Nota para os Leitores: Os eventos aqui reportados são baseados numa experiência e opiniões pessoais, e do meu entendimento de toda a situação enquanto residente em Israel-Palestina, não uma expressão pública de qualquer organização ou país.
Caros Leitores,
Este é o relato mais difícil até agora. Não pelo facto de me encontrar em risco de vida (felizmente não é o caso), ou por não ser capaz de fazer uma rotina relativamente tranquila (porque até o tenho feito), mas porque começa a faltar esperança para uma resolução pacífica e em curto espaço de tempo. Mas vamos por partes.
Na última semana e meia, houve um regressar paulatino ao trabalho. Enquanto treinador e preparador físico para a Federação Israelita de Ténis, recomecei a dar treinos e a interagir com os nossos atletas, a grande maioria deles jovens entre os 6 e os 18 anos. Tenho orgulho de que, no meio desta ‘salgalhada’ toda, estou num local de trabalho onde pessoas de todas as religiões e origens se juntam para fazer atividade física e criar amizades. Não houve sequer um evento de violência, racismo ou ódio a reportar, e isso mostra que temos sido capazes, ao longo dos anos, de fomentar essa humanidade entre todos.
Nos tempos livres, tenho visitado amigos e conhecidos que foram deslocados por causa da situação e, juntamente com a minha mulher, ir fazendo círculos de música e oração para as comunidades com quem ela trabalha. É um sentimento especial contribuir para levar a estas pessoas um momento de paz e de esperança nos tempos que correm e ver a resiliência deste povo. Tem sido muito comovente.
Agora, falando da parte difícil da coisa… A meu ver, estamos perante uma nova versão de um fenómeno recorrente no mundo ocidental: uma declaração de poder de grupos radicais terroristas que querem ‘pôr em sentido’ todos aqueles que os menosprezam. O Hamas não é mais do que uma versão do que foi a Al-Qaeda ou o ISIS, e como eles há outros, sendo o Hezbollah o ‘alfa’. Com certeza, todos eles têm as suas divisões e batalhas mas, neste caso, o inimigo é o mesmo. Por isso é que se vêm reportando ataques de todas estas frações, sendo que o Hezbollah é aquele que, tecnicamente, incentiva mas que ‘não dá ordens’.
A situação aqui é complexa. Tudo isto pode demorar largos meses, dependendo dos movimentos neste ‘xadrez’. Neste momento, a grande prioridade das nações ‘externas’ a este conflito é o de prestar apoio aos palestinianos inocentes (que, acreditem, também eu quero que fiquem a salvo de tudo isto!) e do regresso dos civis capturados pelo Hamas. Por um lado, há a questão do quanto o Hamas pode ‘roubar’ aos seus compatriotas para se manter militarmente funcional (não há quem os possa parar de o fazer) – não esquecendo que usam espaços públicos para seus armazens de armamento e para pôr os seus lançadores de mísseis (quando corre mal, põem a responsabilidade deste lado). Infelizmente, o número de civis afetados em Gaza sobe constantemente, porque, se Israel quer eliminar artilharia e o próprio Hamas não os deixa escapar para um lugar seguro, é difícil Israel poder defender-se sem afetar civis.
Por outro lado, as negociações para o regresso dos capturados em Gaza poderá ser muito lenta, ou acabar de um dia para o outro. O Hamas nada tem a ganhar em libertar civis a troco de nada, até porque os tem escondidos num labirinto de túneis que muito dificilmente Israel conseguirá decifrar. Ainda hoje é impossível saber até onde esses túneis dão acesso, em que zona de território israelita eles acabam, até que profundidade (há relatos de que alguns destes estão 70 metros debaixo do solo, pelo que, nem um míssil bem potente consegue criar uma cratera para lá chegar)… E, por isso, para além da libertação dos civis, há o risco de outra incursão, pelo solo, de terroristas, que pode apanhar as forças militares desprevenidas (e engane-se quem pense que a fronteira com Gaza poderá ser a única fronteira onde isto pode acontecer…). Por isso, há este impasse sobre para quando será a invasão terrestre das forças militares a Gaza.
Mais uma vez, não se trata de tirar palestinianos inocentes das suas casas ou de não lhes reconhecer os devidos direitos humanos, mas de querer eliminar um grupo terrorista (que tem várias versões em todo o mundo e nos países vizinhos a Israel) daquela zona do território, e do perigo iminente que ele representa a cada dia que passa! E, se houver invasão terrestre a Gaza, o que acontecerá noutras fronteiras? Haverá infiltrações de terroristas? E por onde? De dentro ou de fora do país? E as forças rebeldes no Líbano, na Síria, na Cisjordânia, no Egipto, na Jordânia? E o Hezbollah? E os Estados Unidos? E a Turquia, a Rússia e a China? E o Reino Unido, a Alemanha e a França?
E, portanto, aqui estamos… Este impasse, ou compasso de espera (ou como lhe queiram chamar) na Terra Sagrada, o epicentro do mundo (a prova disso é o crescente número de eventos antisemíticos e islamofóbicos em toda parte), onde nos encontramos. Por isso digo que começa a faltar esperança para uma resolução pacífica e em curto espaço de tempo. Mas cada um tem de fazer o melhor para que isto possa acontecer.
Todos queremos paz? Sim! Mas sem nazis disfarçados (há um sem número de provas de como o Hamas utilizou algumas ‘ferramentas’ dos nazis neste ataque fatídico), sem doutrinações (já viram desenhos animados e jogos de rua onde o objetivo é ‘matar o Judeu’? pois, há crianças que sim…) e, com certeza, há muito que o Estado de Israel poderá fazer para que a sua democracia seja mais igualitária para todos. Não diria necessariamente uma solução para dois Estados – ou, pelo menos, não para já -, mas que todos os residentes se sintam representados, valorizados e respeitados. Primeiro tem de chegar a paz e, para isso, evitar os erros do passado e pararmos contundentemente estas organizações de terror e genocídio. Depois disso, pensar em como evitar futuras ocorrências.
Mário Fernandes, português em Israel