A anomalia das festas de anos

As brincadeiras são atividades, os presentes são cartões e os bolos são obras de arte. Cada minuto vale ouro. E até os doces reclamam tempos de glória. É urgente salvar as crianças.

Têm hora marcada, tipo horário escolar. Existem mesmo festas de aniversário às 10 da manhã de um domingo que acabam ao meio-dia. São umas atrás das outras, num rodopio frenético ao ritmo de um dia de semana. Os miúdos têm direito a pulseira, como nas urgências hospitalares, para não se confundirem. Não vão eles passar a manhã com os amigos errados. Também têm direito a monitores, rapazes e raparigas que seguem um esquema predefinido, metódico, cronometrado, robótico. São duas horas de atividade, no máximo, e meia hora de lanche. Depois, é zarpar e limpar a sala para a fornalha seguinte. 

São festas temáticas: futebol, saltos em colchões ou trampolins, jogos dentro de bolas gigantes, laser-tag, paintball ou dança. Cada coisa tem o seu preço astronómico. É tudo pago à actividade, assim como a fruta é paga ao quilo. Não há jogos, gincanas ou o improviso que dantes ocupavam tardes inteiras da criançada que só voltavam para casa de rastos e em farrapos pela noite. Uma época não muito longínqua em que os dias de festa reclamavam aprumo na vestimenta e não equipamentos desportivos e meias antiderrapantes. 

12 a 20 euros por menino e, num contra-relógio intenso, as festas de aniversário são celebradas em boxes em vez de casas, em espaços em vez de jardins ou em recintos em vez da rua. Aqui não se misturam géneros ou sexos. São anti-woke, as novas festas. Se o menino gosta de futebol, as meninas não entram porque ali não se dança. Se a menina quer celebrar os anos a assistir a um filme de princesas, os meninos são excluídos porque garantidamente iriam sabotar o programa. Os trampolins são, por isso, o tema indiferenciado destas festas segregadoras: todos saltam.

Com bolo é mais caro e o bolo é invariavelmente temático. Um simples bolo de chocolate decorado com smarties não serve nem o chocolate tem a importância que tinha. Agora exibe-se uma escultura em forma de heróis, campos de futebol, castelos ou dinossauros. Obras de arte cobertas por uma camada de açúcar e corantes incomestível. Sobra sempre quase todo e volta para casa com um triângulo amputado sem honra nem glória ou direito a epílogo. O resto do lanche é minimalista porque as festa já não servem para as crianças se lambuzarem em guloseimas. Há escassez de gelatinas, salame, mousse de chocolate e bolinhos. Agora é pão, batatas fritas, cachorros e folhados. Só as gomas sobrevivem nesta era de fritos, como baratas depois dos cataclismos.

Um dos grandes problemas destas festas sem casa é a dificuldade em identificar os pais dos meninos dos anos, os anfitriões que venderam um rim para a pagar. Normalmente são os únicos adultos com aspeto atordoado rodeados por presentes em modo de bengaleiro. Presentes que são atirados para uma pilha de embrulhos à espera que alguém lhes dê importância. Mas o menino não dá porque tudo o quer já tem. E se não tem, como um telemóvel novo ou uns ténis que custam outro rim, não está naquele monte. E é assim que nos dias de hoje até os presentes vão deixando de o ser e foram arredados por notas timidamente disfarçadas em cartões que lhes roubaram o nome. E nós, todos os pais, vamos pagando pela normalidade dentro desta perfeita anormalidade.