Numa época em que as identidades das forças políticas moderadas são difíceis de definir, em que a polarização é uma realidade diária e em que os extremos tomam conta dos programas, do debate político e dos partidos polarizando eleitores, o 25 de Novembro é a data, o marco a que todos se agarram para definir de que lado estão. Por razões que as gerações mais novas dificilmente compreendem, o 25 de Novembro é cada vez mais uma data polémica. Em causa está essencialmente a sua relevância. Se para uns é a data em que de facto começou a Democracia, para outros é apenas um resquício do 25 de Abril e os restantes uma espécie de contrarevolução de direita que abortou a consolidação do comunismo em Portugal. Comemorar ou não o 25 de Novembro é, passados 48 anos, mais uma polémica que divide a classe política.
Um ano depois do 25 de Abril de 1974, Portugal estava à beira da guerra civil. A banca tinha sido nacionalizada, os campos e as herdades ocupadas, a reforma agrária em curso. A descolonização contava como o primeiro D cumprido da revolução de Abril. As colónias tinham sido entregues e o país dividia-se assustadoramente entre Norte e Sul, entre comunistas e simpatizantes e os não comunistas. De um lado contavam-se as espingardas da esquerda militar, dominada pela extrema-esquerda, o PCP de Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro, e pelo COPCON de Otelo Saraiva de Carvalho. Protagonistas do Processo Revolucionário em Curso (PREC). Do outro lado da barricada, os chamados moderados – ou seja, todos os outros – à cabeça Mário Soares, Salgado Zenha, Sá Carneiro e outros. Este ano e meio, entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, foi preenchido por golpes e instabilidade, ataques e perseguições. Sendo o ponto alto o 11 de Março de 1975 em que Vasco Gonçalves e o PCP tomarem conta das instituições do país. Nesse verão, a norte explodiam bombas nas sedes da extrema- esquerda e a sul e centro, sucediam-se as ocupações e nacionalizações. Foi o Verão Quente.
No dia 12 de novembro de 1975, uma manifestação organizada por trabalhadores da construção civil cercou São Bento durante dois dias e o Governo liderado por Pinheiro de Azevedo entrou em greve dia 20. Passados 5 dias, Vasco Lourenço, que pertencia ao grupo dos moderados, é declarado comandante da Região Militar de Lisboa (RML) pelo Conselho da Revolução (CR) em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho.
Os paraquedistas da Base Escola entraram, então, em ação em protesto contra a ameaça do chefe de Estado-Maior da Força Aérea, general Morais da Silva, de dissolver o regimento. E ocupam rapidamente várias bases aéreas, assim como o Estado-Maior da Força Aérea, do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS); as tropas da Escola Prática de Administração Militar (EPAM) ocupam os estúdios da RTP. Nas primeiras horas da manhã, os paraquedistas ocupam ainda o comando da 1.ª Região Aérea e prendem o seu comandante. É, então, dado o alerta à Presidência da República de que “o golpe está na rua”. E a guerra civil é um perigo eminente.
O grupo militar dos denominados ‘moderados’; do Movimento das Forças Armadas, onde se incluem o líder Melo Antunes e Vasco Lourenço, além de Ramalho Eanes, como coordenador operacional, e Jaime Neves, à frente dos Comandos da Amadora, preparavam há meses um plano militar para responder a um previsível golpe da esquerda radical. São recebidos em Belém por Costa Gomes, o qual querem convencer a apoiar o seu plano militar. O Presidente toma conta da situação e tenta acalmar os ânimos, retendo Otelo Saraiva Carvalho, que fica impedido de contactar o COPCON, e adiando as negociações. O perigo era que o PCP saísse à rua em apoio aos paraquedistas. É decretado o Estado de sítio a meio da tarde. O golpe é contido e os revoltosos vão perdendo posições. No dia 26, o CR dissolveu o COPCON e as prisões de dezenas de oficiais, assim como de membros da COPCON, sucedem-se.
Passados 48 anos, os consensos em torno desta sucessão de acontecimentos, que puseram fim ao PREC, são poucos: é consensual que as movimentações militares começaram com a saída dos paraquedistas e que estes não foram apenas motivados por uma reivindicação corporativa. Mas as dúvidas mantêm-se sobre quem deu de facto a ordem para os paraquedistas ocuparem as bases militares, qual o papel do PCP e de Otelo Saraiva de Carvalho, se houve de facto uma tentativa de golpe de estado e qual o comprometimento de Costa Gomes. As opiniões divergem e os protagonistas vão desaparecendo deixando para os historiadores o registo da nossa História mais recente.
Este ano, a discussão voltou aos corredores do poder: o 25 de Novembro deve ou não ser incluído nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril? Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa deu o pontapé de saída, anunciando que “este ano, para além da data histórica do 25 de Abril, festejaremos também com uma grande iniciativa o 25 de Novembro”. Mas a oposição levantou-se contra esta iniciativa e os vereadores do PCP, João Ferreira e Ana Jara, propuseram o chumbo “à intenção do Senhor Presidente da Câmara de Lisboa em comemorar o 25 de Novembro e a consequente tentativa de menorizar o 25 de Abril quando se assinalam 50 anos da Revolução”. PS, BE, Livre e Cidadãos por Lisboa concordaram com o PCP. Dizem os comunistas que a intenção de comemorar o 25 de Novembro “transparece acima de tudo um incómodo com Abril, com a liberdade, a democracia e o progresso social que Abril nos trouxe, usando o 25 de Novembro e as falsificações que, a partir de determinados setores, a seu propósito se tornaram correntes para encobrir aqueles que não perdoam que os militares de Abril e o povo português tenham posto fim ao fascismo”. Mas Carlos Moedas não cede e garante que irá manter os eventos assim como a homenagem aos dois militares que foram mortos nesse dia. “O 25 de Novembro é a nossa democracia, ou seja, a liberdade que ganhámos no 25 de Abril. A democracia em Portugal solidifica-se, mas isto não é contra o 25 de Abril. Estranho que a esquerda esteja a radicalizar-se e a esquerda moderada e centrista do Partido Socialista está a deixar levar-se pelos extremistas, a extrema-esquerda. Fico chocado que se tenha feito esta clivagem”, afirmou.
Na Assembleia da República, o tema foi levantado pela Iniciativa Liberal. Rui Rocha criticou Augusto Santos Silva por ter excluído a celebração do 25 de Novembro do programa oficial de comemorações no Parlamento do cinquentenário do 25 de Abril. Defendeu o líder dos liberais que comemorar o 25 de Novembro “é um imperativo moral”, e que a decisão do presidente da AR “revela um profundo desprezo pela história da consolidação da democracia em Portugal e constitui uma tremenda cobardia política, um deplorável oportunismo e uma enorme hipocrisia”. Augusto Santos Silva justificou, a propósito de uma pergunta do deputado social-democrata Hugo Oliveira, que “quando discutimos na comissão organizadora esta questão, que o fizemos, eu lembro-me muito bem de ter dito, ‘percebo que o consenso não é possível mas devo dizer que espero que o meu partido comemore o 25 de Novembro’”. E insistiu que o programa oficial do Parlamento resulta de um consenso entre todos os partidos: “Na comissão organizadora decidimos que seria assumido como programa as datas e os eventos que tivessem uma leitura consensual entre nós. Por isso, decidimos focarmo-nos na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, primeiras eleições livres, aprovação da Constituição e primeiras eleições para a Assembleia da República, Presidente da República, autonomias regionais e autárquicas”, justificou.
Joaquim Sarmento, no entanto, veio a público mostrar o seu desagrado por esta decisão: “Choca-nos que o senhor presidente da Assembleia da República não queira comemorar o 25 de Novembro, talvez com receio de irritar antigos parceiros de ‘geringonça’, mas essa decisão coube e fica exclusivamente na esfera do senhor presidente da Assembleia da República”.
IL, Chega e PSD, de um lado, PCP e PS, do outro. Para IL e Chega, a ideia é clara: o 25 de Novembro livrou Portugal de uma “ditadura de esquerda”, defende o Chega. Esta data deve ser considerada um marco “fundamental para a implementação e consolidação de um regime democrático em Portugal”, diz a IL.
Dando a palavra aos protagonistas, as opiniões mantêm-se divergentes. Segundo Vasco Lourenço, em declarações à TSF: “O 25 de Novembro foi essencial, mas como tinha sido essencial a vitória no 28 de Setembro e no 11 de Março para que o 25 de Abril se pudesse consumar e chegarmos à situação de podermos aprovar livremente no dia 2 de abril de 1976 a Constituição da República. Portanto, defendo que comemorar é o 25 de Abril. As outras datas todas foram importantes acontecimentos que devem ser invocados, não devem ser esquecidos, mas pergunto: porquê o 25 de Novembro apenas e não os outros”.
Já o major-general Carlos Chaves lembra ao i que “o 25 de Novembro, para um jovem alferes da Escola Prática de Infantaria de Mafra foi o dia em que voltei a respirar”.