O peso das decisões

Quem antes garantia que o Sá Carneiro tinha valor negativo percebeu que as suas taxas ajudariam a construir o novo aeroporto de Lisboa.

O tema interessa-me há muito e eu abordo-o no meu livro TAP – A Caixa Negra. A localização do novo aeroporto de Lisboa reacendeu a querela sobre a privatização da ANA. Há quem responsabilize Passos Coelho por um modelo de exploração aeroportuária em que os privados têm lucro, esquecendo que a concessão foi entregue à ANA pública e que só depois a empresa foi privatizada a quem ofereceu o melhor preço.

Quando a troika exigiu privatizações que garantissem 5,5 mil milhões de euros, a venda da totalidade do capital da ANA contribuiu com 3 mil milhões para atingir essa fasquia. E o Estado receberá, por condição contratual, cerca de 4 mil milhões ao longo da concessão.

Não vale a pena recordar como o país chegou à situação de se ver forçado a alienar ativos. A narrativa negacionista faz escola. Mas, e desculpará Pedro Nuno Santos se eu lhe reavivo a memória, o modelo de privatização da ANA seguido por Passos Coelho não divergiu, em substância e conceito, do que os socialistas tinham proposto na era de José Sócrates.

E Luís Montenegro não se importará que eu lhe recorde que o PSD, que na era Sócrates tinha criticado a criação de um ‘monopólio privado’ – ou seja, a concessão de todos os aeroportos em conjunto –, logo esqueceu o passado, tendo optado, quando passou a governar, pelo que antes contestara. Lia-se a este propósito no Público, em 2012, que «é em ataques e retiradas como estas que se sustenta a dúvida sobre se os partidos do arco do poder têm algum pensamento estratégico sobre o país».

Foi Sócrates quem, há 15 anos, pensou em privatizar a ANA. Invocava-se, então, que só o aeroporto de Lisboa dava lucro. Como tal, a privatização só teria sucesso se englobasse em lote único todos os aeroportos. Ora, para o Norte, o ideal seria a privatização aeroporto a aeroporto, o que garantiria ao Sá Carneiro autonomia de gestão e capacidade de competir com a Portela.

Nessa altura, Sócrates veio ao Porto reunir com empresários, convidando-os a apresentarem uma proposta que justificasse o parcelamento da privatização. Foi com base nesse pressuposto que a Associação Comercial do Porto promoveu um estudo de viabilidade, que motivaria os privados, liderados por Belmiro de Azevedo, a garantirem que ‘iriam a jogo’ se o aeroporto do Porto fosse concessionado em separado.

Só que nesse curto espaço de tempo, Sócrates mudara de opinião. Quem antes lhe garantia que o Sá Carneiro tinha valor negativo percebeu que as suas taxas ajudariam a construir o novo aeroporto de Lisboa e a protegê-lo da concorrência. E assim se decidiu pelo modelo de concessão en bloc, maximizando o valor financeiro do ativo a privatizar e desvalorizando a questão estratégica.

Nem o PS nem o PSD se podem, pois, queixar do modelo e das suas consequências. E não admira que o acionista invoque os termos da concessão, que tem cumprido com competência e rigor na gestão e no plano de investimentos. Não lhe cabe decidir a localização mas é normal que exija que, se a escolha recair em Alcochete, o Estado garanta as infraestruturas e acessibilidades indispensáveis a essa opção.

Se alguém acredita que o hub terá 108 milhões de passageiros em 2050 (hoje Lisboa tem 32 e Madrid tem 64 milhões) e que um aeroporto a 50 km da capital é competitivo, então que o assuma. Não será à Comissão Técnica Independente que, um dia, se pedirá responsabilidades. E seremos todos nós a pagar o eventual erro de cálculo.