A ‘nova’ AD

Quando vejo apelos a uma ida do CDS a eleições às costas do PSD, não posso deixar de recordar, aquela tragédia medieval agora levada à cena como comédia.

“A História repete-se sempre pelo menos duas vezes”, escreveu Hegel. E Marx acrescentou: “Uma vez como tragédia, e outra como comédia”. Vem isto a propósito de duas comédias em cena no nosso palco político: a do ‘vai não vai’ do CDS nas listas do PSD e a da ‘nova’ AD. Quanto à do ‘vai não vai’: João Afonso de Albuquerque, ‘o do ataúde’, nobre espanhol do século XIV, segue as partes de Henrique de Trastâmara na guerra pelo trono que opôs este ao Rei Pedro de Castela. Morre D. João, mandado envenenar por Pedro. Os partidários de Henrique juram que apenas sepultariam João Afonso após a vitória sobre Pedro. Batalha após batalha, os homens de Henrique transportam às costas o ataúde de João Afonso de Albuquerque.

Pois bem: Quando vejo, diariamente, apelos lancinantes a uma ida do CDS a eleições às costas do PSD, não posso deixar de recordar, sorrindo, aquela tragédia medieval agora levada à cena como comédia. E, depois, a ‘nova’ AD. Em tempos convulsos, Sá Carneiro, homem enérgico e político de riscos, decide reunir forças à direita para vencer a então omnipresente e omnipotente Esquerda. Desafia o CDS, ao tempo o terceiro partido e que reuniria perto de 20% dos votos, o PPM de Ribeiro Teles, partido ao tempo respeitado e respeitável, e um grupo de homens de Esquerda intelectualmente independentes. À direita, ninguém ficou de fora. Sá Carneiro encontrou em Amaro da Costa e, na sombra deste, em José Ribeiro e Castro, um apoio precioso para este projeto, terminado em tragédia. Assim nasceu a AD, hoje um dos mitos fundadores da Direita portuguesa. Esta tragédia, agora na sua versão comédia, sob o título A ‘Nova AD’, está também em palco. O argumento: Luís Montenegro, um político de Espinho, decide, também ele, reunir a ‘Direita’. Cogita uma aliança pré-eleitoral com o CDS e com o PPM e mais umas indeterminadas figuras avulsas. Mas o CDS de hoje valerá 1,5% e o PPM 0,00% (nas últimas eleições teve 260 votos). Um e outro ausentes do Parlamento.

O Chega (18% nas sondagens) fica de fora. Esta ‘AD’ é uma casca vazia com 50 anos, em que os nomes coincidem, mas a alma não está lá. Nem a alma, nem os números. Um barco a remos pomposamente batizado de Titanic. Como teatro de nonsense, imperdível. Após a vitória de Henrique de Trastâmara sobre Pedro de Castela, João de Albuquerque encontrou, finalmente, a paz da sepultura. Mas na versão comédia corre o risco de continuar a correr mundo no seu ataúde aos ombros da peonagem anti-Chega, insepulto até à eternidade.

Quanto à comédia da nova AD, essa dificilmente continuará em cena após o 10 de março. Agora, uma reflexão: Mas como é que dois partidos com a dimensão que o PSD e o CDS já tiveram chegaram a isto? Eu diria que por incapacidade de acompanhar o mundo fazendo política hoje como era feita há 50 anos. O CDS teve a sua chance de dar um salto para o futuro como o partido de direita de que a direita precisava. Isto no tempo de Manuel Monteiro, um homem que tinha as qualidades e a visão necessárias para dar um futuro ao CDS. Não o deixaram. E assim definhou, e depois desapareceu o CDS, soterrado nas ruínas do Caldas.

Quanto ao PSD, teve essa mesma oportunidade no tempo de Pedro Passos Coelho (PPC). Mas, minado pela ala social-democrata do partido, PPC afasta-se. E, com ele, afasta-se um futuro político para o PSD. O que era previsível na altura é, para todos, hoje evidente. Sic transit gloria mundi.