Portugal paga 34 milhões para novo museu em Angola

Verba destina-se à construção de um museu dedicado à Luta pela Libertação Nacional de Angola. A obra começou por ser assumida por Angola, passou a ter Portugal como fiador e acaba paga pelo Estado português.

O processo começou como uma obra do Governo angolano a ser executada por uma empresa portuguesa; depois, passou a contar com o Governo português como garante do financiamento bancário no âmbito do apoio às exportações; finalmente, acaba como um financiamento integral de Portugal, que transferiu de forma criativa a verba de 34 milhões para o orçamento de Angola para custear a totalidade da empreitada. O novo argumento são as comemorações do cinquentenário do 25 de abril.

Tudo começou em 2017. Ano em que o auto de consignação da obra foi assinado entre  o Governo angolano e a empresa de construção Mota-Engil para a reabilitação da Fortaleza de São Francisco do Penedo de Luanda, construída em 1785 e classificada como Património Cultural Nacional de Angola. A previsão era de que a obra demorasse 18 meses e que a fortaleza seria transformada num museu ‘atrativo’, garantia há 6 anos a ministra da Cultura angolana. Dizia a governante que esta obra representava “um grande significado histórico e simbólico” e era “uma homenagem aos antigos combatentes da pátria pela luta heroica travada com o colonialismo opressor”. 

Os anos passaram e, em 2019, através de um despacho presidencial, é autorizada à empresa MOTA ENGIL – Engenharia e Construção África, S.A, a “execução do Contrato de Empreitada para o Restauro e Apetrechamento da Fortaleza de São Francisco do Penedo, localizado na Província de Luanda”. 

E é já em 2023 que o Governo português entra na história. Invocando a Convenção Portugal- Angola na parte “relativa à cobertura de riscos de créditos à exportação de bens e serviços de origem portuguesa para a República de Angola” e o facto de a obra ter sido adjudicada a uma empresa portuguesa, é publicado um despacho datado de maio e assinado pelos ministros da Economia e das Finanças: o despacho autoriza a “concessão da garantia pessoal do Estado português ao financiamento da operação de execução do Projeto de Restauro e Apetrechamento da Fortaleza”. O valor total era de 33 414 396,94. Lê-se neste despacho que a garantia do Estado português inseria-se “no âmbito dos instrumentos de apoio oficial aos créditos à exportação para assegurar os riscos de crédito inerentes à exportação de bens e serviços de origem portuguesa e de apoio à internacionalização do tecido empresarial português”. Formalizando-se, assim, a “concessão da garantia pessoal do Estado, às obrigações a contratar pela República de Angola, junto do Sindicato bancário constituído pelo Banco Atlântico Europa, S. A., Banco BAI Europa, S. A., Banco Comercial Português, S. A., no valor global de EUR 31 869 655,97”. Foi estabelecida uma comissão de cerca de 3 milhões e 500 mil euros. 

Passado um mês, António Costa, durante uma visita oficial a Angola, discursa no alto da própria Fortaleza de São Francisco do Penedo e declara: “É com muito orgulho e com grande sentido de História que o Estado português se associa ao Estado angolano na reabilitação desta Fortaleza do Penedo e na construção do Museu da Luta pela Libertação nacional de Angola”. Enfatizando que “é para nós uma enorme honra e privilégio podermos estar aqui lado-a-lado com os nossos irmãos angolanos, a contribuir para este Museu da Luta de Libertação nacional, que é também uma parte da nossa luta pela liberdade e pela democracia”.

O que o primeiro-ministro se esqueceu de anunciar nesse discurso é que no encontro com o Governo angolano já se tinha comprometido a dar o apoio direto e financiamento integral da obra. Os meses passaram e há duas semanas foi assinado um memorando de entendimento entre os Governos português e angolano formalizando esse apoio. Portugal deixava assim de servir de garantia ao financiamento para passar a financiar a requalificação do monumento histórico. O argumento também já não era o apoio à exportação ou às empresas portuguesas, mas sim as comemorações dos 50 anos do 25 de abril. 

No passado dia 23 de novembro é então aprovada a resolução do Conselho de Ministros que explicita esta despesa, o seu fundamento e um novo montante. “No contexto das comemorações do cinquentenário da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Estado português associa-se ao Estado angolano na reabilitação da Fortaleza de São Francisco do Penedo, em Luanda, com vista à construção, naquele espaço, do Museu da Luta pela Libertação Nacional de Angola”. E explica: trata-se de um edifício com forte carga simbólica, uma vez que aí estiveram encarcerados, durante a ditadura do Estado Novo, presos políticos e de consciência. O compromisso assim assumido pela República Portuguesa com a República de Angola é uma forma de lembrar que a libertação do povo português e a libertação das antigas colónias são acontecimentos ligados por um nexo causal. Há ainda outro fundamento: “A reabilitação da Fortaleza de São Francisco do Penedo insere-se além disso numa política de preservação e valorização do património histórico e cultural, em coerência com os compromissos internacionais assumidos por ambos os Estados em matéria de cooperação para o desenvolvimento e cultura, traduzindo, designadamente, o empenho de Portugal e de Angola na concretização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030), da Agenda de Ação de Adis Abeba sobre o Financiamento do Desenvolvimento e da Parceria Global para a Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz”. E conclui: “O Conselho de Ministros resolve autorizar a disponibilização de um montante extraordinário de 34 000 000,00 EUR para apoio direto ao Orçamento Geral do Estado de Angola, a desembolsar até ao final do ano de 2023”. Sem mais delongas.

E como? O Conselho de Ministros estabeleceu que “os encargos financeiros decorrentes do número anterior são assegurados pelas verbas a inscrever no orçamento do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I. P., por contrapartida de verbas a transferir pelo Ministério das Finanças”. Ou seja, o Instituto tutelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros serve como intermediário entre as Finanças e o Orçamento do Estado angolano para a transferência da verba de 34 milhões. Um instituto que conta todos os anos com um orçamento de 40 milhões – apenas mais cinco milhões do que o custo da obra – e que tem como missão outras áreas que não passam pela reabilitação de património ou museus além-fronteiras. Pois tal como explicou a presidente deste organismo numa entrevista à revista da plataforma portuguesa das ONGD, Ana Paula Fernandes, os seus objetivos são assegurar a eficácia e eficiência dos programas, projetos e ações de cooperação; dar enfoque especial na sustentabilidade, igualdade de género e no combate às desigualdade; promover e aprofundar parcerias que potenciem inovação; promover uma cultura de avaliação de impacto e resultados e comunicar e mobilizar a opinião pública portuguesa e internacional para as temáticas da cidadania global. Uma missão que seguramente não passa pela reabilitação de uma fortaleza e a construção de um museu no âmbito das comemorações do 25 de abril. E em Angola.