As crianças de hoje

Brincar pode exigir muita bateria, sobretudo nos smartphones. E paciência para aprender as coreografias do TikTok.

Tentar distrair uma criança com um ‘Quantos Queres?’ de papel pode tornar-se quase tão inglório como achar que se consegue surpreendê-la com aviões de papel. Ainda não sabem ler nem escrever, mas instalam jogos nos telemóveis ou ipads como se fosse algo intuitivo. Com a mesma facilidade vão dar ao YouTube e a outras redes sociais onde encontram os desenhos animados preferidos ou pesquisam por mini-influencers – é real, também existem, com idades que correspondem às de uma criança do primeiro ciclo. 

E se ficam completamente vidrados no pequeno ecrã, não há notificação que os possa incomodar: chegados aqui, basta ver a facilidade com que deslizam para cima, com o dedo indicador, a barra de mensagens. E não há grupo de WhatsApp mais teimoso do que eles, acreditem. Repetem o gesto vezes sem conta se assim for necessário e sem perder a atenção – nesta altura também está visto que colocar o vídeo uns segundos para trás não seria um problema. Por outro lado, uma chamada pode definitivamente ser motivo de incómodo, uma vez que perdem acesso às imagens que os colam ao ecrã. Aparentemente chega o momento ideal para recuperar o telemóvel, mas rejeitar a chamada passa a ser mais uma prova de como as capacidades tecnológicas não se esgotam ali. Tentar perceber onde ou como aprenderam é muito provavelmente uma missão falhada, como acontece quando soltam o primeiro palavrão e se mergulha num autêntico Cluedo para apurar o culpado e o momento/ local do “crime”. 

No entanto, este cenário mantém-se quando passamos das crianças para os pré-adolescentes. Jogar ao Monopólio? Ao Ludo? Ao Uno? Por esta altura, só a carta de inverter o jogo pode ter qualquer relação com o clássico jogo de cartas. E nesta fase é quase certo que sai na rifa uma tarde cheia de coreografias do TikTok. E quando assim é, resta estar consciente de que mesmo quando parece que chegou o momento da última dança, há sempre a jogada final: de repente, toma lá +4…