Marcelo Rebelo de Sousa tinha alguma alternativa à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas depois de António Costa ter apresentado a demissão na sequência da Operação Influencer e de terem sido encontrados milhares de euros escondidos no escritório do seu chefe de gabinete na Residência Oficial de S. Bento?
Não, não tinha.
António Costa, aceite a sua demissão, dissolvido o Parlamento e convocados os portugueses para nova ida às urnas a 10 de março próximo, ensaiou um discurso de vitimização e de ataque ao Ministério Público (na pessoa da procuradora-geral da República que ele próprio escolheu) e ao Presidente da República sem precedentes numa democracia quase a completar meio século.
Costa bem pode continuar a propagandear que se demitiu por causa do tal parágrafo aditado por iniciativa de Lucília Gago ao famoso comunicado da PGR a propósito da Operação Influencer e que dava conta da existência de um inquérito autónomo ao primeiro-ministro a correr termos no Supremo Tribunal de Justiça.
E a máquina de comunicação ao serviço do agora já ex-líder do PS também pode insistir nessa tecla, bem afinada pelo mesmo diapasão.
A ‘bolha mediática’, como usa dizer-se, pode igualmente ir a reboque e deixar-se condicionar.
Mas António Costa caiu porque a árvore já não tinha poda possível e tombou de podre, corrompida das raízes à copa e com o tronco todo carcomido.
Por isso, se alguma responsabilidade pode ser assacada ao Presidente da República, foi ter pactuado tempo demais com um Governo em degradação galopante.
Marcelo não tem mais responsabilidade alguma. E muito menos poderia aceitar – apesar da opinião em contrário de alguns dos seus conselheiros de Estado – a sugestão de António Costa para nomear Mário Centeno como primeiro-ministro, aproveitando a maioria socialista no Parlamento. Além da insanável contradição com a sua sempre afirmada posição de princípio – segundo a qual a maioria absoluta não era indissociável da pessoa do primeiro-ministro que a conquistara –, estaria a sancionar a violação da Constituição que jurou fazer cumprir, uma vez que o líder já demissionário não ouvira o seu próprio partido e, como assim, não tinha legitimidade para fazer qualquer proposta.
Por isso, Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de vir dizer que António Costa era o seu «líder preferido» para o PS, nem muito menos que tem «todas as condições para ser presidente do Conselho Europeu ou um bom candidato presidencial».
Porque, objetivamente, não tem.
Se Costa se demitiu por considerar não ter condições para o exercício do cargo, como pode julgar-se no direito de indicar quem poderia ser o seu sucessor?
E Marcelo, que lhe deu razão ao aceitar o seu pedido de demissão, como pode considerar agora que, afinal, Costa tem condições para ser um bom candidato presidencial, uma vez que isso só pode querer dizer que tem condições para poder ser Presidente da República?
As últimas intervenções públicas de António Costa – assestando baterias contra a PGRe Belém – revelam que Costa, afinal e apesar do que diz, ou se arrependeu de ter apresentado a demissão ou aproveitou o momento para se livrar de um fardo que já era incapaz de continuar a carregar.
A leveza e o ar até divertido com que promete andar na campanha e com que diz que o próximo Governo vai ter de cumprir os compromissos assumidos pelo atual em sede de PRRe outras matérias são próprios de quem não tem arrependimento de nada – nem das pessoas que escolheu e que o obrigaram a pedir desculpa aos portugueses (e por que pediu desculpa, afinal?) –, a não ser de ter pedido a demissão (ou mesmo nem isso).
E os ataques da sua máquina de comunicação ao Presidente Marcelo, quer procurando imputar-lhe toda a culpa pela crise política e de governabilidade que pode resultar das próximas legislativas, quer tentando atacar a sua reputação e honorabilidade com o caso das gémeas, são parte de uma vingança irresistível, na tentativa de conservação do poder pelo partido e da própria sobrevivência política pessoal.
Não será por divino acaso que o processo das gémeas surge quatro anos volvidos sobre os factos. Como não será por acaso que se menospreza a salvação das vidas das duas crianças luso-brasileiras. Se nenhuma criança portuguesa saiu prejudicada, que bem empregues foram aqueles quatro milhões de euros, como disse D. José Ornelas e logo lhe caiu tudo em cima, qual herege defensor de tratamentos de favor.
E pela forma como tanta gente se escandaliza com uma ‘cunha’ até parece que vivemos num país decente.
Infelizmente, não.
Vivemos, sim, no país onde um ex-primeiro-ministro, à porta de um tribunal onde está a ser julgado um antigo ministro, lamenta que «pela primeira vez um primeiro-ministro se demitiu por indecente e má figura».
E em que o visado responde que é «azedume».
Não é fácil viver e muito menos ser Presidente num país assim.
Por isso, um Santo Natal, Presidente Marcelo!
Festas Felizes!