No passado dia 17 de Novembro escrevi aqui que se verificava uma série crise do regime, com a demissão do Primeiro-Ministro e a manipulação pelo Presidente da República do calendário eleitoral, adiando a demissão do Governo e a dissolução do Parlamento em ordem a realizar eleições apenas a 10 de Março.
Entretanto, verificou-se igualmente uma crise política nos Açores, sendo que aí o Presidente dissolveu imediatamente o Parlamento regional e conseguiu marcar as eleições regionais para 4 de Fevereiro, mais de um mês antes da marcação das eleições legislativas. A dissolução fez cair 57 diplomas que estavam pendentes no Parlamento Regional, como é imperativo constitucional, enquanto que o Parlamento nacional continua alegremente a aprovar diplomas, com base numa maioria absoluta de um partido, cujo líder se demitiu, e que já está em campanha eleitoral para escolha do novo líder.
Entre os diplomas que o Parlamento pretende aprovar estão os novos estatutos das Ordens Profissionais, que o PS pretendeu colocar sob o seu controlo político directo, o que lhe foi permitido pela habitual jurisprudência complacente do Tribunal Constitucional. Parte destes estatutos foi agora vetado pelo Presidente, mas o mesmo já admitiu que esse veto pode ser inconsequente, dado que os diplomas poderão ser facilmente reconfirmados pelo Parlamento antes da formalização da sua dissolução. Teremos assim neste período um Parlamento sem qualquer legitimidade política a jogar pingue-pongue com o Presidente sobre as Ordens Profissionais, em grave lesão dos profissionais inscritos nestas Ordens.
Como se isto não bastasse, o primeiro-ministro demissionário em lugar se remeter ao recato que a sua demissão justificaria, especialmente nas graves circunstâncias em que esta ocorreu, prefere disparar em todas as direcções, multiplicando-se em entrevistas e declarações. Primeiro ataca a Procuradora-Geral da República, queixando-se de que, se não fosse o parágrafo que esta escreveu no comunicado de dia 7 de Novembro, provavelmente não se demitiria, como se fosse possível qualquer Governo europeu manter-se em funções depois das revelações desse dia. Em seguida ataca o Presidente da República por não lhe ter permitido designar pessoalmente o Governador do Banco de Portugal como seu substituto nas funções de primeiro-ministro, quando este nem sequer é militante do PS, nem se vê que autoridade teria sobre a sua bancada parlamentar. E finalmente ataca os partidos da oposição, chamando a atenção para a crise política que se verificou nos Açores, quando o governo desta região autónoma durou muito mais do que o seu próprio governo de maioria absoluta. Como se isto não bastasse, o Governo vai tomar decisões de fundo neste período como o concurso para o novo TGV.
Não há maior descrédito das instituições do que manter artificialmente em funções um Parlamento e um Governo que já perderam toda a legitimidade política, mas que apesar disso acham que ainda podem tomar decisões que irão condicionar o país durante décadas. E o único responsável por esta situação insustentável é o Presidente da República.