Visão. Já se disse e escreveu muito acerca do tema ‘influencer’, que já é aliás mais do que um processo. Enfrentar e mudar certas coisas é muito diferente, e disso duvido muito, mas dizer e escrever tem sido a rodos, tendo até muita gente descoberto (só) agora temas que têm pelo menos 20 anos, e sobre os quais alguns (poucos) já tinham escrito e dito muito, mas quase sempre sem atenção ou crédito. Mas mais vale tarde do que nunca. E não vou acrescentar agora alguma coisa de especial, mas não resisto a uns apontamentos. O primeiro para relembrar uma passagem que vi na imputação feita aos arguidos, que, embora sendo um detalhe, é muito sintomática acerca da miopia (crónica) sobre certas coisas. Escreve-se no texto do MP – que circulou urbi et orbi – que uma das formas de atrair governantes para propósitos menos ortodoxos é levá-los ao restaurante, pagando por cabeça, por exemplo, cerca de 27 ou 33 euros, valores esses – e cito do texto – “não despiciendos”. Sobre isto, e na impossibilidade de colocar aqui um dos vários emojis que viriam a propósito, só me ocorre um sonoro LOL.
Audição. A Ordem dos Advogados, na segunda semana da tempestade ‘influencer’, resolveu aparecer por segundos para dizer que, afinal, não aparecia, numa espécie de efeito Luís de Matos: estou aqui, mas afinal não estou, vou já desaparecer como que por magia, e, entretanto, recomendo silêncio e respeitinho aos advogados enquanto assistem ao desfile de números e truques. Não fiquei nada surpreendido, não só porque já é costume a Ordem não aparecer quando há coisas importantes onde deveria ter um papel e uma palavra (e não é de agora, já leva muitos anos essa irrelevância a que se votou), mas também porque há muito que a Ordem sofre de surdez profunda sobre este tema da intervenção pública dos advogados, não tendo a mínima noção do que se passa à sua volta nem do que é o mundo comunicacional do século XXI e do que isso implica em certos processos. O que está bem, pois claro, é o artigo pré-histórico do Estatuto e a sua interpretação do tempo da outra senhora, que recomenda que se seja mudo enquanto no espaço público corre a vozearia e o tiro ao alvo – por meios que vão da simples inevitabilidade até à mais ou menos refinada canalhice.
Paladar. A hierarquia do Ministério Público não é uma questão de gosto. É uma questão de Constituição e de dicionário. Na Constituição diz assim: “Os agentes do Ministério Público são magistrados hierarquicamente subordinados”. E no dicionário hierarquia é definida assim: ‘Organização segundo vários graus de poder e subordinação’. Tão simples quanto isto, mesmo que arranhe certos paladares.
Olfato. Não estou nada convencido acerca dos vaticínios de que muita coisa vai mudar, seja na política, seja na justiça, seja na comunicação social, seja no modo como somos na nossa cidadania e na nossa convivência. As notícias sobre a morte de vícios que agora muitos, subitamente, parecem ver são, temo, de um exagero tão precipitado quanto conveniente. Cheira-me que – depois dos três dias que costumam durar circos, feiras e romarias – ficará tudo mais ou menos na mesma. E cheira-me isso porque, por um lado, já cá ando há cerca de trinta anos e, por outro lado, porque as causas das coisas só se mudariam se, para além das três partes do corpo humano que dão título a este meu escrito mensal (coração, cabeça e estômago), também se afinasse melhor aquela outra qualidade que o coloquialismo patriarcal e sexista costuma definir através de um significante grosseiro relativo à genitália masculina.
Tato. Como em tudo na vida, também nos processos é preciso ter tato. O sentido da medida, das proporções e, também, não menos importante, dos efeitos, não desprezando que o que fazemos pode ter efeitos, e muitos, nos outros (e em nós, claro). No fundo é uma questão de senso e de sensibilidade, duas virtudes tão essenciais quanto mal distribuídas. Mais a mais quando os efeitos vão para fora do processo, naqueles casos em que as coisas se colam duradouramente a uns ou a outros na esfera pública, sejam mais facto ou sejam mais lenda. Como escreveu Gonzalo Torrente Ballester, em A Saga/Fuga de J.B.: “Para quê analisar o que dizemos? Faz parte de uma lenda maior, que se apoderou da morte do Vate como um rio torna sua a merda que nele atiram”