A prostituição não é uma questão legal mas ética

A liberdade individual é ilimitada e absoluta e cada um faz com a sua vida e o seu corpo o que bem lhe apetece.

Defender ou recusar a legalização da prostituição estabelece uma diferença fundamental entre dois tipos de sociedade. A prostituição deve ser pensada do ponto de vista ético e moral, que é bem distinto do ponto de vista moralista. Nas sociedades em que a ética foi privatizada o único critério será legal e técnico.

Em 9 de Maio de 2023 ficámos a saber sobre o tema do proxenetismo, que lucrar com a prostituição não é crime, dizem juízes 4 dos 13 juízes do Tribunal Constitucional. Estes consideram que “a decisão de uma pessoa se prostituir pode constituir uma expressão plena da sua liberdade sexual”, sendo inconstitucional punir com cadeia quem lucra com a prostituição alheia praticada de livre vontade.

Em 2022 dizia um deputado e líder da juventude socialista sobre o transformar a prostituição numa profissão como outra qualquer: “Quem somos nós para menosprezar o livre arbítrio de quem possa escolher esta actividade profissional, ou para querer impor uma determinada visão moral da sexualidade sobre todos?”

Em ambas as posições está patente a relevância da escolha individual livre e do consentimento sobre qualquer outro valor. A liberdade individual é ilimitada e absoluta e cada um faz com a sua vida e o seu corpo o que bem lhe apetece. A legislação passará a integrar no conjunto dos direitos humanos o princípio de que o corpo humano e a sexualidade estão à venda de modo legal como uma mercadoria. O serviço é o corpo, mas um corpo é também a mente, e o significado complexo de um ser humano.

O dinheiro pode comprar aquela pessoa que num momento se oferece como produto.

Outro argumento socialista sobre a legalização do lenocínio (a prostituição não é considerada crime, o lenocínio sim) refere que se trata de uma área de actividade que existe e, na ilegalidade, é feita com menos segurança, enriquecendo uma economia paralela e fomentando a exploração. Este argumento assenta na falácia da falsa legitimação, transformando em condição necessária e suficiente para a legalização de algo a respectiva existência.

Refiro meia dúzia de objecções óbvias:

O corpo e o sexo não devem ser mercadorias, há dimensões humanas que não são comercializáveis. Estamos perante a operação liberal de transformar o que não é mercantilizável em produto mercantil. Nem tudo é mercado e nem tudo o dinheiro devia poder comprar. Quando se vende um bem que não é comercializável estamos a degradar esse bem. A ideia que a prostituição é um trabalho como outro qualquer é o ponto axial dessa divergência incompatível entre duas visões sobre o que é o ser humano e de sociedade.

Os impactos psicológicos e físicos na prostituição são devastadores e conhecidos, principalmente junto das pessoas que são vítimas da prostituição. Estas explicam-nos também que na maior parte das vezes a prostituição não resulta de uma escolha livre.

A sexualidade tem implicações no nosso desenvolvimento e estruturação psíquica. Algo muito diferente de realizar um trabalho. O nosso desenvolvimento sexual define também a nossa personalidade…O sexo não é apenas um acto mecânico e está revestido de um conjunto de significados muito mais amplos que o esforço intelectual ou físico na realização de uma tarefa. A sexualidade é indissociável da totalidade que é cada ser humano.

O trabalho deve contribuir não só para a subsistência da pessoa, remunerar de modo justo o esforço produzido, como também realizar e gratificar, respeitando a dignidade e os direitos de cada um. No trabalho de prostituição a pessoa é paga para fazer com um estranho o que não faria muitas vezes em circunstâncias normais, e em nenhum outro trabalho essa eventualidade é tão frequente. A prostituição é um dos graus mais baixos dessa concepção alienada de trabalho.

O corpo que é também a minha identidade é alienado como objecto a troco de dinheiro. O ser humano não é um bem transaccionável, pois o mesmo se poderia aplicar ao acto de vender parte do meu corpo por determinado tempo ou alugá-lo. E por esta lógica devo aceitar que alguém venda um braço, um órgão e até que que venda a sua intimidade e a privacidade, ainda que apenas por algum tempo.

Há uma diferença qualitativa entre uma pessoa e uma coisa. A Pessoa é um fim em si mesma e não um meio. Usar a pessoa como meio é uma despersonalização. Vender o corpo significa que este é uma mercadoria como outra qualquer. Ora, nós não temos apenas um corpo, somos um corpo.

Na visão liberal e socialista o traficante passa a ser um empresário (ou é o Estado que fica com o negócio?) e as máfias que vivem do sexo deixam de ser criminosas para se transformarem em indústrias lícitas do sexo. A actividade torna-se legal, mas não deixa de ser a legalização da degradação humana. Degradação no sentido que um grau inferior que não reconhecemos ao ser humano, a mercantilização do seu corpo, torna-se normalizado. O humano e/ou parte do humano é por tempo limitado transformado em “coisa”, portanto objectifica-se.

 O que triunfa sob essa ideia falsa de liberdade é a ideia que tudo é passível de ser vendido e comprado, o mundo humano não passa de um conjunto de mercadorias e actos comerciais e jurídicos. Ao transformarmos a venda e compra de sexo num trabalho lícito, estamos a dar mais um passo na assumpção que tudo tem um preço. Ora, há esferas da vida humana que não têm, ou não deviam ter, preço, ou seja estão para lá de qualquer preço.

Se eu considerar a identidade de um ser humano como um dos aspectos fundamentais que lhe confere dignidade, ou seja algo que está acima de qualquer quantificação de valor, não devo legitimar que se transaccione a dignidade.

O liberalismo progressista parece nunca passar de um entusiasmo superficial irresponsável e desse modo devastador porque nunca pensa nas consequências.