Miguel Ferreira da Silva, o primeiro presidente da Iniciativa Liberal (IL), abandonou as funções de conselheiro nacional (CN) do partido. Em causa está a revisão dos atuais estatutos, que será debatida na próxima convenção, a realizar nos dias 1, 2 e 3 de dezembro, no Europarque. “Deixando de reconhecer autonomia e representatividade ao CN, irei defender outra solução em convenção como membro de base e não identificado com esta proposta do CN, órgão do qual me desvinculo com efeitos imediatos”, refere numa declaração de voto a que o Nascer do SOL teve acesso.
Contactado pelo nosso jornal, Ferreira da Silva justificou a saída: “O partido cresceu muito e muito rápido, o que é bom e só vem provar que fazia falta um partido liberal em Portugal. Mas chegámos a um momento em que tem de decidir o que quer ser, se quer ser mais um partido do regime e funcionar como todos os outros, mesmo tendo três ou quatro bandeiras liberais ou se queremos ser um partido que vem transformar a forma como se faz política em Portugal e permitir aos portugueses participarem na política e começo a pensar que os dois caminhos não são compatíveis um com o outro, ou seja, chegar ao poder para implementar uma ou duas medidas liberais é bom para Portugal, mas não transforma o país em mais liberal”.
Tal como o Nascer do SOL já tinha avançado, Miguel Ferreira da Silva e Tiago Mayan, ex-candidato à Presidência da República, foram dois dos rostos de um movimento de militantes que avançou com um conjunto de propostas para mudar os estatutos do partido a apresentar na convenção nacional do partido. A estes juntam-se também José Cardoso, um dos candidatos na corrida à liderança da Iniciativa Liberal em que saiu vencedor Rui Rocha, e Hugo Condessa, ex-candidato a líder do núcleo do Porto, dando lugar à Iniciativa Estatutos + Liberais.
“Esta proposta agora apresentada é baseada em seis princípios liberais, descritos no manifesto inicial, convertidos depois em 22 propostas concretas de alteração dos estatutos e foi subscrita por 211 membros. No último mês estas 22 propostas foram apresentadas aos membros para debate, tendo incluído os contributos recebidos, no respeito pelos princípios do projeto», referiu um dos representantes deste grupo. Que adiantou que a proposta defende que «a Iniciativa Liberal tem que ser para dentro o que defende para fora: centrado no indivíduo (membro), descentralizado, plural, transparente e democrático”. E acrescentou que o grupo está contra a proposta avançada pelo grupo de trabalho estatutário (GTE), que, defende, assenta numa “proposta centralista, concentrando o poder na Comissão Executiva, ao arrepio dos princípios democráticos da separação de poderes e dos pesos e contrapesos”.
Perante este cenário, Miguel Ferreira da Silva reconhece que não tinha outra saída a não ser abandonar o conselho nacional. “Estamos a ter os mesmos vícios de secretaria como os outros. Tenho uma outra proposta Se é apresentada uma outra proposta e se discordo de forma tão forte achei que devia ceder a minha posição ao membro seguinte da lista. Com toda a naturalidade vou continuar, mas defenderei uma outra solução mais aberta, mais participativa, onde os cidadãos com opiniões diferentes que possam contribuir para um Portugal mais liberal e não apenas para apoiar uma solução que é ditada por uma direção do partido”, salienta ao nosso jornal.
Já na declaração de voto a que o Nascer de SOL teve acesso, afirma que “a perda de poderes do conselho nacional, agravada por ser (formalmente) o próprio órgão a fazer a proposta, viola de forma clara o 13.º princípio da declaração de princípios da IL. Em concreto, retira o caráter predominantemente deliberativo ao órgão representativo dos membros e remete-o a um órgão meramente consultivo, pondo em causa a separação de poderes”.
Abandona a liderança
Entretanto, e depois de ‘bater’ com a porta como conselheiro nacional, Ferreira da Silva perdeu a liderança do grupo municipal da IL na Assembleia Municipal de Lisboa. O responsável não quis comentar, mas esta não é a primeira vez que há represálias da direção da IL a quem ousa contestar as suas orientações. Vicente Ferreira da Silva e José Maria Barcia foram afastados do partido depois de terem dado apoio a Carla Castro, que saiu derrotada nas últimas eleições à liderança da IL.
Mas, ao que o Nascer do SOL apurou, ainda está tudo aberto em relação ao futuro da revisão dos estatutos, já que esta implica que cada uma das propostas, para ser aprovada, tenha luz verde de 2/3 da convenção. “Há o risco de que nenhuma das duas passe e, se isso acontecer, ficarmos com os estatutos atuais”, disse fonte do partido.
Uma das alterações mais emblemáticas diz respeito ao artigo 14 e ao referente ao papel dos órgãos da Iniciativa Liberal, em que o grupo de trabalho estatutário propõe que o conselho nacional deixa de ser deliberativo e passa a ser apenas consultivo, com concentração de poderes na Comissão Executiva – enquanto a proposta Estatutos+Liberais clarifica as descrições de cada órgão, à luz da separação de poderes.
Também polémico é o artigo 16, quanto ao voto das inerências. Atualmente, está previsto que, por inerência, a comissão executiva tenha 33% dos votos no conselho nacional. Mas, se a proposta do GTE mantém o voto da comissão executiva (25% de votos do conselho nacional) com exceção dos relatórios e contas, recomendações e convocatórias, acrescenta ainda mais sete votos ao conselho nacional de um órgão eleito separadamente, aumentando as inerências com voto – enquanto a proposta deste grupo de membros do partidos elimina o voto da comissão executiva no conselho nacional, para garantir a separação de poderes.
Outra questão que poderá originar dúvidas diz respeito ao artigo relativo ao respeito pela vontade dos membros. Neste momento, os estatutos indicam que a demissão do presidente da comissão executiva pode levar a eleições antecipadas, caso não existam vice-presidentes. A proposta do grupo de trabalho estatutário indica que essa situação não implica eleições, a não ser que se assista à perda de quórum do órgão – por sua vez, a proposta Estatutos+Liberais defende que a demissão do presidente da comissão executiva ou de um coordenador de um núcleo territorial implica demissões.