Nunca digas nunca

É por fraqueza que Luís Montenegro afasta a hipótese de um acordo com o Chega. Ele não se sentiu com força para tomar uma decisão tão polémica. Um líder forte pode dizer tudo, um líder fraco tem medo de tomar decisões controversas.

Um leitor colocava-me há dias a seguinte questão: “Um jornalista escreve hoje o seguinte: ‘Sempre que é questionado a propósito, e a despropósito, de eventuais entendimentos com o Chega, o líder do PSD deveria devolver a pergunta ao partido que já fez alianças com os comunistas de estirpes sortidas e se prepara para colocá-los diretamente no poder’. Outros jornalistas já disseram o mesmo anteriormente. E agora lá vai a minha dúvida: o PSD não perceber isto é só uma questão de estupidez ou há algum mistério insondável que só a história, a muito custo, conseguirá decifrar?”.

Eu próprio tenho escrito sobre este assunto e levantado a mesma dúvida.

Porque começa a ser óbvio para toda a gente que será quase impossível o PSD governar sem o apoio do Chega.

Portanto, ao dizer que não se coligará com o Chega, nem formará um Governo que dependa do apoio parlamentar do Chega, Montenegro condena-se na prática a não ser primeiro-ministro.

Ora, lutou pela liderança do PSD para quê?

Para ser eternamente oposição?

E vou mais longe: se ganhar as eleições, e a direita tiver mais votos do que a esquerda, vai renunciar ao poder e deixar que os socialistas voltem a ser Governo, com o apoio do BE e do PCP?

Montenegro recusar-se-á a governar com o apoio do Chega mas aceitará que o PS governe com o apoio da extrema-esquerda?

Isto faz algum sentido?

Claro que os socialistas estão radiantes.

Mas o que pensarão os sociais-democratas? 

Há uma razão política para Montenegro dizer o que diz: obrigar os potenciais votantes do Chega a votarem no PSD, considerando que o voto no Chega será um voto perdido. No fundo, trata-se de uma ‘chantagem’: “Se votares no Chega, vais continuar a ter os socialistas no Governo”.

A mensagem é óbvia.

Só tem um problema: não há uma ‘certeza absoluta’ de que vá funcionar. 

E até que ponto irá funcionar.

Por isso, Montenegro não deveria ter fechado definitivamente a porta ao Chega.

Poderia demarcar-se dele, fazer um apelo dramático ao voto útil – mas nunca assumir compromissos firmes em relação ao futuro. 

As coligações, os acordos, as negociações entre os partidos fazem-se à posteriori, depois de conhecidos os resultados eleitorais, não se fazem antes.

É isso que Montenegro devia ter dito. 

E mais: que, aconteça o que acontecer, haverá uma alternativa ao PS.

O líder do PSD tinha de dar uma esperança aos eleitores não socialistas. 

Ao ouvi-lo dizer que nunca se aliará ao Chega, eles partirão para a campanha eleitoral vencidos, considerando que será quase impossível a direita ser governo.

E a motivação, a galvanização será nula.

Mas o leitor fazia-me uma pergunta direta, que exige uma resposta direta: por que razão Luís Montenegro recusou à partida um acordo com o Chega? E a resposta é: por fraqueza.

Montenegro teve medo. 

Primeiro, do sobressalto que isso provocaria no interior do seu partido, onde muitos barões recusam alianças com André Ventura. 

Segundo, do aproveitamento que o PS faria do assunto, assustando o eleitorado. E aí veio à baila o que António Costa fez nas últimas legislativas, agitando o papão de uma aliança de Rio com Ventura – dizendo-se que foi isso que levou o PS à maioria absoluta.

Foram estes medos que assustaram Montenegro.

Ele não se sentiu com força para tomar essa decisão.

Um líder forte pode dizer tudo; um líder fraco tem medo de tomar decisões controversas. Recordo, a propósito, as eleições presidenciais de 1986, em que Mário Soares foi o candidato do PS, e o PSD esteve até muito tarde sem decidir quem apoiava.

Mota Pinto hesitou, Machete hesitou, até que Cavaco chegou à liderança e, no momento seguinte, proclamou: “O PSD apoia a candidatura de Freitas do Amaral”.

Outro líder que fizesse isto provocaria um terramoto.

Cavaco fê-lo – e isso contribuiu logo para a sua afirmação.

Viu-se quem mandava – e não tinha medo de mandar.

Montenegro, porém, não possui essa força.

E isso poderá ser-lhe fatal.

Depois das eleições, se a direita tiver mais deputados do que a esquerda, e o Chega for decisivo para essa maioria, Montenegro não forma governo porque se recusa a falar com Ventura? 

Um destes dias, ele tirou um coelho da cartola dizendo que, se o Chega votar ao lado da esquerda para derrotar um governo do PSD, assumirá essa responsabilidade. 

Só que Ventura devolveu-lhe a bola de imediato: “Se a direita ganhar as legislativas, e Montenegro se recusar a falar comigo sobre o futuro Executivo, o problema é dele”.

E, de facto, o problema será dele.

Manterá a recusa até ao fim, deixando passar um Governo do PS, ou atirará o país para novas eleições?

Ao recusar falar com o Chega, Montenegro meteu-se num beco sem saída