Costa quer Guterres em Belém

Há oito anos, Guterres disse três vezes ‘não’ a uma candidatura à Presidência da República. A esquerda ainda alimenta esperanças de o ver em Belém. E a posição do secretário-geral da ONU sobre o conflito no Médio Oriente veio dar ânimo aos mais esquerdistas.

Em 2015, acabado de tomar conta do PS, António Costa encontrou-se com António Guterres – na altura alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados – para falar sobre a disponibilidade para uma eventual candidatura às eleições presidenciais de 2016. O antigo primeiro-ministro socialista respondeu-lhe ‘Não’ logo nesse momento.

Meses depois, diria ao Expresso que «era livre para decidir a sua vida», não rejeitando entrar na corrida a Belém – declarações que criaram ambiguidade e motivaram um telefonema de Costa ao alto comissário para esclarecer novamente a situação deste face a uma eventual candidatura. A resposta foi a mesma: Não!

As dúvidas só foram desfeitas quando Guterres, já com um olho no lugar de secretário-geral das Nações Unidas, concedeu uma entrevista à Euronews, retirando-se definitivamente da corrida presidencial, numa altura em que vários candidatos já tinham manifestado as suas intenções de suceder a Cavaco Silva.

«Não sou candidato a ser candidato», garantiu, confessando que a sua aposta era mesmo numa carreira internacional.

A saída de cena de Guterres, na altura, abriu a passadeira vermelha para a candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa.

Por isso, não deixa de ser curioso que, passados estes anos, tendo Marcelo sido reeleito sem qualquer margem para dúvidas e tendo Guterres chegado a secretário-geral das Nações Unidas, cargo no qual também foi reconduzido, seja agora uma possibilidade o antigo líder socialista regressar a Portugal para uma candidatura a Belém.

O Nascer do SOL apurou que, tal como, aliás, vêm dizendo as sondagens, António Guterres seria o candidato preferido pela esmagadora maioria dos socialistas, incluindo, claro, o secretário-geral do partido – que sempre defendeu essa hipótese.

Além de que, como resulta de todas as sondagens, o PS teria assim um candidato com reais possibilidades de ganhar as presidenciais.

Aliás, mesmo em Belém a candidatura de António Guterres seria vista com muito bons olhos – Marcelo não se cansa de repetir que o secretário-geral das Nações Unidas, de quem é amigo de longa data, «é o melhor da sua geração» (na qual se inclui ele próprio) – sendo que, já depois de eleito Presidente, chegou a afirmar que «Guterres teria sido um candidato fortíssimo».

Até agora, Guterres não deu qualquer sinal de que poderá ser candidato às presidenciais de 2026. Mas também nunca afastou o cenário, que tem sido repetidamente colocado nas sondagens e estudos de opinião sobre a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa.

Em todas elas, o antigo primeiro-ministro socialista surge como claramente o candidato da esquerda mais bem colocado, à frente do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, da antiga embaixadora Ana Gomes, ou do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

De acordo com uma sondagem recente da Aximage para o DN, JN e TSF, Guterres surge, aliás, como o melhor colocado (40%) para as presidenciais tanto junto dos eleitores do PS como do PSD.

Além disso, fontes socialistas admitem que o antigo primeiro-ministro não deve ser excluído da corrida, «porque nunca se sabe».

Apesar dos timings não jogarem a favor dessa possibilidade, uma vez que as eleições se disputam em janeiro de 2026 e o mandato de Guterres em Nova Iorque só termina no final desse ano, nada impede que este abandone as funções uns meses antes – antecipando também o calendário da sua sucessão – para entrar em campanha nacional.

Curiosamente, o polémico discurso de Guterres na terça-feira, durante a abertura de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a guerra entre Israel e o Hamas – em que considerou que «é importante também reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram do nada», acrescentando que «o povo palestiniano tem sido submetido a 56 anos de ocupação sufocante» -, veio dar mais ânimo aos socialistas da ala mais à esquerda, sendo que o antigo líder do PS colhe claramente mais apoios na ala mais moderada do partido, nos setores católicos e mesmo no centro-direita.

A intervenção, que irritou Israel e levou o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita a pedir a demissão de Guterres, foi amplamente aplaudida pelos outros partidos da esquerda portuguesa, com o BE e o PCP a saírem em defesa do secretário-geral da ONU. No Parlamento, os bloquistas deram até entrada com um voto de solidariedade para com o secretário-geral da ONU. No projeto de voto, propõem que a Assembleia da República se solidarize com Guterres, «repudiando os ataques de que tem sido alvo por parte de Israel», e sublinhe «a necessidade de um cessar-fogo», de «acesso à ajuda humanitária e de condenação dos crimes de guerra».

Em declarações ao Nascer do SOL, fontes socialistas rejeitam que tenha sido intenção de Guterres precipitar uma saída das Nações Unidas, mas admitem a tese de que a intervenção possa ter sido pensada para agradar aos partidos políticos à esquerda, até porque o discurso que levou à reunião do Conselho de Segurança da ONU estava escrito, ou seja, não partiu de uma imprudência do momento.