Sem surpresa, o Orçamento do Estado para 2024 foi aprovado na generalidade apenas com os votos favoráveis da bancada socialista. Livre e PAN abstiveram-se e o resto da oposição votou contra. O Presidente da República já veio reconhecer que o documento não podia ser «muito diferente», uma vez que foi elaborado «à defesa» devido a um «quadro que não é de previsão de crescimentos» em Portugal, assim como nas economias parceiras.
À direita as críticas estão, na sua maioria, focadas no aumento de receita fiscal para o próximo ano, principalmente através dos impostos indiretos. Alertas que já tinham sido avançados por João César das Neves. «O ministro chamou toda a atenção para a multidão de pequenas medidas nos impostos diretos (IRS e IRC), porque aquilo que realmente está a acontecer é nos impostos indiretos (IVA, ISP, etc.), que ajudados pela inflação, aumentam 3300 milhões. Isso, junto ao aumento das contribuições gera de novo um aumento na carga fiscal (o máximo foi 38,% do PIB em 2022 e sobe para 38,2% em 2024)», disse ao Nascer do SOL.
Também o economista José António Ferreira Machado acenou com a ideia de «ilusão fiscal» e admitiu que o Orçamento é «prudente», mas ao mesmo tempo, «pisca o olho às eleições a ocorrer em 2024, prometendo mais do que na realidade vai dar. Ou seja, é prudente e acena com uma mão muito visível, mas depois vai retirar com a outra».
IUC e IMI no olho do furacão
O agravamento do IUC foi uma das medidas mais criticadas durante estes dias de debate e levou o PSD a entregar, esta quinta-feira, uma proposta de alteração com vista a eliminar as mudanças que o Governo quer implementar. Em causa está a alteração das regras de tributação para os veículos da categoria A de matrícula anterior a 2007 e motociclos (categoria E), prevista na proposta do Orçamento e que determina que estes deixem de ser tributados apenas com base na cilindrada (como sucede atualmente), passando a ser considerada a componente ambiental.
«O Governo estará a penalizar as classes média e baixa, em particular os cidadãos com mais dificuldades económicas e para quem será difícil adquirir um automóvel mais recente e menos poluente», justifica o PSD, defendendo que a «ser feita uma reforma desta natureza deve ser precedida de estudos e de um amplo debate e não escondida no Orçamento», lembrando que o facto de 350 mil cidadãos terem assinado uma petição contra o aumento «deveria ser suficiente para fazer o Governo refletir e recuar na sua intenção de agravar o IUC dos veículos mais antigos».
Argumentos que têm sido recusados pelo Governo. Ainda esta semana, António Costa acusou a oposição de querer assustar os portugueses com esta subida, contrapondo que em 2024 e 2025 haverá um travão que limita o aumento a um máximo a 25 euros. «A direita continua sem se interessar pelos salários e rapidamente se desinteressou do IRS. Mais uma vez, tal como no ano passado, a oposição quer assustar os portugueses. Desta vez anunciando aumentos estratosféricos – em alguns casos de cerca de 1000% do IUC. Daqui a um ano todos saberão quem falou verdade», acusou o primeiro-ministro.
Também o argumento da direita em relação ao possível aumento do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) em resultado da revisão do coeficiente de localização que entra na fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis foi afastado pelo Executivo. «Não está previsto qualquer aumento do IMI para o OE 2024 e nem em nenhum OE que eu possa prescrever no futuro», garantiu Fernando Medina, acrescentando ainda que «não podem querer transformar o resultado do trabalho técnico de redesenho relativamente ao IMI e darem um salto quântico para uma decisão política do governo já não 2026, 2027 e 2028, mas para agora 2024 ou para 25».
Do lado da esquerda o apontar do dedo foi à falta de respostas estruturais para a questão da Saúde, dos rendimentos e da habitação e exigem uma maior taxação dos lucros da banca. Por sua vez, o PAN e o Livre mostraram abertura para a posterior negociação na especialidade de modo a imprimir as suas reivindicações no texto final do documento.
«O Livre estará nesta negociação, se o Governo quiser ter uma ambição para o SNS, para a Ciência», referiu o deputado único Rui Tavares, enquanto o PAN quer ver debatida na especialidade o alargamento do passe gratuito para todos os jovens até aos 25 ano s e que atualmente está limitada aos estudantes até aos 23 anos, assim como a redução da taxa do IVA para 6% da ração para animais de companhia. «Caberá ao Governo decidir se vem para a mesa negocial de forma séria e responsável, porque o que importa não é como o Orçamento começa, mas como acaba», disse Inês de Sousa Real.
TAP de fora mas muito falada
Apesar de o Orçamento não ter uma linha sobre a privatização da TAP, o tema foi um dos mais destacados no Parlamento. Uma questão que ganhou maior relevo depois de o Presidente da República ter devolvido ao Governo o diploma de privatização da TAP. Marcelo Rebelo de Sousa quis a «clarificação de três aspetos que considera essenciais: a capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica como a TAP; a questão da alienação ou aquisição de ativos ainda antes da privatização; a transparência de toda a operação», o que levou o primeiro-ministro a afirmar que as preocupações serão «devidamente ponderadas».
António Costa referiu que se o hub de Lisboa e a função estratégica da TAP não forem assegurados, a privatização não avançará, defendendo que o «último critério é mesmo o preço». E acrescentou: «A privatização ocorrerá no estrito respeito pela vocação estratégica da TAP».