Esta semana veio a público mais um inquérito judicial a juntar ao já mais do que extenso rol dos que o ainda primeiro-ministro e líder do PS, António Costa, classificou como de ‘casos e casinhos’ envolvendo membros dos seus Governos. Agora, foi a vez de João Paulo Rebelo, ex-secretário de Estado do Desporto, ter sido ‘buscado’ por suspeitas da prática de crimes de participação económica em negócio, abuso de poder por titular de cargo público e usurpação de funções.
É mais um.
Durante demasiado tempo, António Costa foi desvalorizando ou procurando ignorar os tais ‘casos e casinhos’ que consubstanciam um padrão comportamental de membros dos seus Governos eticamente censurável e muitas vezes legalmente condenável .
Com a máxima ‘à Justiça o que é da Justiça, à Política o que é da Política’ agora mais do que estafada, António Costa, mesmo que tenha pretendido apenas defender-se – a si, aos seus e ao Partido Socialista – dos efeitos obviamente negativos dos sucessivos (e dos também históricos) escândalos, foi dando decisivo contributo para o ‘caldo de cultura’ instalado no partido e, como assim, na Administração Pública por ele controlada, de Norte a Sul do país.
Mesmo depois de ter-se assumido «envergonhado» e de ter pedido «desculpa» aos portugueses naquela sua célebre mensagem ao país a partir da Residência Oficial de S. Bento pelo dinheiro vivo encontrado em envelopes escondidos nas estantes entre livros e no interior de uma caixa de garrafas de vinho guardada na secretária do escritório do seu chefe de gabinete, António Costa continua a apregoar aos sete ventos que tem a “consciência tranquila” por nada ter feito de “ilícito” ou sequer “censurável”.
Mas, se assim é, por que razão sentiu vergonha? E por que pediu desculpa?
António Costa condenou José Sócrates quando, um dia, veio afirmar publicamente que fora enganado pelo antigo primeiro-ministro e líder socialista. Condenou-o. Sem apelo nem agravo.Agora, nos casos em que surgem envolvidos, além de outros membros do Governo, o seu próprio chefe de gabinete e o seu melhor amigo, pretende lavar as mãos com vergonha alheia e um pedido de desculpa sem qualquer problema de consciência?
Não pode!
Se lá diz o adágio popular ‘Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és’, não é admissível que quem assim se deixa enganar, quem incapaz de selecionar e escolher colaboradores de quem não se envergonhe ou por quem não tenha de desculpar-se, quem, por feitio ou por defeito, não veja ou ignore tudo o que se passa à sua volta, e principalmente dentro da sua própria casa, pretenda exercer ou manter-se em cargos com responsabilidades públicas, e muito menos ao mais alto nível.
Nem que se pudesse considerar, e tentar justificar, que só assim seria por ingenuidade – é demais, ultrapassa todos os limites da razoabilidade e compreensão.
Por isso, e por muito mais, foi no mínimo caricato vermos fazer caminho a tese lançada pela máquina de propaganda socialista segundo a qual, afinal e se mais cedo tivesse falado a procuradora-geral da República, talvez António Costa pudesse não ter apresentado a demissão ou o Presidente Marcelo pudesse não ter dissolvido a Assembleia da República e convocado eleições antecipadas que podem lançar o país num cenário de instabilidade e ingovernabilidade.
Para a demissão de António Costa e consequente dissolução da AR e convocação de eleições antecipadas serem inevitáveis bastava terem sido encontrados uns bons milhares de euros em dinheiro vivo escondidos na Residência Oficial de S. Bento. Mesmo se mais não houvesse, nem Costa nem Marcelo poderiam ter feito outra coisa.Acontece que há e não é pouco.E envolve várias pessoas das mais estreitas relações de confiança do primeiro-ministro.
Além de que, como disse a procuradora-geral da República, envolve também como suspeito o próprio chefe do Governo e líder socialista.
Ou seja, a procuradora-geral da República disse tudo o que podia dizer (como já o tinha feito o presidente do Supremo Tribunal de Justiça).
Se a comunicação, na forma e no conteúdo, podia ter sido mais imediata ou institucional, para o caso, nem é muito relevante.
Porque tudo o que poderia acrescentar só tem uma interpretação possível: seria, com toda a certeza, ainda pior.
Se assim não fosse, nem o Supremo Tribunal de Justiça teria aberto inquérito, nem haveria dezenas de escutas ao primeiro-ministro devidamente validadas por dois juízes-conselheiros presidentes do STJ.
Neste quadro, o facto de António Costa, ainda primeiro-ministro em funções, ter vindo também esta semana falar da importância da exploração do lítio em Portugal sem qualquer pejo nem contenção e como se não houvesse um inquérito judicial em curso envolvendo-o a ele e a membros do seu Governo precisamente sobre as decisões relativas à exploração daquele minério – e porque, mais uma vez, não é possível tanta ingenuidade – soa a desrespeito, desfaçatez e falta de vergonha.
Não, não é o lítio… é a lata!