Portugal: de amordaçado a atrapalhado

No ‘Portugal Amordaçado’, Mário Soares revela uma capacidade de ver ao longe, própria das mentes mais brilhantes.

As comemorações do centenário do nascimento de Mário Soares trazem memórias e pontos de análise muitíssimo interessantes ao acumulado de maus exemplos que a política portuguesa, cada vez mais degradada, necessita para refletir com seriedade sobre a atualidade. Inverter a tendência de deterioração em que se encontra constitui um dos maiores desafios que as gerações da atualidade enfrentam. Dentro do quadro constitucional vigente as condicionantes à mudança são de tal forma complexas que necessitam de um processo de análise e decisão inteligentemente ponderado.

O livro Portugal Amordaçado, por ele escrito, narra com propriedade algumas das maiores agruras que o regime fascista criou ao país, nomeadamente a insistência na guerra colonial, o conservadorismo e repressão no que ao comportamento social dizia respeito, a ditadura política e a ausência de liberdade de expressão. Muito por causa dessa mordaça, bem descrita e analisada por Mário Soares, o país perdeu tempo e atrasou-se muito.

Esse livro revelou também em Mário Soares um pensamento político coerente e uma capacidade de ver ao longe, própria das mentes mais brilhantes. Poucos anos após a escrita desse livro as capacidades e a lucidez política de Mário Soares foram fundamentais no caminho para a democracia e liberdade que as esquerdas radicais e comunistas tentaram impedir no pós 25 de Abril de 1974. Passados quase 50 anos, no meio de um acumulado de práticas próprias de abusadores irresponsáveis e desrespeitadores da nobreza dos cargos que ocupam, e nas vésperas de eleições, a sensação de um país atrapalhado e indefinido fica bem patente no desconhecimento de uma visão, ou de um pequeno texto de qualquer dos, à data da escrita deste artigo, potenciais futuros primeiros-ministros.

Não se conhece um livro, o capitulo de um livro ou um texto minimamente estruturado a Pedro Nuno Santos, tal como não se conhece a Luís Montenegro, tal como não se conhece a José Luís Carneiro. Conclusão simples: o próximo primeiro-ministro do governo de Portugal será uma personalidade sem estrutura de pensamento político, sem visão para o país e sem qualquer ideia estratégia. Uma tragédia a somar ao acumulado de más práticas que os partidos, hermeticamente fechados pelos grupos de profissionais da partidocracia, incapazes de resolver o quer que seja, foram ao longo do tempo construindo. Formados e treinados para conquistar poder, não fazem ideia do que com ele fazer para direcionar Portugal numa rota de desenvolvimento e qualidade de vida socioeconómica.

Precisamos de outras formas de fazer política, de pessoas com provas dadas fora desse ambiente hermético, de novas forças políticas abertas e meritocráticas com modos de atuar de acordo com as regras de transparência e meritocracia. Portugal assiste ao esgotamento de um modelo que se encarrega de demonstrar a sua incapacidade de transformar a sociedade portuguesa naquilo que, de algum modo, nós portugueses, gostaríamos que fosse.

A revolução inteligente que ficou por fazer beneficiará do aparecimento de políticos e forças políticas, moderadas na leitura da sociedade, e obcecadamente radicais no que diz respeito à concretização de obra. Ao fazer; Fazer Bem Feito. Tal como antes do 25 de Abril de 1974 havia necessidade de libertar Portugal da mordaça que o regime fascista tinha construído, também hoje é necessário libertarmos Portugal da hermeticidade que os partidos foram criando que tanto atrapalha e impede o desenvolvimento.