MP diz que autarca cedeu quando soube que ia perder apoio do PS

MP insiste que conduta de presidente da Câmara de Sines configura crime de corrupção: autarca acabou por ceder a pressões. ‘É um mercadejar do cargo’, diz fonte judicial.

A origem dos 75.800 euros em numerário encontrados no gabinete de Vítor Escária, no Palácio de S. Bento, vai continuar a ser investigada no processo Influencer, juntamente com os factos que aqui estão em causa, que configuram eventuais crimes de corrupção e tráfico de influências, entre outros. Segundo o Nascer do SOL apurou, durante o interrogatório perante o juiz de instrução, Escária afirmou que o dinheiro era relativo a pagamentos de trabalho enquanto professor e consultor em Angola, em data anterior à sua ida para o gabinete do PM (2020), e reconheceu que o dinheiro não foi declarado ao Fisco. As declarações do chefe de gabinete de António Costa, entretanto exonerado de funções, levantam, porém, algumas questões. Durante as buscas, a sua primeira reação foi dizer que o dinheiro não era seu. Depois, o valor (75.800 euros em notas, repartidas por envelopes escondidos em prateleiras de livros e numa caixa de vinho) indicia ser uma espécie de fundo de maneio ou ‘saco azul’ para despesas. Finalmente, as instituições e empresas em Angola pagam habitualmente na moeda nacional, o kwanza, uma moeda muito desvalorizada, sendo este, aliás, um dos problemas dos muitos portugueses que lá trabalham. A operação de buscas e detenções da Operação Influencer foi realizada no passado dia 7 de novembro e envolveu 150 agentes da PSP, uma dezena de elementos da Autoridade Tributária e 17 magistrados do Ministério Público – um dos quais foi o procurador Rosário Teixeira (que liderou a Operação Marquês e Furacão, entre outras investigações), a quem coube precisamente conduzir as buscas à casa e depois ao gabinete de Vítor Escária em S. Bento. Os cinco arguidos então detidos – além de Escária, Diogo Lacerda Machado (advogado e consultor da Start Campus), Afonso Salema (CEO da Start Campus, que entretanto renunciou), Rui Oliveira Neves (advogado e administrador da mesma empresa, que também renunciou) e Nuno Mascarenhas (presidente da Câmara de Sines). No final dos interrogatórios, o Ministério Público – representado neste processo pelos procuradores João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia, que coordenam a Operação Influencer – pediu ao juiz que colocasse em prisão preventiva Vítor Escária e Lacerda Machado e libertasse Rui Neves e Afonso Salema mediante prestação de caução (100 mil euros e 200 mil euros, respetivamente). Pedia ainda que a empresa Start Campus, também constituída arguida, prestasse uma caução de 19,5 milhões e que o presidente da Câmara de Sines fosse suspenso de funções. Estão em causa, alegaram os magistrados do MP, cerca de 30 crimes de prevaricação, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva (quanto a titular de cargo político) e recebimento indevido de vantagens (quanto a titular de cargo público). A decisão do juiz Nuno Dias Costa foi bem diferente das expectativas do MP: além de devolver à liberdade todos os arguidos, deu como «fortemente indiciada» apenas uma parte dos factos apresentados pelo MP – «a restante factualidade é conclusiva, vaga ou genérica, ou não integra a prática de crime», afirma no despacho. E, de tudo, considerou estar perante factos que configuram um crime tráfico de influência e outro de recebimento indevido de vantagem. Disse ainda que não existem indícios de qualquer crime por parte do presidente da Câmara de Sines, nem de prevaricação e corrupção relativamente aos outros arguidos. Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária estão, diz o juiz, «fortemente indiciados», em coautoria de um crime de tráfico de influência. O amigo do primeiro-ministro tem de entregar o passaporte e prestar uma caução de 150 mil euros, enquanto Escária tem de entregar o passaporte e fica proibido de ausentar-se de Portugal. Os restantes arguidos saíram, com Termo de Identidade e Residência, e a Start Campus terá de pagar uma caução de 600 mil euros. O MP já anunciou que vai recorrer desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa. Segundo o Nascer do SOL apurou, nesse recurso os procuradores deverão solicitar um aumento das cauções e pedir que os arguidos sejam obrigados a fazer apresentações periódicas às autoridades. O MP vai igualmente rebater que a conduta do autarca de Sines não configura um crime de corrupção: Nuno Mascarenhas acabou por ceder às pressões para beneficiar a Start Campus. Quando foi ameaçado de deixar de contar com o apoio do PS para se candidatar nas próximas autárquicas, concordou em dar tratamento preferencial e favorável a tudo o que a Start Campus quisesse licenciar no município. «Estamos perante um mercadejar de cargo», comenta uma fonte judicial.