Recorde-se que José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna do Governo de António Costa (e o autor do telefonema, em Julho de 2023, ao presidente do Conselho de Administração da RTP, para o admoestar pela exibição televisiva de um cartoon de Cristina Sampaio, supostamente ridicularizando a Polícia de Segurança Pública (PSP), o que foi visto como uma forma de pressão ilegítima e inaceitável), foi presidente da Câmara Municipal de Baião, entre 2005 e 2015, e, por isso, responsável máximo pela preservação do património local.
9. A Fundação Eça de Queiroz
Após a morte de Maria Eça de Queiroz de Castro, em 1970, Manuel Pedro Benedito de Castro e a mulher, Maria da Graça Salema de Castro, deram início ao processo de constituição da Fundação Eça de Queiroz.
Manuel Pedro herdara da mãe um terço da herança e o tio António, que não teve filhos, fê-lo herdeiro universal, o que lhe permitiu ficar com dois terços dos direitos de autor da obra do romancista (o solar e a quinta de Tormes eram seus exclusivamente, pois recebera-os da mãe, a filha do escritor).
A ideia, que surgira em conversa com Maria Eça de Castro, consistia na criação de uma instituição de utilidade pública sem fins lucrativos, com sede em Santa Cruz do Douro (Baião), dedicada à salvaguarda da memória cultural de Eça de Queiroz. Para esse efeito, o casal doaria os seus bens (incluindo o solar e a quinta de Tormes), bem como dois terços do espólio queirosiano, mais alguns pertences que tinham sido adquiridos, entretanto, à restante família do escritor.
Segundo as palavras de Maria da Graça, “desde que, em 1970, faleceu o último filho de Eça de Queiroz, a Sra. D. Maria Eça de Queiroz de Castro, os seus herdeiros, eu própria, Maria da Graça Salema de Castro, e o meu marido, Eng. Manuel Pedro Benedito de Castro, entretanto falecido, iniciamos o processo com vista à constituição da Fundação Eça de Queiroz. Pertencendo-nos 2/3 dos bens deixados por Eça de Queiroz, para além da Quinta e Casa de Vila Nova em Santa Cruz do Douro (TORMES), pensamos doar estes bens a uma fundação a instituir em vida, a qual teria, como principais objectivos, a continuação e o enquadramento institucional da divulgação e do estudo da obra de Eça de Queiroz, bem como o desenvolvimento de toda uma gama de iniciativas culturais, tanto de âmbito nacional, ou internacional, como de incidência mais estritamente regional”.
Como defendeu Alfredo Campos Matos, sem a acção e sem a doacção de Maria da Graça, “muito provavelmente não teríamos hoje nem casa, nem quinta, nem museu, nem arquivo, nem espólio” (Alfredo Campos Matos, Eça de Queiroz. Uma Biografia, p. 211).
Só muito mais tarde, quase 20 anos depois, já Manuel Benedito falecera (em 9 de Outubro de 1978), é que tal intenção começou a materializar-se. Em 23 de Julho de 1988, foi constituída, por escritura pública, a Associação de Amigos de Eça de Queiroz (que lançaria mais tarde, em Novembro de 1991, a revista Queirosiana. Estudos sobre Eça de Queirós e a sua Geração). O objectivo era criar condições para o aparecimento da Fundação Eça de Queiroz, o que aconteceu, efectivamente, em 9 de Setembro de 1990.
Instituída por iniciativa de Maria da Graça — que se tornaria sua presidente vitalícia —, com base na doação que a mesma fizera (a Quinta de Vila Nova, o solar e o recheiro deste, herdados do marido), e em conjunto com a Sociedade Anónima João Pires Vinhos, S.A., a Fundação Eça de Queiroz nasceu com uma razão de ser muito concreta: divulgar e promover, a nível nacional e internacional, a obra do romancista José Maria de Eça de Queiroz. De acordo com os estatutos, a Fundação seria composta por um Conselho de Administração, um Conselho Fiscal, um Conselho Cultural e um Conselho de Cofundadores.
Apesar de criada em 1990, a Fundação só entraria verdadeiramente em funções em 1997, após as obras de reabilitação realizadas no solar (hoje casa-museu) e respectiva adaptação aos serviços de uma instituição de utilidade pública administrativa. A inauguração, ocorrida em 25 de Novembro de 1997, contou com a presença Jorge Sampaio, o então Presidente da República, que visitou o cemitério de Santa Cruz do Douro e deixou, com honras de Estado, uma coroa de flores no túmulo do romancista.
Segundo o bisneto José Maria Eça de Queiroz, na entrevista que lhe fiz (Oeiras, 4 de Outubro de 2023), Maria da Graça Salema “gostava de decidir tudo sozinha. Nunca quis lá a família directa a decidir. No cerne da Fundação não queria a família, porque esta não se entendia. Os estatutos são complicados, porque o presidente é indicado, como em qualquer regime autocrático, pelo presidente cessante. Depois dessa indicação, vai a votos junto dos outros elementos da administração, os quais já tinham sido escolhidos pelo presidente cessante. Não é obrigatório que a presidência seja de um familiar. O ideal seria, até, que o presidente não fosse da família, como acontece na Fundação Gulbenkian. Se o Eça é da Nação, isso não se justifica. Entretanto, o meu primo Afonso Cabral começou a aparecer em Santa Cruz do Douro, numa altura em que a Maria da Graça já estava muito fragilizada. Quando ficou pior, puseram-na num lar [Centro Social de Santa Cruz do Douro]. Foi nessa altura que Afonso Cabral assumiu a presidência”.
Em 2015, continuando no Centro Social, Maria da Graça faleceu. Tinha 95 anos e foi sepultada no mesmo local onde se encontram os restos mortais de Eça de Queiroz, dos filhos e do seu marido, neto do romancista, Manuel Benedito de Castro.
Com a morte da fundadora, as desavenças familiares, que já vinham de trás, agudizaram-se, como se percebe por este texto publicado por António Eça de Queiroz, um dos bisnetos que está contra a trasladação, na sua página do Facebook, em 5 de Agosto de 2023:
“Abomino a ideia do aproveitamento político a que a Fundação Eça de Queiroz se sujeitou ao aceitar (e promover) a trasladação dos restos mortais de Eça para o chamado Panteão. E também é certo que imensos munícipes de Baião e a maioria dos habitantes da União de Freguesias de Santa Cruz do Douro e São Tomé de Covelas, que sempre se orgulharam da instituição FEQ, estão hoje danados com a arrogância do acto — cujas razões de fundo conheço bem, e logo com data prevista de modo a alindar a rentrée com pompas de Estado e palavreado a preceito.
Mas quem lá esteve na administração ainda as conhece melhor, e por isso deixo aqui um breve desabafo do meu cunhado Rodrigo Cortez Fragateiro, marido da minha irmã Maria Teresa, que assistiu à metamorfose da FEQ numa espécie de ‘morgadio’.”
De seguida, António Eça de Queiroz reproduz a opinião de Rodrigo Cortez Fragateiro:
“Tenho evitado comentar a estória da transladação dos restos mortais de Eça de Queiroz. No entanto, face a todo este empolgamento de medíocres que se querem empoleirar nas costas da memória de alguém que foi gigante, não posso continuar calado.
Numa altura em que a Fundação Eça de Queiroz atravessava uma gravíssima situação financeira, provocada pelo fim dos direitos de autor, a Senhora Dona Maria da Graça (tia Gracinha), pediu-me para assumir responsabilidades na administração da Fundação.
Aceitei consciente das dificuldades e problemas que lá ia encontrar, fi-lo por atenção aos meus filhos.
Quando lá cheguei, deparei com um discurso patético da parte da Fundação com apelos à ajuda das entidades públicas e privadas…, e o discurso era ‘Salvem o Eça’.
Por uma questão de bom senso e seriedade, disse à Senhora Dona Maria da Graça para acabar com esse disparate, porque o Eça não precisava da Fundação para nada, a Fundação é que precisava do Eça!!!…
Fiz o que pude, investi muito tempo, energia e algum dinheiro, para evitar o que para muitos parecia inevitável: a falência da Fundação Eça de Queiroz.
A solução apareceu, não graças ao meu esforço, mas sim à vitória eleitoral do dr. José Luiz Carneiro para presidente da Câmara Municipal de Baião.
Efectivamente, o dr. José Luiz Carneiro percebeu de imediato a importância do Eça para o Município de Baião e muito inteligentemente deu todo o seu apoio à Fundação.
Solução encontrada, aparece do nada um novo administrador: Afonso Cabral!
Tinha é verdade um grande ascendente na Senhora Dona Maria da Graça, e soube usá-lo.
Daí até à completa falta de respeito por todos os que nas horas difíceis lá tinham estado foi um momento, próprio de gente com este tipo de carácter.
Demiti-me da administração da Fundação Eça de Queiroz em plena reunião de administração e com corte de relações com o dito Afonso Cabral.
Soube posteriormente que a Senhora Dona Maria da Graça tinha sido retirada da casa da FEQ e hospedada num lar da terceira idade em Baião, e que o Afonso Reis Cabral, filho do Afonso Cabral, tinha sido nomeado novo administrador da FEQ.”
A terminar o seu texto no Facebook, António Eça de Queiroz informava que as referidas dificuldades financeiras se deviam ao facto de o Ministério da Cultura não ter cumprido com os apoios prometidos, e lembrava que, “mais ou menos na mesma altura, e por razões parecidas, abandonara a Fundação, também, o arquitecto Alfredo Campos Matos”.
Alfredo Campos Matos, falecido em 5 de Janeiro de 2023, com 94 anos, foi um dos mais destacados queirosianos. Depois da publicação, em 1976, do livro Imagens do Portugal Queirosiano, Campos Matos organizou, em 1988, o Dicionário de Eça de Queiroz (com segunda edição, muito aumentada, em 1993); transcreveu, anotou e organizou, em 1994, a edição da correspondência inédita de Emília para o marido, conservada na Fundação Eça de Queiroz, bem como as Cartas de Amor de Anna Conover e Mollie Bidwell para José Maria de Eça de Queiroz; trabalhou durante anos com a Fundação Eça de Queiroz, da qual foi membro do respectivo Conselho Cultural, tendo publicado, em 2000, A Casa de Tormes: Inventário de um Património e Viagem no Portugal de Eça de Queiroz: Roteiro, ambos encomendados pela Fundação Eça de Queiroz, na pessoa de Maria da Graça Salema.
Com a aproximação das comemorações do Centenário da Morte de Eça de Queiroz, que se realizaram no ano 2000, o Instituto Camões convidou Campos Matos para elaborar o guião da exposição itinerante Eça de Queiroz. Marcos Biográficos e Literários (1845-1900), de cujo catálogo também foi responsável (esta exposição, comissariada por Isabel Pires de Lima, foi inaugurada em Paris na Sorbonne), tendo ainda escrito o guião do filme em vídeo Eça de Queiroz, Realidade e Ficção.
São inúmeras as obras que Campos Matos dedicou ao autor d’Os Maias, entre as quais se destaca Eça de Queiroz. Fotobiografia (2007), com uma segunda edição, revista e aumentada, na editora Leya de São Paulo (Brasil), em Outubro de 2010.
Alfredo Campos Matos, investigador probo e rigoroso, que segundo a família era contra a trasladação, publicou em 2012 um opúsculo intitulado Um caso insensato da cultura nacional. Querela inútil mas inevitável com a administração da Fundação Eça de Queiroz em torno da exposição de Eça de Queiroz, em preparação no Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, e de outras questões.
Nessa monografia, Campos Matos acusava uma parte da família de Eça de Queiroz de pretender “apropriar-se, indevida e desastrosamente, do espólio e da memória do escritor”. Vamos por partes.
Em 2010, Alfredo Campos Matos foi convidado para fazer o guião da “Exposição Eça de Queiroz”, destinada ao Museu da Língua Portuguesa de S. Paulo”, e para dela participar como seu curador. Naquele mesmo espaço fizera-se antes, com assinalável êxito, exposições dedicadas a Machado de Assis, Guimarães Rosa e Fernando Pessoa, as quais tinham registado uma média de 15 mil visitantes por semana. Uma exposição consagrada a Eça de Queiroz, naquele museu, seria um acontecimento da maior importância cultural, desde logo para a perpetuação da memória do escritor, bem como para a promoção e divulgação da sua obra, em Portugal e no estrangeiro (artigo 4.º, número 1, alínea a), dos estatutos da Fundação Eça de Queiroz). Para quem não sabe, o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo estava situado na maior cidade de língua portuguesa do mundo (12 milhões de habitantes) e uma exposição como aquela levaria o nome de Eça de Queiroz a uma vasta área populacional, que incluía não apenas o Brasil, mas toda a América Latina.
Depois de aceitar o convite, Campos Matos fez uma ronda por diferentes instituições que possuíam objectos e documentos originais de Eça de Queiroz, com o objectivo de lhes solicitar que alguns desses pertences fossem temporariamente cedidos para a exposição. Entre as instituições contactadas estavam o Museu de Cerâmica das Caldas, o Museu Bordalo Pinheiro de Lisboa, o Museu Soares dos Reis, a Biblioteca Nacional, o Círculos Eça de Queiroz, a Biblioteca Municipal da Póvoa do Varzim e, claro está, a Fundação Eça de Queiroz.
Porém,
“para meu grande espanto só a Fundação Eça de Queiroz se mostrou inteiramente intransigente ao negar o empréstimo de qualquer objecto do espólio do escritor, o que igualmente surpreendeu a Comissária (Ivonne da Cunha Rego) e a representante da Expomus, empresa organizadora do evento. Tão grande como a negativa intransigente, não posso deixar de assinalar, foi o modo deselegante como me foram transmitidas essas negativas, por recados emitidos pela secretaria da Fundação Eça de Queiroz e não directamente pelo próprio Conselho, como impunha assunto de tamanha importância. Não dei resposta imediata a esta atitude.
Perante o dogmatismo intolerante e nada dialogante do referido Conselho, com a consciência de que esta perante um caso típico da cultura nacional, enormemente lesivo dos interesses culturais do país, entendi que só havia um caminho possível, o de denunciar publicamente o Conselho da Fundação Eça de Queiroz através de uma carta-aberta”.
Essa “Carta Aberta ao Conselho de Administração da Fundação Eça de Queiroz”, assinada na qualidade de membro do conselho cultural da FEQ, com data de 18 de Abril de 2012, era dirigida aos administradores Maria da Graça Salema de Castro (já muito debilitada, nos seus 92 anos de idade), Afonso Maria Eça de Queiroz Cabral, Armindo Abreu, Irene Fialho, José Amadeu Guedes de Faria, José Luís Carneiro, Maria da Glória Monteiro Magalhães Bernardo, Maria Eça de Queiroz e Rodrigo Maria Cortez Fragateiro.
Protestando contra o facto de o Conselho de Administração não ter disponibilizado quaisquer objectos pessoais de Eça para a exposição do Museu da Língua de São Paulo — uma exposição, sublinhe-se, que seria da maior importância para a expansão internacional do nome de Eça de Queiroz —, Campos Matos acusava os descendentes do romancista, em particular os que faziam parte do Conselho de Administração, de obstruírem deliberadamente, tal como no passado, “iniciativas de fundamentada razão, como se continuassem a ser detentores do seu espólio. Comprometem assim, frontalmente, a divulgação do património da Fundação Eça de Queiroz, que tem como um dos seus objectivos principais a conservação, valorização e divulgação desse património. Este espólio cultural único não pode ser fechado a sete chaves como se fosse propriedade privada da família. Deve ser estudado e dado a conhecer ao público que por ele se possa interessar. Só assim será valorizado”.
E citava um episódio, caricato, envolvendo a mesa em que Eça escrevia de pé. Apesar de coberta por um seguro elevado, o Conselho deu um “rotundo não à deslocação de qualquer objecto da casa de Tormes”. Entretanto, Isabel Pires de Lima sugeriu que se mandasse fazer uma cópia da mesa, com idêntica madeira, que seria depois devolvida a Portugal, para ser entregue à Fundação. Tudo a expensas da Exposição brasileira.
Segundo Campos Matos, “aconteceu então o impensável: foi-me transmitido, como de costume através da secretaria da FEQ, que isso não poderia ser, pois no Brasil seriam capazes de aproveitar a ocasião para fazer cópias da mesa célebre! Se o Eça fosse vivo teria dito que nem na Romélia seria possível um raciocínio mais extraordinário! Não é preciso ser arquitecto, desenhador ou marceneiro, para se saber que através das centenas de fotografias que circularam no Brasil desta mesa, e conhecendo-se apenas a distância que vai do chão ao plano mais baixo do tampo, se pode fazer dela um desenho perfeito e, por conseguinte, a sua reprodução exacta! Aliás, que mal fariam ao mundo tais cópias? (…) Posteriormente, alguém do Conselho (ignoro quem), mais sensatamente, lá concedeu que se fizesse a cópia”.
Por razões que desconheço, a Exposição acabaria por nunca se concretizar. De uma coisa podemos estar certos: o facto de a Fundação Eça de Queiroz ter privado a exposição da presença de alguns objectos-relíquia não terá ajudado, em nada, a sua realização. No final, e face à deselegância da resposta do Conselho de Administração da FEQ — que o acusava de “comprometimento” com a Expomus (a entidade organizadora da Exposição), “para além do que era legitimamente permitido”, e de encarar a Fundação como sua “coutada de caça privada” —, Alfredo Campos Matos demitiu-se do Conselho Cultural da Fundação. Conselho Cultural que, segundo o próprio, não existia na prática, já que, “nunca, ao longo do tempo, me foi pedida qualquer opinião, nunca tive oportunidade de me pronunciar sobre absolutamente nada acerca da vida cultural da FEQ. Como qualquer outro cidadão, limitei-me a participar, de quando em vez, na revista Queirosiana da Fundação”.
Os estatutos da Fundação Eça de Queiroz são muito claros: “Os fins da Fundação são culturais, educativos e artísticos e têm em vista perpetuar a memória do escritor José Maria Eça de Queiroz, colaborando na divulgação da sua obra e promovendo o estudo da mesma, em Portugal e no estrangeiro”.
Pelos vistos, nem sempre os administradores da Fundação Eça de Queiroz têm estado à altura de tais fins. Veja-se o episódio da reabilitação do solar da Quinta da Torre em Verdemilho, onde o escritor viveu parte da infância. Há muito em estado deplorável de ruína e abandono, a Casa Eça de Queiroz, como é conhecida na região, nunca mereceu da Fundação, que se saiba, qualquer atenção.
Nunca a Fundação parece ter exercido qualquer influência ou pressão no sentido de salvar o palacete, promovendo a sua requalificação. Por exemplo, estabelecendo contactos, junto do município de Aveiro, da administração central ou de parceiros privados, no sentido de ajudar a desbloquear a recuperação daquele imóvel, transformando-o num espaço dedicado ao estudo da vida e obra de Eça de Queiroz.
Isto apesar de a Associação de Defesa do Património da Região de Aveiro (ADERAV), a imprensa local e os abaixo-assinados promovidos por grupos de estudantes terem chamado a atenção para o estado de degradação da casa de Verdemilho; esto apesar de a Folha de S. Paulo, no Brasil, país onde a obra de Eça sempre foi especialmente acarinhada, ter publicado notícias sobre o caso, como esta de 16 de Março de 2000: “Cenário da obra de Eça de Queiroz pode virar ruínas”.
Jorge Campos Henriques, coleccionador e queirosiano, em “Eça de Queiroz e Aveiro: O Solar dos Queiroses. Um triste fim” (Revista de Portugal, n.º 15, Novembro de 2018), acusava a Câmara de Aveiro de nunca ter cumprido as promessas feitas e de ter permitido a destruição da casa, ficando apenas “uma descaraterizada fachada para memória futura e onde, de acordo com o divulgado será colocada uma ‘bolacha’ com a cara de Eça de Queiroz igual às duas já colocadas no que, pomposamente, se entendeu designar como ‘Memorial a Eça de Queiroz’”.
Muito crítico dos políticos, irritado com as suas mentiras e falsas, Campos Henriques resolveu doar o seu espólio de obras queirosianas a Vila do Conde, à casa onde viveu Antero de Quental, e o acervo documental sobre o Conselheiro Joaquim José de Queiroz, sobre a revolta liberal de 16 de Maio de 1828, bem como uma pequena biblioteca sobre o liberalismo, foram oferecidos à Ephemera, Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira.
10. Os bisnetos de Eça de Queirós
Enquanto estas coisas acontecem, a grande preocupação da Fundação Eça de Queiroz parece ser a trasladação dos ossos do escritor para Lisboa.
No dia 27 de Outubro de 2020, ano em que se assinalavam os 175 anos do nascimento e os 120 anos da morte de Eça de Queirós, Afonso Eça de Queiroz Cabral (designado, daqui em diante, “Afonso pai”), então presidente da Fundação — em substituição de Maria da Graça Salema, que faleceu em 2015, num lar de idosos, com 95 anos —, enviou um email aos “queridos irmãos e primos”, informando-os de que, um mês antes, o seu filho Afonso Reis Cabral (então membro do conselho de administração da Fundação, hoje seu presidente, a partir de agora denominado Afonso filho) apresentara a todos os administradores a ideia de promover a concessão de honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz. Tendo sido levada a reunião do conselho de administração, a proposta foi unanimemente aclamada, aprovada e ratificada, conforme consta na respectiva acta n.º 190. Mais informava que, havendo três sítios com o estatuto de Panteão Nacional — Igreja de Santa Engrácia, Mosteiro dos Jerónimos e Igreja de Santa Cruz —, a Fundação manifestava preferência pelo Mosteiro dos Jerónimos.
Era, pois, com regozijo que informava toda a família da decisão do conselho de administração da Fundação. Com isso, considerava ainda Afonso pai, cumpriam o principal objectivo estatutário daquela instituição: perpetuar a memória e a obra de Eça de Queiroz (alínea a), do n.º 1, do artigo 4.º).
A terminar, e porque não dispunha de todos os emails dos bisnetos (e dos filhos destes), pedia que lhes reencaminhassem aquela informação.
Perante o facto consumado — quase todos os familiares foram confrontados com a decisão quando a mesma já estava tomada —, alguns bisnetos sentiram-se destratados. Não só porque não tinham participado no processo, mas também porque desrespeitava “a ideia da Tia Maria e do Tio António Eça quando apresentaram o livro Eça de Queiroz entre os seus, com a colectânea das cartas trocadas com o seu pai”, e ainda porque a Fundação decidira unilateralmente sobre o destino a dar aos restos mortais de Eça de Queiroz. Segundo José Maria Eça de Queiroz, o decano do grupo dos bisnetos, uma coisa é o jazigo (o talhão e o túmulo), que são propriedade da Fundação, outra são as ossadas do escritor, que pertencem aos herdeiros.
Na mensagem enviada ao primo, José Maria lembrava que
“(…) aquando da transladação do Cemitério do Alto de S. João, o Dr. Mário Soares também o queria no Panteão e tanto a tua Mãe, a Tia Mariazinha e a Tia Gracinha opuseram-se terminantemente à ideia, e assim o nosso Eça foi parar a Baião, onde me parece estar muito bem. (…) Nota que esta minha posição nada tem de política a não ser a recusa completa de que um partido faça de Eça uma bandeira e a minha atitude seria exactamente a mesma, viesse a proposta de que lado viesse.
Por outro lado, acho que os restos mortais do Bisavô não fazem parte do espólio da Fundação e não me parece que ela possa dispor deles conforme quer, e se me certificar disso, Eça não sai de onde está nem que tenhamos de recorrer à justiça se for caso disso. Perpetuar a memória e a obra de Eça de Queiroz, por muita e mais enviesada interpretação que se possa fazer desta norma estatutária, que mais não é de que uma generalidade, não tem quaisquer condições de se compaginar com a manipulação dos restos mortais de Eça sem sequer ter consultado a família, ou honrar as vontades da geração anterior que na devida altura lutou para que os restos de Eça fossem para Santa Cruz, a pedra fundamental de A Cidade e as Serras…
Como sabes tenho estima pelo teu filho e admiração pela sua escrita. Ignorava que ele fazia parte da administração da Fundação, que já agora vou saber quem são. Se ele teve esta ideia, que tem todo o direito de ter tido, mandaria o menor decoro contactar com a família. (…)
Como sabes nunca me interessei muito pelo que se passa na Fundação — e, sejamos justos, nem a Fundação alguma vez se interessou por mim —, pelas suas finanças ou os seus problemas e espero do fundo coração que este assunto não se resuma a um trade off em que a Fundação, a meu ver abusivamente, utiliza pelo seu lado algo que não lhe pertence em troca de eventuais benefícios. Eça foi o nosso Bisavô, um dos mais importantes autores da nossa literatura e tem de ser honrado como tal, devendo ser evitada a todo o custo as suas mercantilização e aproveitamento.”
Apesar desta oposição, à qual se juntariam mais alguns bisnetos e alguns munícipes de Baião (em particular da população de Santa Cruz do Douro, que tão-pouco fora consultada), a Fundação propôs a um conjunto de deputados socialistas que os ossos do romancista fossem trasladados e que a ele fossem concedidas honras de Panteão Nacional.
Bem acolhida pelos parlamentares, a ideia ficou plasmada num projecto de resolução (800/XIV) da Assembleia da República, visando a “Concessão de Honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz”.
Subscrito por quatro deputados do PS — José Luís Carneiro (que durante anos pertenceu ao Conselho de Administração da Fundação Eça de Queiroz, facto que, por questões de ética, deveria tê-lo inibido de participar naquela proposta), Ana Catarina Mendes, Pedro Delgado Alves e Maria do Rosário Gamboa —, o mesmo seria apresentado no final de 2020. Até que, em 14 de Janeiro de 2021, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a resolução do PS.
De imediato, começaram os protestos. Junto ao cemitério de Santa Cruz do Douro foi pendurada uma faixa com a inscrição “Eça é da Nação, Santa Cruz do Douro é o seu Panteão”, e o jornal Baião Canal, em notícia de 19 de Janeiro de 2021, publicava a notícia “População de Santa Cruz do Douro-Baião, indignada com resolução apresentada pelo deputado socialista José Luís Carneiro”.
Para aquele jornal, era incompreensível que um filho da terra, como José Luís Carneiro (nascido em Baião, em 1971), tivesse sido um dos autores da proposta parlamentar de trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós.
Recorde-se que José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna do Governo de António Costa (e o autor do telefonema, em Julho de 2023, ao presidente do Conselho de Administração da RTP, para o admoestar pela exibição televisiva de um cartoon de Cristina Sampaio, supostamente ridicularizando a Polícia de Segurança Pública (PSP), o que foi visto como uma forma de pressão ilegítima e inaceitável), foi presidente da Câmara Municipal de Baião, entre 2005 e 2015, e, por isso, responsável máximo pela preservação do património local.
O passo seguinte seria a constituição de um grupo de trabalho com a incumbência de determinar a data da trasladação e o respectivo programa.
Pouco depois da votação na Assembleia de República, seis bisnetos de Eça de Queirós (José Maria Eça de Queirós, António Benedito Afonso Eça de Queirós, Maria Teresa Afonso Eça de Queirós, Isabel Maria Afonso Eça de Queirós, Francisco de Paula Queirós de Andrada, Ana Leonor Queirós de Andrada), criticaram energicamente a resolução dos deputados socialistas, defenderam a realização de um referendo na região (entre os munícipes de Baião e, em particular, de Santa Cruz do Douro) e encabeçaram o movimento “Eça deve permanecer em Tormes”.
Simultaneamente, enviaram uma carta ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, manifestando a sua “indignação e surpresa pela forma como foi promovida a execução da Resolução da Assembleia da República que autorizou a trasladação dos restos mortais do nosso bisavô Eça de Queiroz, do cemitério onde jaz, ao lado de sua filha, em Santa Cruz do Douro, Baião, para o Panteão Nacional, em Lisboa”.
Embora a forma como fora desencadeado o processo lhes merecesse a mais veemente oposição, não se opunham à homenagem nacional a Eça de Queiroz, no Panteão Nacional, desde que limitada à colocação de uma lápide, placa evocativa ou cenotáfio num túmulo sem corpo, como de resto acontecera, em Outubro de 2021, com Aristides de Sousa Mendes, cujos restos mortais permanecem no cemitério de Cabanas de Viriato, em Carregal do Sal (distrito de Viseu).
Os únicos descendentes vivos de Eça de Queiroz são os sucessores do seu filho homónimo, José Maria Eça de Queiroz. Os irmãos deste último não tiveram filhos, só Maria Eça de Queiroz, como vimos, é que teve um descendente, Manuel Pedro Benides de Castro, de cujo casamento, com Maria da Graça Salema, não resultou qualquer descendência.
José Maria Eça de Queiroz teve cinco filhos, netos do escritor.
1) José Maria Eça de Queiroz, casado com Maria Teresa Afonso dos Santos.
2) Manuel Eça de Queiroz, casado com a alemã Mariana Doll.
3) Matilde Eça de Queiroz de Andrada, casada com Joaquim Queiroz de Andrada.
4) Maria das Dores Eça de Queiroz de Mello, casada com António Martim de Melo, marquês de Ficalho.
5) Emília Maria Eça de Queiroz Cabral, casada com o Dr. José Pereira Cabral, prestigiado médico tisiologista (avô de Afonso Reis Cabral, o actual presidente da Fundação Eça de Queiroz).
Estes cinco netos de Eça de Queiroz tiveram a seguinte descendência:
1) José Maria Eça de Queiroz teve cinco filhos:
José Maria Eça de Queiroz
Carlos A. Eça de Queiroz (falecido)
Isabel M. Eça de Queiroz
Maria T. Eça de Queiroz
António B. Eça de Queiroz
2) Manuel Eça de Queiroz teve seis filhos:
Isabel Doll Eça de Queiroz
Matilde Doll Eça de Queiroz
Mariana D. Eça de Queiroz
José Maria Eça de Queiroz
Manuel D. Eça de Queiroz
Ana Doll Eça de Queiroz
3) Maria das Dores Eça de Queiroz teve três filhos:
Francisco de Mello (falecido)
Pedro José de Mello (falecido)
Matilde de Mello
4) Emília Maria Eça de Queiroz teve nove filhos:
Matilde Cabral
Maria Cabral
Afonso Cabral
José Maria Cabral (falecido)
Luís Cabral
Graça Cabral N. Almeida
Nuno Cabral
Manuel Maria Cabral
Margarida Cabral
5) Matilde Eça de Queiroz teve cinco filhos:
Manuel Queiroz de Andrada (falecido)
Teresa Queiroz de Andrada (falecida)
Francisco Queiroz de Andrada
Leonor Queiroz de Andrada
Isabel Queiroz de Andrada
No total, Eça de Queiroz tem 28 bisnetos, dos quais já faleceram seis. Vivos, portanto, estão 22 bisnetos. Destes, quatro não tomaram decisão pública relativamente à trasladação dos restos mortais do escritor, seis manifestaram-se contra e 12 estão a favor.
Em 28 de Janeiro de 2021, António Eça de Queirós, bisneto de Eça de Queirós e ex-jornalista do Expresso, disse ao Mais Semanário, de Vila do Conde: “Se precisam tanto de honrar o autor que esmagou os seus ‘antepassados’ profissionais, os políticos de hoje fariam uma obra de real valor ao colocar a magnífica escultura original de Teixeira Lopes de Eça e a ‘Verdade’, que se encontra agora num vaguíssimo e pouco visitado Museu da Cidade, no dito Panteão. Isso seria visitado! Agora os ossos? Estará algum político à espera da ressurreição prevista para o fim dos tempos? Tudo isto é folclore e Eça está muito bem onde está: entre os seus, em Santa Cruz do Douro”.
No ano seguinte, em Fevereiro de 2022, aproveitando o facto de se ter tornado num rosto mediático e de ter boa imprensa — o que ajudaria à causa da trasladação dos restos mortais de Eça para o Panteão: nada como um rosto jovem, com um ar desempoeirado e ligações privilegiadas às elites culturais de Lisboa, para fazer frente ao reaccionarismo dos seis bisnetos —, Afonso filho foi nomeado presidente da Fundação Eça de Queiroz, com os votos do respectivo conselho de administração, a que pertencia José Luís Carneiro, actual ministro da Administração Interna, no governo demissionário de António Costa, e candidato às próximas eleições internas no Partido Socialista.
Parte do mediatismo de Afonso filho deve-se, sem dúvida, ao facto de ter sido apresentado, quase sempre, como trineto de Eça de Queiroz. Ainda hoje, na revista Visão, onde é cronista, a primeira frase da sua nota biográfica é esta: “Escritor, nasceu em 1990 e é trineto de Eça de Queirós”.
À imprensa, depois de ter aceitado o cargo, Afonso filho disse “sentir um forte espírito de responsabilidade cultural, particularmente literária”, o que, segundo ele, contribuiria para que Tormes se tornasse “cada vez mais Tormes”, o que nos autoriza a perguntar: exumar os ossos de Eça de Queiroz do cemitério de Santa Cruz do Douro, levando-os para Lisboa, contribui para tornar Tormes cada vez mais Tormes?
A promoção de Afonso filho é apenas mais um episódio da parolice nacional, que acha que o talento (ou a aura) dos antepassados é herdado pelos descendentes. Em Portugal, olha-se para os apelidos como antes se olhava para os antigos títulos aristocráticos: herdar um apelido significa ganhar, por nascimento, uma posição social.
Trata-se da sobrevivência de formas de consagração feudais, quando os nobres reconheciam alguém como nobre por ser filho de nobre, neto de nobre, bisneto de nobre, trineto de nobre, e por aí fora. Como acontecia nos Estados dinásticos, nas sociedades democráticas subsistem alguns mecanismos de transmissão e reprodução do capital cultural e simbólico através da mediação da família.
A continuidade e a justificação de uma ordem social passa também pela permanente distinção, geração após geração, de certas árvores genealógicas. O seu poder de distinção funciona como um mecanismo de reprodução das elites, da sua dominação e do seu poder.
Como dizia Max Weber, a permanência de certas elites assenta numa “teodiceia” do seu próprio privilégio, a qual serve para que aqueles que têm sucesso acreditem que merecem esse sucesso, independentemente das suas origens sociais (captar a reprodução das elites, por via da manutenção dos apelidos, geração após geração, nas posições mais elevadas da sociedade, é um estudo que está por fazer e que merecia ser realizado).
Com a aproximação da data da cerimónia de trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz, a crise entre os familiares agudizou-se. Em Julho de 2023, os jornais noticiaram que os restos mortais do romancista seriam trasladados para o Panteão Nacional, na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, no dia 27 de Setembro de 2023.
No dia 27 de Julho de 2023, António Eça de Queiroz defendeu no Facebook, no texto “Nós, os Extemporâneos”, que “tudo isto não passa de farsa político-cultural, para encher o olho do povo, e, presumo eu, para pagar dívidas antigas ou esperar promessas vãs. (…) Para mim, que sempre soube das dificuldades financeiras da Fundação, das duas uma: ou houve promessa ou dívida, ou então o jovem presidente da FEQ entende que uma pompa e circunstância à século XIX assenta bem na personalidade visada – o que põe em causa os seus conhecimentos sobre o nosso ilustre antepassado comum. E é por isso lhe atribuí a alcunha de ‘Anti-Jacinto’ — quem não percebe porquê só tem de ler A Cidade e as Serras. Mas é evidente para mim que esta decisão foi sussurrada suavemente pelo político que mais partido tirará deste movimento tão serôdio — e que também foi presidente da Câmara Municipal de Baião [José Luís Carneiro]”.
No mesmo texto, António Eça de Queiroz lamentava-se pelo facto de “a nossa tia Maria da Graça Salema de Castro, fundadora e presidente vitalícia da FEQ, não ter deixado explícito que aquilo em que tanto se empenhou — levar os restos mortais do escritor para o Cemitério de Santa Cruz do Douro, no que contou com o total apoio das netas de Eça ainda vivas (entre elas a avó do actual presidente da Fundação) — era um assunto definitivo e uma obrigação da Fundação Eça de Queiroz em mantê-lo. Foi pena, mas aconteceu — e, como diria Hannah Arendt, qualquer maioria será sempre uma pequena tirania”.
Referindo-se à primeira tentativa de panteonização do bisavô, José Maria d’Eça de Queiroz, o mais velho dos bisnetos vivos, disse que “desde a primeira tentativa de pôr Eça no Panteão em 1989 — situação recusada liminarmente pelas netas e consequente trasladação para o cemitério de Santa Cruz do Douro — sempre achei que o assunto tinha ficado resolvido, mas pelos vistos, a ânsia de protagonismo, a vaidade e oportunismo não têm fim…” (comentário publicado no Facebook, na página de António Eça de Queiroz, ao texto “Nós, os Extemporâneos”, de 27 de Julho de 2023).
Em 24 de Setembro, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu a providência cautelar interposta pelos seis bisnetos contrários à trasladação. Nesse mesmo dia, Afonso filho disse: “Tenho pena que neste momento, perante uma festa à volta da literatura e da figura de Eça de Queiroz, em vez de se falar de Eça de Queiroz se fale de uns Eça de Queiroz. […] A única figura que deveria interessar era Eça de Queiroz e podermos ter um momento nacional de homenagem, de festa à volta da vida e obra de Eça de Queiroz. Neste momento não temos. Naturalmente lamento”.
Algumas semanas depois, o Supremo Tribunal Administrativo desconsiderou os argumentos da providência cautelar. Para aquele tribunal, mesmo se Eça de Queiroz tivesse deixado escrito sobre o local onde gostaria de ser sepultado, tal dado seria irrelevante. É isso que consta da resolução: “Tem-se por irrelevante, para a presente decisão, a suposta vontade do escritor (que, aliás, não se vê claramente manifestada) ou do público em geral, pois que essa ponderação é da competência exclusiva do Parlamento na sua deliberação sobre a concessão de honras de Panteão. Aqui, sim, estamos no domínio da opção política, e não do jurídico (único campo em que este tribunal se pode, competentemente, intrometer)”. Face a esta decisão, os bisnetos que se opõem à trasladação entregaram recurso naquele tribunal.