No seu livro, podemos concluir que o atraso de Portugal começou no século XVIII, devido aos efeitos económicos e políticos do ouro do Brasil, que fez por exemplo com que se tivesse deixado de investir na indústria. Diz que Marquês de Pombal foi, talvez, o pior político de sempre do país. Não lhe reconhece nenhum mérito na recuperação de Lisboa, após o terramoto de 1755, por exemplo? Também há quem defenda que foi Marquês de Pombal quem quis modernizar a Universidade de Coimbra.
No livro explico que os efeitos diretos do terramoto de 1755 têm sido muito exagerados. Este foi, ao contrário do que muitas vezes se diz, pouco destrutivo para o país: mostro isso mesmo no livro com dados e estatísticas concretas. O número de habitantes de Lisboa que morreram ou deixaram a cidade correspondeu a pouco mais de 10%, e duas décadas e meia depois a capital voltaria a ter a mesma população. O rendimento nacional por pessoa nem reagiu ao terramoto. Grande parte da população do país vivia no centro e norte, que foram pouco afetados. Mas o terramoto ajudou Pombal a centralizar o poder político na sua pessoa, o que viria a ter consequências muito sérias para o país a prazo, pois o seu legado político foi desastroso. As reformas da Universidade de Coimbra são apenas um entre tantos outros exemplos de ideias que parecendo boas no papel nunca foram implementadas de forma eficaz. Explico e justifico porquê em detalhe no livro.
Está mesmo convencido de que Marquês de Pombal expulsou os jesuítas porque estes eram contra os seus interesses no Brasil? Diz também que ao destruir a rede de escolas jesuítas, Pombal condenou Portugal à ignorância.
No livro mostro que assim foi, apoiando-me sempre em estudos históricos e científicos, alguns dos quais recentes. Na primeira metade do século XVIII, Portugal ainda não estava atrasado a nível educativo, mas no final desse século já estava. Isso não pode surpreender, pois quase todas as escolas do país foram fechadas por Pombal, sem qualquer alternativa a ser posta no terreno em substituição do que foi destruído. Não é possível compreender porque é que Portugal entrou no século XX com 75% de analfabetos, ou porque é que o nível de capital humano, e em particular, de literacia financeira do nosso país é ainda hoje tão baixo, sem se conhecer este contexto.
Defende também que o ouro do Brasil só serviu para aumentar o consumo, não tendo servido para modernizar o país, acabando por concluir que funcionou como uma ‘Maldição dos Recursos’. Porquê?
O ouro do Brasil aumentou o consumo e a riqueza do país temporariamente, mas a prazo, condenou-nos a ser muito mais pobres do que teríamos sido. Explico em detalhe no livro que o ouro condenou a indústria portuguesa ao abandono, e distorceu as instituições políticas de forma muito negativa para o futuro do país.
Outra constatação polémica diz respeito à escravatura, pois defende que Portugal não beneficiou com a mesma. Se assim fosse, diz, Portugal e o Brasil seriam dos países mais ricos do mundo.
Por vezes ouvimos dizer que a riqueza de Portugal ou de outros países ocidentais foi conseguida graças à escravatura. Essa ideia é absurda. Algumas pessoas talvez confundam a riqueza ou rendimento de alguns mercadores, que beneficiavam desse comércio sinistro, com as de países no seu todo (e impérios). Frequentemente, este tipo de afirmações são feitas com o intuito óbvio de sujar o mais possível o Ocidente, associando ao seu enriquecimento a imoralidade desse comércio – cuja existência em África é de resto milenar, e portanto muito anterior ao contacto direto com europeus e ao comércio Atlântico iniciado partir de finais do século XV. Os ativistas querem usar a escravatura como arma de arremesso político para serem exigidas reparações (isto apesar da ajuda externa aos países pobres, que dura há décadas, não ter tido grades efeitos). O número de escravos que foram de África para o Brasil é esmagador relativamente ao número que foi para os Estados Unidos da América: a magnitude da diferença é de 10 para 1. Dos cerca de 8 milhões e meio de escravos levados de África para o continente americano, o Brasil recebeu 3.2 milhões, por comparação com os 300 mil recebidos pela América do Norte. Logo, não pode ter sido a escravatura que é responsável pelo sucesso económico de umas nações e o insucesso de outras. Pelo contrário, o meu trabalho com coautores como Leticia Arroyo Abad e Guilherme Lambais, que cito no livro, mostram que Portugal e o Brasil se tornaram mais pobres devido à escravatura – que foi de resto também importante para extrair o ouro do Brasil, que tanto prejudicou Portugal.
Como se percebe, entende que o declínio de Portugal começou duas décadas depois do Terramoto de 1755 e antes das guerras napoleónicas.
Todas as afirmações que faço no livro são baseadas em estudos científicos que cito, logo não se trata da minha opinião. Mostro, com base em dados e estatísticas, que efetivamente o declínio em termos absolutos e relativos começa cerca de duas décadas depois de 1755. Mas a informação que temos hoje, que discuto em detalhe no capítulo 6 do livro, mostra que as sementes do problema já vinham de trás, desde o início desse século.
Um dos indicadores que aponta diz respeito à altura dos portugueses. Foi em meados do século XIX que ficámos mais baixos? Diz que esse indicador está diretamente relacionado com a pobreza, e consequentemente com a baixa escolaridade.
Mostro no livro que foi no século XIX que a economia bateu no fundo, e que os portugueses passaram a ter uma estatura física claramente mais baixa do que os que os outros países da Europa.
Com a 1.ª República afirma que os vícios do passado se mantiveram, contribuindo ainda mais para o atraso de Portugal. Durante a 1.ª República muito se prometeu, mas pouco se fez. Até bem pelo contrário, segundo escreve. Como foi então possível no final, antes de 1926, as contas públicas estarem estabilizadas?
Um país com contas públicas estabilizadas pode ser um país sem quaisquer perspetivas de crescimento ou convergência. É isso que caracterizou a fase final da Primeira República. Compreender isto nos nossos dias é simples, já que também é a mesma situação que caracterizou os Governos de António Costa: contas certas, mas sem qualquer capacidade de implementar reformas que fizessem o país avançar, pelo contrário.
A tentativa de impor turmas mistas na primária foi um descalabro porque o mundo rural desconfiava das intenções dos Republicanos?
No livro cito estudos que mostram que este foi um fator importante que impediu as famílias de enviar os filhos para a escola.
Para si, os motivos do crescimento económico do Estado Novo devem-se às apostas na industrialização, na alfabetização das camadas mais jovens e na integração económica na Europa, através da EFTA.
Esses foram sem dúvida alguns dos fatores fundamentais.
Já explicou, várias vezes, que estes índices não justificam viver-se em ditadura. Apesar disso, tem sido muito atacado e há até quem o chame de fascista.
Essa acusação é absurda. O meu livro explica a instrumentalização que é frequentemente feita do termo fascismo, assim como as motivações por parte de quem o faz.
Depois do 25 de Abril, diz que Portugal só retomou os bons números na década de 90. Porquê?
Portugal parou de convergir por uma década a partir do 25 de Abril. Os motivos são evidentes: o PREC, a reforma agrária, as nacionalizações, as fugas de capital, a excessiva intervenção do Estado em certos setores da economia – nada disto foi um ambiente favorável ao crescimento económico, tendo sido necessárias intervenções do FMI em 1977 e 1983. A partir de meados dos anos 80, graças a reformas que então aconteceram, a convergência foi retomada. Mas foi outra vez travada a partir do final do século XX. Estamos atualmente a caminhar para nos tornarmos o país mais pobre da União Europeia.
Acredita mesmo que Portugal não é uma democracia plena?
No livro cito estudos internacionais que mostram isso mesmo. Note que no país existe um partido dominante, há décadas no poder, a não ser durante períodos curtos e excecionais. Para além disso, infelizmente, a censura em Portugal está viva e de boa saúde. Não é, evidentemente, a censura prévia do lápis azul como no Estado Novo. É antes uma censura do século XXI, menos violenta mas mais subtil: as pessoas sabem que as represálias para as suas carreiras profissionais existem, por isso autocensuram-se. Não é por acaso que são pessoas com empregos fora de Portugal quem mais frequentemente e com mais veemência criticam de forma independente a gravidade do que se passa no país. Muitas das críticas que aparecem nas redes sociais são feitas de forma anónima. Pedi a alguns académicos mediáticos de esquerda moderada, que trabalham em Portugal, com que normalmente eu me dava bem, um blurb para a contracapa do livro. Três recusaram-se, inventando desculpas. Compreendo os seus motivos, que não querem assumir: receiam a turba, gostam de manter a popularidade, ou pelo menos de manter a paz nas suas vidas pessoais. Ganham dinheiro ao escrever para os jornais e seria aborrecido perder essas benesses, ou ter chatices com colegas nas universidades em que trabalham. Vendem-se por pouco. Penso que é mais isso do que cegueira ideológica, porque deve ser evidente para qualquer pessoa que o meu livro trata de assuntos que estão acima das divisões políticas corriqueiras da espuma. Podiam ter mais coragem para enfrentar o tribalismo, mas enfim. No país que existe, quem está sente muitas vezes que precisa seguir a lógica dominante. Convém não ser incomodado. Em suma, as represálias existem nos nossos dias, e censura também, tendo poucos a integridade necessária para enfrentar as ‘verdades’ estabelecidas, por pouco ou nenhum fundamento científico que possam ter.
Não acredita que baixar os impostos possa ajudar o país a crescer?
A carga e esforço fiscal no país são altos, especialmente relativamente à qualidade da oferta dos serviços públicos, como saúde e educação, que se tem estado a degradar muito. Mas quem afirma que baixar os impostos iria gerar crescimento tem de explicar onde é que iria cortar na despesa, de forma legal e sem deteriorar ainda mais os serviços públicos. Não é credível que o investimento adicional compensasse a perda de receitas fiscais. O ênfase nos impostos pelos partidos de direita e pela IL pode valer votos mas não é uma proposta séria de reforma para o país. Sem criação de riqueza, não há Estado Social de qualidade para ninguém. Com criação de riqueza, podem baixar-se os impostos. É preciso não meter a carroça à frente dos bois. O essencial é discutir quais as reformas que possam criar riqueza.
A segunda grande polémica no livro, para nós, é quando diz que os fundos europeus são como o ouro que vinha do Brasil. Diz que só contribuem para o atraso do país? Porquê?
Mostro no livro que o atraso explica-se pelas más políticas públicas, passadas e presentes, que levam à baixa produtividade da economia. Mas essas más políticas públicas têm em si de ser explicadas. Temos políticos que fazem escolhas desastrosas, e míopes, viradas para o presente, que fogem como o diabo da cruz a reformas que a prazo desenvolveriam o país. Porque é que os eleitores não escolhem melhores políticos, que defendam um caminho diferente? Argumento no livro que não existe um problema cultural profundo: os portugueses não são mais preguiçosos por natureza do que os outros povos. Mas existe um contexto histórico que interage com causas contemporâneas que cria uma mistura de fatores particularmente tóxica. Um dos fatores contemporâneos mais importantes, na minha ótica, são os fundos Europeus. Distorcem a economia e o processo político. Em Portugal têm efeitos particularmente negativos, por comparação com alguns outros países. Primeiro porque Portugal foi o país que mais recebeu destes fundos em relação ao tamanho da sua economia. Segundo, porque em Portugal eles chegaram num contexto de instituições fracas, de capital humano particularmente baixo (por contraste com o que aconteceu a partir do início do século XXI na Europa do Leste), e com um ambiente cultural criado pela atmosfera do pós 25 de Abril, que tornou Portugal num país mais à esquerda e mais estatista do que os seus congéneres europeus. Esta explicação cultural não tem uma raiz histórica profunda, mas é simplesmente resultado da história da segunda metade do século XX, e em particular do ambiente sociocultural que a transição para a democracia causou, até por ter sido uma verdadeira revolução (ao contrário do que aconteceu em Espanha). Explico os detalhes no livro. Portugal não tem capital humano, nem instituições suficientemente fortes, para que seja possível uma aplicação eficiente dos fundos europeus. O melhor é acabarem.
Como será então o futuro? Admite que uma crise na Alemanha possa obrigar a UE a repensar a distribuição de fundos?
No livro considero alguns cenários, incluindo esse. Os fundos Europeus infantilizam o país. Portugal é um adulto de 40 anos a receber mesada da mãe Europa. Acabar com os fundos teria benefícios grandes para a população, mas principalmente a prazo, enquanto os custos estariam concentrados em quem deles hoje beneficia. Logo, estes últimos têm o incentivo a fazer muito barulho para manter tudo como está. É natural, ainda que míope e egoísta. A solução terá de vir de fora. Internamente, a única decisão responsável seria um pacto de regime em que os maiores partidos acordassem rejeitar mais fundos Europeus. Infelizmente, isso não parece provável. Aproveito para notar que outros países da Europa, incluindo vários países da Europa do Leste, receberam fundos europeus e convergiram, ainda que não seja por enquanto claro qual o efeito líquido dos fundos. Mas os fundos só por si não podem ser uma boa explicação para o atraso. Precisam de interagir com a natureza das instituições, mas também precisamos de compreender porque é que as instituições portuguesas são tão fracas, e não se reformam. O meu livro explica porquê.
Por que acha que não se aposta numa economia liberal?
A falta de vontade de mudar do país reflete algo mais profundo do que apenas maus políticos estarem no poder. O país é como um paciente que se queixa, mas que não muda o seu comportamento, exigindo políticas públicas diferentes. A oposição que podia ser alternativa também não apresenta reformas viáveis nem credíveis, até porque enquanto durarem os fundos europeus fazê-lo parece menos urgente do que é na realidade. No fim das contas, o paciente queixa-se mas está confortável e não quer aceitar a cura, nem sequer o facto óbvio de que está doente. A ignorância é atrevida, e um exército de ‘comentadores’ debitam disparates para influenciar a opinião pública. Tudo isso cairia como um castelo de cartas com o fim dos fundos.
Qual acha então que deve ser a fórmula para deixarmos de ser um dos países mais pobres da União Europeia?
O Estado em Portugal é disfuncional, fiscalmente regressivo, incapaz de apoiar a criação de riqueza privada, e pelo contrário, capturado por interesses privados. Não há reformas sérias, apenas promessas vazias, nunca mais acabando os exemplos das leis ou instituições sem aplicação efetiva, sendo exemplos a CRESAP, o MENAC, a lei de branqueamento de capitais, o código de conduta do governo, a Entidade para a Transparência, a verificação de declarações de interesses, … nunca mais acabam os exemplos de múltiplas entidades. As pessoas falam da corrupção mas é um termo vago. Professores ou polícias não são geralmente corruptos em Portugal, como acontece em muitas partes do globo e até partes da Europa do Leste. Já as altas esferas do Estado é outra conversa. Tudo isto é um resultado de causas que têm profundidade histórica, como explico no livro, e que interagem com causas contemporâneas de origem externa (nomeadamente os fundos europeus). É fácil apontar políticas alternativas que seriam melhores, e iriam certamente gerar crescimento e convergência, mas no equilíbrio que atualmente existe elas não são politicamente viáveis. A justiça, por exemplo, funciona muito mal como é do conhecimento geral, especialmente os tribunais administrativos e fiscais. Nuno Garoupa há anos que avisa quais as reformas necessárias, e é ignorado. O país está bloqueado. Não vejo saída credível para a encruzilhada em que o país se encontra.
Mesmo com 4,4 milhões de portugueses no limiar da pobreza não sente vontade de tentar fazer parte da solução?
Com poucas exceções, os governantes em Portugal não dignificam os cargos que ocupam. Eu sou um académico, mas de verdade – ao contrário de tantos políticos que apenas dizem ser académicos para esconder as suas ambições e a sua incompetência. Não tenho qualquer interesse numa carreira política. Prezo a minha liberdade e independência de dizer o que penso sobre os temas, não estando preso ao que qualquer partido quer que eu diga. Estou mais interessado em apresentar um diagnóstico sobre porque é que as coisas estão como estão do que em ter um papel ativo ou direto em mudar seja o que for – sendo eu de resto também pessimista relativamente à possibilidade de tal mudança acontecer nos próximos tempos. Portugal está a falhar, como economia e como democracia. Mas não é possível compreender o presente, nem planear o futuro, sem primeiro conhecer o nosso passado. Foi por isso que escrevi o livro As causas do atraso português. Os meus inimigos acusam-me de querer reescrever a História. Acham que isso é um insulto. Mas a realidade é que uso novos dados e métodos científicos que mostram que a interpretação tradicional é, em muitos aspetos, falsa. Logo, não me incomoda nada que digam que estou a reescrever a História. Estou de a fazer isso para contar a verdade, analisando a História com objetividade, livrando-a da propaganda. A primeira edição do livro foi felizmente um sucesso, tendo esgotado rapidamente apesar de uma tiragem grande, mas já está disponível a segunda edição. O livro vai ter uma sessão de lançamento na Livraria Buchholz, em Lisboa, no dia 8 de janeiro, às 18h30, com a minha presença.