Globalização, Crises da Democracia Liberal e Corrupção…

Os partidos democráticos estão a contribuir para a destruição da democracia e dessa forma a criar um ecossistema político favorável ao reforço das forças reacionárias e conservadoras.

«Instalou-se a ideia de que, num regime liberal democrático, tudo é matéria de escolha pessoal, incluindo as regras de conduta».

  (José Carlos Espada, 1999:36)

1. O Primeiro Ministro António Costa, apresenta a demissão ao Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. O Secretário Geral do Partido Socialista António Costa, renuncia ao cargo e convoca o Secretariado Nacional do PS para discutir a crise governativa e partidária. O Ministério Público informa que o Primeiro Ministro, o Chefe do seu Gabinete e membros do governo estão sob suspeita de vários crimes contra o Estado Português. O Ministro João Galamba recusa apresentar a sua demissão e remete o problema para o demissionário Primeiro-Ministro. O Presidente da República mete na gaveta a demissão do Primeiro Ministro e aguarda a aprovação do Orçamento de Estado na Assembleia da República, para em tempo constitucional útil demitir o Primeiro Ministro demitido. A força normativa destes factos remete obrigatoriamente para uma discussão necessária e profunda entre praxis política e direito constitucional, entre consentimento e limites em torno do mandato político.

Os portugueses assistem em directo a uma crise de confiança política onde reina a demissão e a anomia social. Encontramo-nos perante uma demissão pública e política, que inverteu a regularidade da ordem política, jurídica e social em claro patrocínio do caos político e da desordem social, do regresso dos populismos conservadores e reacionários. Pela primeira vez, um Primeiro Ministro em funções é indiciado em crimes em exercício de mandato. Mais uma crise política no sistema partidário e governativo português. A democracia representativa não consegue evitar as crises cíclicas que infestam o nosso sistema democrático. A política nacional vive desde há alguns anos um problema grave de fechamento à sociedade civil, de atomização de quadros e de desagregação do tecido social, rompendo o contrato e o compromisso social entre eleitos e eleitores, entre governantes e governados, entre políticos e cidadãos; facto que conduziu para uma situação de entropia politico-governativa e decomposição dos partidos democráticos. Os partidos políticos fecharam-se à realidade social, afastaram-se das pessoas, dos cidadãos, das instituições sociais e do mundo do trabalho em geral. Este fenómeno contribuiu para a construção de oligarquias dentro dos partidos com ligações a grandes gabinetes de advocacia, reféns do grande capital globalizado.

2. Os partidos políticos estão reféns deste Capitalismo Global neoliberal que lhes permite fazer face a custos de campanhas, de serviços e de clientelas.
Se fizermos uma pequena e simples análise verificamos como antigos ministros, deputados e líderes partidários passam do foro partidário e governativo para gestores desses grandes interesses capitalistas. Numa grande e perplexa promiscuidade entre o interesse público e o interesse capitalista.
O Partido Socialista enquanto partido do arco da governação é um partido instalado no Estado. Essa promiscuidade coloca o partido socialista numa situação de alto risco, pois, é entendimento geral que quem está na esfera de influência desse partido, mais tarde ou mais cedo tem acesso a meios e a instrumentos que permitem uma boa posição social no contexto nacional e internacional. Este facto conduz a uma diluição dos poderes, das funções e dos órgãos partidários e públicos, enfraquece os mandatos e promove situações de conflito entre o privado e o público, negligencia o interesse público e o bem-comum. Na realidade este governo desdenhou das reivindicações dos professores, dos médicos, dos funcionários públicos, das forças de segurança pública, isto é, ignorou os direitos constitucionais em benefício de uma visão economicista comandada pelos diretórios neoliberais do FMI, BCE e BM. O governo que ignora os problemas nos serviços públicos (Habitação, Saúde, Educação, etc.) essenciais para a qualidade e segurança de vida dos portugueses, é o mesmo governo que protege os grandes capitalistas colocando o Estado ao seu serviço. Colocando a ação governativa numa situação de Ilegalidade e promiscuidade que conduziram a todo este processo de averiguações por parte do poder judicial.Que nos remete novamente para a relação entre o poder e o político e da importância da separação de poderes essencial num regime democrático, com destaque para o papel estruturante das democracias desempenhado pelo poder judicial que não é nem deve ser judiciário.

 
3. António Costa merece um voto de censura pela forma arrogante, descuidada e negligente como recrutou ministros, secretários de estado e chefes de gabinete sem fazer uma avaliação de caracter, de conhecimento, de independência e de capacidades no exercício do cargo ao serviço da Nação. Mas o centro do problema não está exclusivamente nas escolhas erráticas que fez, mas na sua incapacidade política para abrir diálogos entre os mais diversos pares da sociedade portuguesa. Salientamos a forma grosseira, cómica e ligeira como tratou professores, médicos e enfermeiros, auxiliares e policias. Não soube criar uma plataforma de compromisso nacional na defesa dos serviços públicos e da resolução dos problemas que afetam milhões de portugueses. Destacamos o problema grave da habitação ao qual não foi capaz de dar solução, excetuando a retórica política em torno do Primeiro Direito e da Porta 65.
Estamos perante uma oligarquia partidária que jurou constituições, que fez votos de serviço público, que exerceu cargos de elevada carga simbólica e nacional. Mas, no entanto, comportam-se de uma maneira que não dignifica a vida democrática portuguesa.

Estas oligarquias partidárias da direita à esquerda, desrespeitam a soberania nacional, ignoram a Constituição, desprezam a Nação e deixam que o populismo e as forças reacionárias da direita fascista se afirmem como se fossem a voz da moralização política. Os partidos democráticos estão a contribuir para a destruição da democracia e dessa forma a criar um ecossistema político favorável ao reforço das forças reacionárias e conservadoras. Esta grave crise política deve levar o PS e todos os partidos democráticos a uma profunda reflexão sobre a natureza dos partidos políticos e o seu papel numa sociedade aberta e participativa.

Antropólogo e Investigador CICS.Nova UM/LAHB