordem no que diz respeito ao preço do petróleo devido ao conflito no Médio Oriente. Mas especialistas não têm dúvidas: se a guerra se alastrar, será ainda pior.

O conflito no Médio Oriente trará várias ameaças à economia global. Uma delas será nos combustíveis. E se envolver outros países, as consequências serão ainda maiores. Incerteza é a palavra do momento no que diz respeito ao futuro.

Ao Nascer do SOL, o economista do Banco Carregosa, Paulo Rosa, explica que o atual conflito entre Israel e o Hamas «poder-se-á agudizar e impactar negativamente a economia global se passar de um conflito confinado à faixa de Gaza a uma guerra regional gradualmente mais ampla, capaz de dificultar, desse modo, o transporte e escoamento do petróleo dos países do golfo pérsico via estreito de Ormuz», lembrando que, por este estreito passam diariamente cerca de 21 milhões de barris de petróleo, cerca de 20% do consumo diário global, «sendo, assim, o estreito de Ormuz o ‘corredor’ energético e o ponto de estrangulamento mais importante do mundo para o petróleo e para o gás natural liquefeito».

O economista lembra que há 50 anos, em outubro de 1973, a guerra israelo-árabe, conhecida também como guerra de Yom Kippur, «culminou no embargo petrolífero dos países da OPEP, na sua maioria países árabes na altura, aos países que apoiaram Israel, sobretudo ocidentais, como forma de retaliação» e que a cotação do barril de petróleo triplicou, «arrastando a economia global para uma estagflação». Nessa época, acrescenta, «a economia dos EUA era apenas 50% autossuficiente em combustíveis fósseis, ou seja, era relativamente dependente da importação de petróleo, tendo sido consideravelmente penalizada, tal como as economias europeias e a japonesa» mas atualmente, a economia norte-americana «é autossuficiente em petróleo, limitando, deste modo, a eficácia de uma eventual postura idêntica por parte dos países árabes nos dias de hoje». Ao embargo petrolífero da OPEP de 1973, seguiu-se o embargo de 1979, aquando da revolução iraniana, «tendo a cotação do barril de petróleo duplicado nessa altura, agudizando novamente o fenómeno estagflacionista, sobretudos nas economias ocidentais. O súbito aumento do preço esteve ligado à escassez de combustível e às, consequentes, longas filas nos postos de combustíveis, semelhantes à crise do petróleo de 1973».

Atualmente, e caso o conflito no Médio Oriente se agudize consideravelmente, Paulo Rosa defende que «um embargo de petróleo pelos países da OPEP teria, muito provavelmente, pouca eficácia, justificado pelo peso cada vez menor do petróleo do Médio Oriente no consumo global, pela autossuficiência dos EUA, por interesses geopolíticos entre países da OPEP+ e Israel, e, sobretudo, porque este embargo já está implicitamente a ser executado pelos países da OPEP+ há mais de três anos».

Neste conflito, a maior ameaça para economia global reside sobretudo na obstrução do estreito de Ormuz, o que contribuiria para a escassez mundial de petróleo, defende o economista.  

E uma escalada do conflito seria um problema. A Bloomberg Economics estima que o preço do petróleo poderia subir até aos 150 dólares por barril e o crescimento global cair para 1,7%, uma recessão que retiraria cerca de um bilião de dólares à produção mundial. «Uma escalada dos preços para os 150 dólares poderia ser contraproducente para os países árabes produtores, contribuindo para acelerar a procura de energias alternativas, tais como as renováveis, incentivando ainda mais a produção de Shale Oil, sobretudo nos EUA», diz Paulo Rosa, lembrando que a economia europeia é ainda muito dependente dos combustíveis fósseis importados e que, por isso, «seria consideravelmente afetada num cenário de guerra direta entre Irão e Israel».

O responsável destaca ainda que, apesar da intensificação do processo de transição energética nos últimos anos e da procura por segurança energética desde a eclosão da guerra na Ucrânia, «a Europa e Portugal ainda são muito dependentes do petróleo (correspondendo o petróleo e o gás natural a cerca de 70% da matriz energética portuguesa)». Neste cenário, que considera «muito pouco provável, o aumento das tensões entre as superpotências aumentaria».

E no caso de uma eventual entrada do Hezbollah no conflito, partido político e milícia apoiada pelo Irão, sendo um ator poderoso no Líbano, e grande defensor da causa palestina, «elevaria o atual patamar do conflito, podendo envolver oficialmente a Síria e o Líbano, impulsionando o preço do petróleo para os 100 dólares/barril, sendo também uma real ameaça a uma possível entrada direta do Irão no conflito».

Lembrando que o executivo português antecipa no OE2024 uma cotação do petróleo de 81 dólares por barril em 2024, comparando com valores previstos de 83 dólares para 2023, Paulo Rosa diz que «um cenário em que o preço do petróleo se situe 20% acima do assumido no cenário base, ou seja, um aumento para perto dos 100 dólares, teria um efeito negativo de 0,1 pontos percentuais no crescimento do PIB em 2024». E «uma eventual escalada do preço do petróleo, com a entrada direta do Irão no conflito, o efeito no PIB português tenderia a ser exponencial e dificilmente Portugal escaparia a uma recessão com a cotação do crude nos 150 dólares».

Já Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que embora «Israel não seja um player importante como produtor de petróleo, a região do conflito é importante a nível estratégico nas trocas comerciais, quer para importações como para exportações de petróleo e derivados».

O analista defende que o petróleo «tem reagido às tensões entre Israel e a Palestina que ameaçam o comércio internacional nessa região e os riscos de existir uma escalada no conflito pode envolver os países vizinhos – o que poderia trazer um novo desequilíbrio na oferta». E acrescenta que a reação do petróleo «reflete os receios de que possam surgir novos problemas na oferta, o que agravaria ainda mais o atual desequilíbrio entre a oferta e a procura», lembrando que os níveis de produção têm sido artificialmente limitados por vários membros da OPEP+ e um envolvimento de outros países vizinhos como Irão, «poderia ter um impacto significativo nos preços da matéria-prima».

Sobre o facto de o conflito escalar para outras regiões, Henrique Tomé não tem dúvidas de que esse «é sem dúvida o maior risco, sobretudo o Irão que é um importante produtor de petróleo e que podem utilizar essa posição como arma», lembrando que recentemente o Irão apelou ao embargo petrolífero e a outras sanções contra Israel, «o que eleva ainda mais as pressões sobre os preços nos mercados internacionais». O analista detalha ainda dados do FMI de que se os conflitos se intensificarem na zona do Médio Oriente, uma escalada no preço em 10% no petróleo terá impacto em um decréscimo de 0,2% no PIB mundial e um aumento inflacionário de 0,4%. «Neste cenário, o impacto poderia levar o preço do petróleo a ser negociado acima da marca dos 100$ novamente, o que por sua vez suscitaria novas preocupações sobre a inflação», avisa.

E caso o preço do petróleo ultrapasse essa marca, «poderá ter um impacto significativo nos preços dos combustíveis e o que poderá levar a um aumento dos preços muito superior ao registado da última vez que o petróleo esteve a ser negociado nesses níveis, isto porque o euro em relação ao dólar americano tem continuado a depreciar e porque pode haver um aproveitamento de margens de quem comercializa esse bem».

Questionado sobre se o Governo terá de manter o desconto nos subsídios, Henrique Tomé diz que essa poderia ser «uma boa decisão,» mas «deverá depender de como o preço do barril de petróleo evoluirá nos próximos meses», acrescentando que a elevada carga fiscal em conjunto com as pressões sobre os preços do petróleo «penalizam muito os agentes económicos, não só as famílias, mas também as empresas. Para além disso, Portugal tem sido penalizado em termos de competitividade face aos outros países devido aos combustíveis mais altos».

Para Portugal, o analista da XTB avança que se espera que a inflação continue em níveis acima dos 2%, «primeiro pela via internacional inflacionária e segundo porque olhando para o OE entendemos que a política utilizada vai impulsionar o consumo o que provoca mais incentivos inflacionários, se a isto acrescentarmos mais subidas nos preços dos combustíveis está tudo alinhado para que a inflação perdure em território nacional».

Sobre se este conflito afetará as trocas comerciais entre Portugal e Israel, Henrique Tomé diz que o conflito já dura há mais de 20 anos «e desde então não teve grande impacto, embora Israel não faça parte da NATO e seja aliado de Portugal», acrescentando que a economia de Israel «deverá temporariamente contrair devido ao esforço de guerra, o que implica redução da atividade perante os outros países e Portugal não deverá ser exceção. Contudo, não vemos isso como uma ameaça ao comércio internacional de Portugal».

Já Paulo Rosa diz que esse impacto no desempenho da economia portuguesa «é residual quando comparado com a eventual subida do preço do petróleo num contexto de agudização e expansão do conflito a mais países do Médio Oriente».