Essequibo Uma disputa histórica de volta ao cenário internacional

Nicolás Maduro acaba de anunciar a anexação de território que pertence à Guiana desde 1880. Disputa antiga esteve caída no esquecimento até 2015, ano em que foi encontrado petróleo na ZEE da região.

A disputa pelo território que se estende desde a margem do rio Essequibo até à fronteira oficial da Guiana com a Venezuela é a mais antiga da América Latina: remonta ao século XVIII, mais precisamente a 1777, ainda na época das colónias europeias. Um assunto antigo caído no esquecimento internacional até 2015 – quando foi descoberta uma quantidade de petróleo equivalente a 11 mil milhões de barris na Zona Económica Exclusiva (ZEE) da região – e que volta ao palco da discussão após a decisão recente de Nicolás Maduro de anexar o território.

Contexto histórico

Desde a declaração de intenções do Presidente venezuelano com vista à anexação do território internacionalmente reconhecido como parte da Guiana, a questão tem sido alvo de vários tipos de análise, e com a polarização a dominar o cenário político contemporâneo, o contexto histórico é colocado à margem em alguns debates com o objetivo de fazer prevalecer uma narrativa, seja ela qual for.

Quando Espanha estabeleceu as fronteiras da sua colónia venezuelana, em 1777, a região do Essequibo era parte integrante do território então controlado pelos espanhóis e ficou na posse da Venezuela mesmo depois da independência, em 1811. Por sua vez, os britânicos, colonizadores da Guiana até 1966, estabeleceram fronteiras na região com base nas linhas definidas por Robert Schomburgk, um explorador britânico, em 1840, e incluíram o território do Essequibo. Porém, estas linhas redefiniram-se, alargando-se ainda mais para oeste, e tomaram a forma atual em 1880. Esta última definição foi confirmada por um tribunal internacional em 1899. Nas negociações que antecederam o julgamento internacional, os Estados Unidos, guiados pela doutrina Monroe, estavam do lado dos venezuelanos. No início da década de 60, a Venezuela recorreu à ONU após ser tornado público um relatório do advogado americano presente nas negociações, que confirmou a parcialidade dos juízes em favor dos britânicos.

Por fim, em 1966, o Reino Unido e a Venezuela comprometeram-se a chegar a uma resolução pacífica.

A estratégia de Maduro

O sucessor de Hugo Chávez pode estar a lançar a carta do Essequibo com uma dupla finalidade.

A primeira, e mais clara, é a de se apoderar de uma quantidade considerável de petróleo – maior do que as reservas de alguns países desenvolvidos –, ainda que, e apenas em termos quantitativos, o volume encontrado em 2015 seja irrisório quando comparado com a reserva petrolífera da Venezuela (cerca de 300 mil milhões de barris), um dos maiores produtores de petróleo a nível mundial. Porém, a qualidade importa e o caso do petróleo não é exceção. Enquanto o venezuelano requer um maior (e mais caro) processo de refinamento, o da região do Essequibo é de maior qualidade, o que implica menos custos.

A segunda, pode ser uma estratégia política. A saúde – tanto económica como democrática – de Caracas é frágil. Com este referendo, Maduro procurou a legitimidade, que acredita ter sido conferida por mais de 95% da população votante, e ainda um possível adiamento das eleições presidenciais previstas para 2024. Estas eleições foram uma moeda de troca num acordo com os Estados Unidos, que se comprometeu a aliviar sanções ao ouro e ao petróleo venezuelanos. A candidata da oposição, María Corina Machado, lidera as sondagens e uma invocação de agitação interna – provocada pela tentativa de anexação – poderia levar Maduro a adiar indefinidamente o sufrágio.

Ainda assim, uma invasão não é clara, já que potências como os Estados Unidos, China e Brasil reconhecem o status quo atual da fronteira. O Presidente brasileiro, Lula da Silva, já demonstrou disponibilidade para acolher as negociações de um conflito que, dependendo da sua evolução, pode alterar o quadro geopolítico da zona norte da América Latina – até ao momento direcionado para a América Central por motivos geográficos e topográficos – e até colocar um ponto final no chavismo, do qual Maduro é o principal pilar de sobrevivência.