A má-fé de Afonso Reis Cabral

Se Afonso se tivesse dignado em responder-me, o meu artigo teria obviamente de incluir as suas respostas, de integrar os seus pontos de vista, as suas explicações.

É absolutamente extraordinário, para dizer o mínimo, que Afonso Reis Cabral venha afirmar que, na escrita do meu texto – «Os Ossos de Eça de Queiroz”–, eu deveria ter ouvido «as partes com interesses atendíveis», pois só assim «comprovaria os factos relatados», «distinguiria com clareza o facto da opinião», «não faria acusações sem provas» e, enfim, «combateria o sensacionalismo».

Lê-se e não se acredita. É que, logo na linha de baixo, Cabral reconhece que lhe enviei um conjunto de perguntas, a que chama «laudo inquisitório mascarado de perguntas». Não me respondeu, alega ele, por eu não ser jornalista e não lhe ter dito que estava a escrever para um jornal.

            Explique-se: não me respondeu por ser um «laudo inquisitório» ou por eu não ser jornalista? Se eu fosse jornalista, já me responderia?

            Mais: porque não se dignou sequer a dizer que não falava comigo? Porque nem sequer acusou a recepção do meu e-mail? Porque não me explicou as razões do seu silêncio?

            O que temos é o seguinte: através de um conhecimento comum, tentei chegar à fala, por várias vezes, com Afonso Reis Cabral. Propus falarmos por telefone. Recusou-se. Sugeriu, através desse conhecimento comum, que lhe escrevesse. Nesse sentido, e por sugestão do próprio, enviei-lhe um e-mail, no dia 5 de Outubro de 2023, às 10h02, com as perguntas abaixo. Do lado de lá, uma parede. Mutismo total.

            Agora, Cabral queixa-se de eu não ter ouvido «as partes com interesses atendíveis». Que interesses atendíveis? Os dele próprio, parece-me, já que desempenha as funções de presidente do conselho de administração da Fundação Eça de Queiroz.

            Escrevo há muitos anos em jornais, revistas, blogues. Tenho publicado alguns livros. Entrei em algumas polémicas, mais do que desejaria.

            Nunca vi uma coisa assim.

            Uma coisa é discordarmos (e nada do que Afonso diz abala minimamente o que escrevi). Outra coisa é má-fé.

            Quem nem sequer responde a um e-mail, não pode queixar-se de não ter sido ouvido. Ponto final.

            Segue a lista das perguntas, para verem se era o tal «laudo inquisitorial». Se Afonso se tivesse dignado em responder-me, o meu artigo teria obviamente de incluir as suas respostas, de integrar os seus pontos de vista, as suas explicações.

            Porquê?

            Porque podem acusar-me de muita coisa, mas jamais de má-fé. O mesmo não posso dizer de Afonso Reis Cabral, infelizmente.

            E-Mail enviado a Afonso Reis Cabral, no dia 5/10/2023, às 10h02

            Caro Afonso Reis Cabral,

            Estou a escrever um ensaio sobre a polémica em torno da trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz e, apesar da minha oposição à mesma, é meu objectivo, neste como em todos os meus trabalhos, produzir um texto o mais rigoroso e preciso possível.

            É neste sentido que lhe solicito, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Fundação Eça de Queiroz (FEQ), que, caso concorde, me esclareça sobre os seguintes pontos:

            1 – Foi sua a proposta original de conceder honras de Panteão ao escritor Eça de Queiroz? 

            2 – Quem detém a propriedade dos restos mortais (ossos) de Eça de Queiroz? (Refiro explicitamente os ossos e não o talhão, que sei pertencer à Fundação Eça de Queiroz.) 

            3 – Considera que a trasladação dos ossos de Eça de Queiroz se enquadra nos fins culturais, educativos e artísticos da FEQ?

            4 – Não considera que a trasladação dos ossos de Eça de Queiroz para Lisboa contraria o disposto na alínea e) do artigo 4.º, do Capítulo I dos Estatutos da Fundação Eça de Queiroz, segundo a qual a FEQ deve “Contribuir para o desenvolvimento cultural, agrícola, turístico e sócio-económico da região onde está instalada a sede, através da promoção de actividades culturais, agrícolas, turísticas, de recreio, de lazer e outras que se considerem importantes para a concretização do fim em vista”?

            5 – Por que razão considera fundamental a trasladação dos ossos de Eça? Dito de outro modo, considera que a colocação de uma lápide ou cenotáfio são insuficientes como forma de homenagear Eça de Queiroz?

            6 – Em 10 de Julho de 2023, o jazigo onde se encontram os restos mortais de Eça de Queiroz, no cemitério de Santa Cruz do Douro, foi aberto com o intuito de tomar conhecimento do seu estado. Antes disso, que medidas foram tomadas pela Fundação Eça de Queiroz no sentido de preservar, valorizar e dignificar o referido jazigo?

            7 – Por que razão a FEQ negou o empréstimo de quaisquer objectos do espólio de Eça de Queiroz para a “Exposição Eça de Queiroz”, que o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo pretendia organizar em 2012?

            8 – Que medidas tomou a FEQ no sentido de pressionar a Câmara Municipal de Aveiro, de modo a garantir a preservação, valorização e eventual qualificação, como património cultural de interesse público, do solar da Quinta da Torre, em Verdemilho, onde Eça de Queiroz passou alguns anos da sua infância?

            Na expectativa de que este pedido seja merecedor da sua melhor atenção e interesse, deixo-lhe antecipadamente os meus agradecimentos.

            Com os melhores cumprimentos,

            João Pedro George

            P.S. A resposta de Afonso Reis Cabral não põe em causa, uma vírgula que seja, do que escrevi. O mesmo se não dirá da resposta enviada pela directora da Biblioteca Nacional, Inês Cordeiro, que corrige, e com alguma razão, parte do que escrevi sobre a digitalização de livros antigos naquela Biblioteca. Não tenho qualquer pejo em reconhecer que me enganei, e em pedir desculpas a Inês Cordeiro e à instituição que dirige. Faço-o com a boa-fé, a transparência e a lealdade que faltaram ao presidente da Fundação Eça de Queiroz.

João Pedro George