Falei há umas semanas, de raspão, do último livro de Luís Filipe Menezes, com o título de Homo Líder. Mas o livro merece um pouco mais de atenção. Não abunda a literatura mostrando os partidos por dentro, e quando surge é muitas vezes marcada pelo ressentimento, por ofensas recalcadas, por frustrações resultantes de fracassos.
Neste livro de Menezes nota-se também algum ressentimento sobretudo pelo modo como foi tratado – e desvalorizado – pela imprensa lisboeta. Mas aí tem razão. Há uma altivez despropositada da autoproclamada ‘elite’ da capital em relação às pessoas da ‘província’ e designadamente do Porto. Também Rui Rio foi vítima disso. Curiosamente, três dos políticos que marcaram mais a política portuguesa nos últimos 100 anos vieram da província: Salazar, Sá Carneiro e Cavaco Silva.
Menezes foi secretário de Estado, líder do PSD e presidente da Câmara de Gaia. E tinha uma qualidade indiscutível: era politicamente incorreto. Procurava desafiar as verdades estabelecidas, o establishment – e essa era a sua força e a sua fraqueza. Procuraram rotulá-lo de inculto e ele puxa dos galões. Antes de ser político tinha uma carreira. Era médico. Trabalhou em França. Tinha mundo.
Mas notando-se a mágoa de nunca ter sido aceite pela ‘elite’ lisboeta, Menezes procura ultrapassá-la e ser objetivo. Numa escrita ágil, que nunca é enfadonha, revolve as entranhas do partido e fala sem punhos de renda das suas principais figuras.
Lisboa conheceu-o no Congresso para a sucessão de Cavaco Silva, que opôs Fernando Nogueira e Durão Barroso. Nesse conclave, Menezes pronunciou uma famosa frase que seria glosada à saciedade, quando classificou os barrosistas de «elitistas, sulistas e liberais». Foi ridicularizado e saiu a chorar do Coliseu. Escreveu-se que a sua carreira política tinha acabado ali. Eu fui talvez o único colunista com alguma expressão que escreveu o contrário: que a sua carreira começava ali. E estava cheio de razão.
Falando das figuras do partido, percebe-se que não gosta de Cavaco Silva. Sublinha o seu egocentrismo, que não lhe permitia reconhecer o mérito dos outros. A propósito dos dossiês do Kosovo e do Estatuto dos Açores, escreve: «O presidente Cavaco Silva, na sua autobiografia, chamou a si a dinâmica milagrosa que tudo resolve, como se tivesse tido uma crise de amnésia política. O seu trajeto de obra e reformas estruturais profundas e positivas não necessitavam desses ‘trocos’».
Mas Menezes é sobretudo arrasador para dois políticos que saíram do ativo e passaram a comentadores: Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira. Trata-os com uma violência que raramente se vê. Chega a doer a forma como se lhes refere.
Sobre Manuela Ferreira Leite, que era sua vizinha nas Torres do Restelo, um pouco acima do estádio do Belenenses, quando Menezes viveu em Lisboa, diz: «Esse conhecimento recíproco acentuou-se ainda mais devido ao facto de ambos sermos membros do Conselho de secretários de Estado e estarmos reunidos durante muitas horas, todas as segundas-feiras à tarde. Durante dois anos.
Foi nessa altura, 1993, que baptizei o meu terceiro filho e entre os poucos colegas de Governo que convidei para a festinha do bebé estava naturalmente Manuela Ferreira Leite.
A vida afastou-nos, o que não é drama nem originalidade.
O que é sintomático e estruturante de algo feio e espúrio foi eu ter lido numa longa entrevista, após me ter substituído na liderança partidária, a seguinte frase: ‘Luís Filipe Menezes, conheço-o muito superficialmente, mas nunca tivemos qualquer tipo de intimidade’.
Não valia a pena ir por aí!».
Já sobre Pacheco Pereira, as considerações são bem mais violentas. «Conheço-o muito bem. Fui eu que lhe dei a mão quando ninguém lhe dirigia a palavra no grupo parlamentar da primeira maioria absoluta.
Conheço a história de ter ido primeiro bater à porta do PS após ter apoiado a primeira eleição presidencial de Mário Soares, mas também sei como a sua entrada foi prontamente bloqueada pela maioria soarista. Eles conheciam-no!
Entrou no PSD nas listas candidatas à AR na época da opção política do início do cavaquismo, tipo ‘albergue espanhol’. Esse Pacheco Pereira era um modesto professor de filosofia em princípio de carreira colocado no interior profundo, que por essa via já talvez tivesse chegado à aposentação numa escola do Grande Porto. Sem o PSD nunca teria atingido a expressão pública e os benefícios socioprofissionais e socioeconómicos de que hoje usufrui.
É um homem culto, inteligente, viajado, mas também ruim, mau carácter, vingativo, obcecado e, na minha opinião, por estar sempre de mal com o seu infinito ego, frustradíssimo e infeliz. Muito mais de pessoal poderia acrescentar sobre este homem maldoso e intelectualmente desonesto, mas prefiro não o fazer e peço a Deus que ele nunca mais tente obrigar-me a fazê-lo».
E com esta ameaça velada arruma o assunto.
Um livro que vale muito a pena ler.