O recuo no Imposto Único de Circulação (IUC) poderá ser uma das várias medidas que não avançará no próximo ano, ao contrário do que estava previsto no Orçamento do Estado (OE). O ministro das Finanças abriu a porta para esta alteração, dando a palavra à bancada socialista e esta aproveitou para deixar cair uma das medidas mais polémicas no documento.
“O veículo ligeiro é em muitos casos ainda a principal forma de deslocação para o trabalho ou para deslocação até ao meio de transporte público mais próximo, principalmente fora das principais cidades do país e em zonas de média e baixa densidade, onde a oferta de transportes públicos é reduzida e desadequada às necessidades diárias de mobilidade” revelaram os deputados socialistas, referindo que “nestes casos, em que o carro é uma absoluta necessidade, acresce o facto de muito cidadãos não terem meios financeiros para a substituição por um veículo mais recente. Assim considera-se importante por uma questão de justiça social e proteção dos cidadãos com maior vulnerabilidade económica, retificar a proposta de OE neste sentido”.
Uma decisão que não surpreende João César das Neves. “A maioria das medidas está numa situação muito diferente daquela que tinha quando concebeu o OE, com eleições daqui a quatro meses. Por isso são de esperar mais medidas eleitoralistas, como a que aconteceu com o IUC”, revela ao Nascer do SOL.
Também Pedro Ferraz da Costa admite que, o recuo do IUC, poderá ser «para uma parte dos eleitores importante», no entanto, lembra que a evolução da economia não depende deste imposto e vai mais longe: “Já tínhamos um Orçamento que era já de si bastante eleitoralista”, disse ao nosso jornal.
Outras medidas já foram asseguradas pelo Governo, como o aumento do salário mínimo nacional (SMN), os aumentos da Função Pública e a subida das pensões que foram alvo de despacho por parte do Governo horas antes de se saber o que o Presidente da República iria fazer, acabando por optar por convocar eleições antecipadas. Em causa está a subida do SMN para os 820 euros a partir de 1 de janeiro, tal como foi acordado com os parceiros sociais, assim como o aumento na ordem dos 52 euros para a generalidade dos funcionários públicos, com um mínimo de 3%, para os mais de 700 mil trabalhadores.
“Há muitas coisas que mesmo que não houvesse Orçamento já estavam em marcha”, admite ao nosso jornal Pedro Ferraz da Costa. E chama a atenção para a subida das pensões, cuja valorização fica acima da inflação, daí apontar para o lado eleitoralista. “Caso contrário, isso não aconteceria, até porque a partir de uma certa idade, as pessoas não são apanhadas da mesma maneira. Normalmente já têm a casa paga e são menos afetadas pelos aumentos do custo de vida que geralmente penaliza mais as famílias mais jovens”.
Também a tão prometida revisão dos escalões de IRS – os limites dos escalões do IRS vão ser atualizados em 3% e as taxas dos primeiros cinco escalões vão baixar, uma medida que terá um impacto de 1,3 mil milhões de euros e irá beneficiar seis milhões de agregados – será posta em marcha com a entrada em vigor do Orçamento.
Apesar de aplaudir as medidas, Eugénio Rosa diz ao nosso jornal que fica aquém das necessidades. “As medidas de natureza social que o Governo fala – reforço do abono de família, aumento do complemento social para inclusão e o de inserção, o aumento do complemento de solidariedade para idosos –, embora bem-vindos, são irrisórios e não alterarão a pobreza em que camadas da população vive”.
Retificativo na mira
As dúvidas em relação às medidas que poderão continuar em vigor só serão respondidas após a tomada de posse do próximo Governo. César das Neves acredita que a solução irá passar pela apresentação de um Orçamento retificativo. “Essa hipótese é a mais provável. Isso seria um bom resultado, porque significava que tínhamos Governo nessa altura e mesmo que seja do PS é provável um retificativo)”, admitindo que “o pior cenário seria uma incapacidade de criar uma maioria”, e nesse caso, “viveremos com este OE muitos mais meses”.
Uma opinião partilhada por Ferraz da Costa. “Ninguém sabe quando é que vai voltar a haver um Governo normal. Mas é natural que não haja nada antes da entrada do verão. E consoante os resultados eleitorais pode demorar mais ou menos tempo e preparar um Orçamento alternativo são mais dois meses e, com isso, estamos a discutir o documento quase daqui a um ano”, salienta.
Também Eugénio Rosa refere que tudo “vai depender do partido que vença as eleições, da maioria que se constitua”, referindo que “tudo aponta para que não haja maioria absoluta, tendo em conta a experiência desastrosa desta e do Governo que se forme”. Mas deixa um recado: “O certo é que a proposta de Orçamento que vai ser certamente aprovada pela maioria do PS, com algumas alterações, essencialmente devido ao país ir a eleições e à campanha eleitoral já ter começado”. E quanto ao futuro diz que será necessário um Orçamente retificativo “que promova o crescimento económico, o desenvolvimento e a melhoria de vida da população o que não acontece com este. E a experiência passada revelou que a direita não fará isso apesar das suas promessas”.
‘Mudou muita coisa?’
Ainda esta semana, Fernando Medina referiu que “mudou muita coisa, mas não mudaram os resultados que apresentaremos aos portugueses na gestão da economia e das finanças públicas no nosso país”, detalhando ainda que os objetivos para o próximo ano mantêm-se “atuais e sem necessidade de virem a ser alterados”, lembrando que o peso da dívida pública cairá este ano abaixo dos 103% previstos no Orçamento e garantiu que o país irá alcançar a meta do excedente de 0,8% previsto para este ano.
Quando questionado por esta declaração, César das Neves diz apenas: “A declaração diz o que tem de dizer, seja verdade ou mentira”. Mais crítico é Eugénio Rosa. “Parafraseando Lampedusa no romance Leopardo pode-se dizer que ‘mudou-se alguma coisa para tudo continuar na mesma’. Continua a ser um mau Orçamento para o país e para os portugueses. É necessário que um novo Governo o altere”.
De acordo com o economista, com a proposta de OE apresentada pelo atual Governo “não há qualquer alteração no quadro económico e social do país (é mais do mesmo); pelo contrário, os principais problemas continuarão a ser agravar”. E dá como exemplo, o que se verifica com os impostos. “A ‘habilidade’ do atual no OE 2024 foi conter o aumento das receitas dos impostos diretos (IRS e IRC) e aumentar significativamente as receitas dos impostos indiretos – IVA, Imposto sobre os combustíveis, etc. – que são impostos mais injustos porque quando um português adquiri um quilo de peixe ou um litro de gasóleo ou gasolina paga o mesmo valor em euros em imposto seja rico ou pobre, o que agravou a injustiça fiscal”.
Eugénio Rosa acena ainda com as previsões que estão contempladas no atual Orçamento, em que está previsto que, entre 2023 e 2024, os impostos diretos (IRS e IRC) aumentem 14 milhões, enquanto os indiretos deverão subir 2734 milhões. “Mesmo a Tabela de IRS que consta da proposta não repõe a que existia antes do Governo PSD/CDS. Por exemplo, nos dois escalões mais baixos do IRS, as taxas eram, em 2011, antes de Passos Coelho fazer o enorme aumento de IRS, de 11,5% e 14%, e na atual proposta as taxas são 13,25% e 18%. Pode-se dizer com propriedade que o OE elaborado pelo atual Governo é um Orçamento que visa enganar os portugueses. E ainda por cima com o risco do previsto a nível de receitas de impostos estar intencionalmente subestimado, como aconteceu em 2023, em que o Estado vai arrecadar muitos mais milhões do que o previsto no OE inicial de 2023”, salienta.
Já em relação às despesas previstas Eugénio Rosa dá também cartão vermelho ao considerar que não responde às grandes necessidades nacionais. “Os portugueses sentem as consequências dramáticas nas suas vidas da profunda degradação da administração pública, nomeadamente ao nível do SNS, da escola pública e dos equipamentos públicos”. E recorda, por exemplo, que “o nível de remunerações dos funcionários públicos, que desde 2011 a sua remuneração base bruta perdeu já cerca de 11% do seu poder de compra – há categorias profissionais, como a dos médicos em que a perda é mais do dobro – e a proposta contida no OE é de um aumento de 52 euros para os menos qualificados e de apenas 3% para as categorias mais qualificadas”.
O responsável diz ainda que, em termos de despesa global, o aumento de despesas com pessoal previstas na proposta de OE é apenas de 6,1% pouco acima de inflação em 2023 (5,5%), o que no seu entender “não permite nem remunerar melhor os trabalhadores existentes, nem contratar trabalhadores qualificados, o que determina que a situação da administração Pública vá continuar a degradar-se ainda mais se não for aprovado um Orçamento retificativo que permita corrigir esta grave injustiça”.
Outra crítica diz respeito ao investimento público previsto para o próximo ano. “Na proposta de OE 2024 estão previstos em todas administrações públicas 9.197 milhões, o que corresponde a apenas a 3,3% do PIB previsto para 2024”. No entanto, diz que poderá estar em risco, tal como aconteceu em 2023. «De acordo com Direção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças dos 9.947 milhões de investimentos previstos para 2023, até setembro só foram executados financeiramente 4.415,5 milhões, ou seja, somente 44,4%», defendendo que o cenário ainda piora ao nível do SNS. “Dos 753,4 milhões previstos para 2023, até setembro só tinham sido executados 186,1 milhões, ou seja, 24,7%. Esta é uma das causas da profunda degradação do SNS onde falta, até camas e macas para receber doentes. Mas era de forma que Costa/Medina conseguiam saldos orçamentais positivos de que tanto se gabavam (a política de contas certas)”, conclui.