Da irreverência à irrelevância?

Não sou da IL, não me interessam as suas questiúnculas internas, não me comovo com questões mal resolvidas de efémeros protagonistas

Quando a Iniciativa Liberal (IL) foi fundada, houve a sensação de que poderia ser uma lufada de ar fresco. Embora não tanto pelo seu ideário, porque esse não era inovador, já que é herdeiro do laissez-faire do século XVIII. O liberalismo contemporâneo resulta do Consenso de Washington, de 1989, que assentava nos seguintes princípios: disciplina fiscal, fim dos subsídios indiscriminados, reforma tributária ampliando a sua base, taxas de juro livres e determinadas pelos mercados, taxa de câmbio competitiva, livre comércio, liberalização do investimento estrangeiro, privatizações, desregulamentação e segurança jurídica.

Em Portugal, contudo, o liberalismo moderno era novidade. Por isso, a IL significou uma rutura com o status quo dos partidos tradicionais e agitou o marasmo da política portuguesa com dois novos valores: Carlos Pinto, como ideólogo, e João Cotrim de Figueiredo, como tribuno eloquente e líder natural.

A IL encontrou na irreverência do discurso a forma de chegar ao eleitorado jovem e urbano, atraindo franjas desiludidas com o CDS e o PSD. Chegou a aproximar-se do eleitorado do BE, ao aderir a causas libertárias. Em 2019, Ricardo Arroja, outro valor seguro da IL, definia a tática do partido: um caminho de «irreverência, mas também de credibilidade», num ‘eixo vertical’, nem de direita nem de esquerda.

E foi nesta corda bamba ideológica que o partido cresceu: ora aderindo a candidaturas independentes, como no Porto, ora negociando alianças com partidos tradicionais, como nos Açores.

Apesar do bom resultado nas legislativas, a débacle do PSD e a maioria absoluta do PS constituíram um revés para a IL, que ambicionava partilhar o poder. Sem esse poder, era impossível satisfazer as aspirações dos seus quadros.

Mas não foi isso que Cotrim invocou, quando abandonou a liderança. Explicou que era «precisa uma atitude mais combativa, abrangente e popular.» Pareceu, porém, que estava cansado das infantilidades de certos setores da IL e tinha consciência de que a rivalidade entre fações ameaçava a credibilidade do partido.

Com a sua saída, e apesar dos esforços de Rui Rocha, a irreverência deu lugar a alguma incivilidade no discurso dos ‘jovens turcos’, que passaram a dominar algumas concelhias. Como era inevitável, trataram de fomentar dissensos, de questionar o novi líder e, por falta de estratégia ou mero ciúme, tentam minar a reputação de Cotrim, entretanto apontado como cabeça de lista às europeias.

Este caldo de cultura explica que, depois de uma entrevista em que, questionado sobre o meu futuro, expliquei que o normal será cumprir o mandato à frente da CM Porto e que o mesmo não deve ser mercadejado, a IL – Porto me tenha dedicado um texto em que se lê que «o Porto não se troca por um prato de lentilhas, nem por couves de Bruxelas, nem por outras ambições.»

Obviamente que o recado não é para mim. Não sou da IL, não me interessam as suas questiúnculas internas, não me comovo com questões mal resolvidas de efémeros protagonistas. O recado é para Cotrim e, se continuarem a provocá-lo, não me admira que se farte e atire a toalha ao chão. Só que se isso suceder, os ‘jovens turcos’ correm o risco de não ter as tais couves à mesa…