A população da Europa está a envelhecer. Até 2030, a maioria dos países da União Europeia vai ver o número de trabalhadores com mais de 50 anos aumentar para 55% do total da força de trabalho. As estimativas são da Comissão Europeia e revelam ainda que Portugal, Grécia, Itália e Espanha estão entre os 10 principais países com a menor taxa de natalidade do mundo.
Mas a este grupo juntam-se muitos outros e até a China no início deste ano deparou-se com a queda da sua população pela primeira vez em 60 anos. No final do ano passado contava com 1411,75 mil milhões de pessoas, comparando com 1412,6 mil milhões em 2021. A queda de 850 mil pessoas marca, de acordo com os especialistas, o início de um declínio populacional no país, apesar dos esforços de Pequim para inverter a tendência.
Ao i, Jorge Malheiros, professor e investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG) da Universidade de Lisboa (UL) reconhece que os índices de fecundidade têm vindo a descer de forma generalizada em quase todo o mundo: “Com muito poucas exceções, o número de nascimentos em todos os países do mundo são muito poucos. Em 200 países devemos ter talvez uma dezena, no máximo uma centena, onde a fecundidade não diminuiu, fora aí, em todos outros lados diminuiu”.
E lembra que, até na África subsariana, onde ainda têm índices de fecundidade mais elevados – na ordem dos três nascimentos por mil, mas que já chegou a atingir os cinco e os seis – também está a cair. O mesmo cenário repete-se na África do Norte, com índices na ordem dos dois, como é o caso da Tunísia. “É verdade que numa parte da África subsariana ou no Médio Oriente ainda existem índices sintéticos de fecundidade altos, mas também esses estão a diminuir. Na Índia, onde eram altos, estão a diminuir. Na América do Sul e Central também diminuíram muitíssimo”, salienta.
O que leva a esta queda? De acordo com o responsável, uma das razões que contribui para esta redução está relacionado com a possibilidade de planificar. “Isso é fundamental e chega a todo o lado. O facto de se poder separar a sexualidade da reprodução sinalizou-se em todo o lado, mesmo nos países mais conservadores, como nos países islâmicos. Há formas de controlar a natalidade e há a utilização de contracetivos, em alguns casos mais, em outros menos. Há também a utilização de contracetivos masculinos”.
Uma situação que leva Jorge Malheiros a afirmar que a maioria da população em idade fértil sabe que pode controlar a fecundidade. “É claro que isso é mais evidente nuns casos do que em outros, mas quase todos sabem que o podem fazer e uma grande parte faz”.
Outra das razões, avança o professor universitário, é o modelo de sociedade que se foi generalizando. “Esta sociedade rápida existe aqui, mas também existe no Cairo, na Nigéria, nos países asiáticos e, portanto, as condições que levam à diminuição da fecundidade estão presentes em todo o lado. O que é que mitiga isto? As componentes culturais que nuns casos fazem com que seja mais rápido, noutros mais lento. Componentes que estão relacionadas com o grau de emancipação das mulheres. Sabe-se que a emancipação ao nível da instrução das mulheres está muito associada à sua capacidade de decidir efetivamente quando e quantos filhos querem ter. Estes elementos são mitigadores no processo”.
Portugal não escapa a esta tendência e segue o exemplo do problema que se verifica nos outros países. “Nas sociedades contemporâneas, o tipo de vida que as pessoas têm é mais fragmentado e mais veloz do que nas sociedades no passado”. E dá vários exemplos: “As pessoas têm mais mobilidade geográfica, têm mais mobilidade no emprego, os contratos são mais instáveis e é uma sociedade mais fragmentada nas relações. As relações hoje duram menos tempo. As pessoas casam mais vezes, mas divorciam-se mais vezes, têm outro tipo de relações e, portanto, uma sociedade que é, do ponto de vista de trabalho, do ponto de vista geográfico, do ponto de vista das relações afetivas é mais rápida, mais fragmentada. Ao existirem mais mudanças torna mais difícil esta ideia de ter muitos filhos”, acrescenta ao nosso jornal.
“Iremos chegar aos 10 ou 11 milhões” Numa altura em que se discute a crise demográfica na maioria dos países, também a questão do planeta ter atingido um novo marco significativo de habitantes de oito mil milhões fez soar alarmes, no que diz respeito à pressão sobre os recursos naturais. Mas Jorge Malheiros desvaloriza: “Creio que essa população ainda é sustentável para este planeta, mas com mudanças. Desde logo é preciso haver um maior equilíbrio ambiental, em que teremos de assistir a correções ao nível do modo como temos obrigatoriamente de reduzir as nossas emissões de gases poluentes, como o CO2, etc., de resíduos nocivos como os plásticos, com correções ao nível das práticas da agricultura e mudanças de práticas alimentares”, refere.
E as mudanças a empreender não ficam por aqui. O responsável reconhece ainda que será necessário “crescer um pouco mais devagar”, lembrando que isso não implica “necessariamente sacrificar a qualidade de vida, mas mudá-la um pouco”.
O investigador do Centro de Estudos Geográficos diz ainda que, mais grave do que o crescimento da população para o patamar dos 10 ou 11 mil milhões de habitantes é o aumento dos conflitos que vão aparecendo em alguns sítios.
Outro risco diz respeito ao maior envelhecimento da população. “Provavelmente daqui a 75 anos estaremos a falar de uma população que estará estável em termos de números, mas muito envelhecida”, referindo que esse é um problema com que as sociedades contemporâneas, na generalidade, já se começam a deparar. “Estes níveis de envelhecimento são muito mais significativos na Europa, mas também já são muitos significativos na China e começam a ser claramente preocupantes na América Latina e no continente americano, em geral”.
E questiona: “Como é que vamos viver com uma população tão envelhecida? Como é que vamos viver com uma população que tem uma figura de pirâmides demográficas, onde a percentagem de pessoas acima dos 60 anos e acima dos 80 tem valores muito elevados”.
Para Jorge Malheiros é preciso investir nos avanços em matéria de saúde, nomeadamente ao nível das doenças degenerativas. “Ainda não conseguimos fazer evoluir a esperança de vida com qualidade ao nível da esperança de vida global. Esse é outro esforço, assim como digo que é bom aproximar a fecundidade desejada da fecundidade efetiva também é preciso na medicina, mas depois também nos hábitos das pessoas e se calhar na própria revolução alimentar conseguir aproximar mais a esperança de vida das pessoas com a qualidade. Isto é, conseguimos aumentar muito a vida, mas como uma grande dependência”.