Portugal 2023/2024, o retrato do ‘contrato’ 

Os processos de decisão têm de ser mais rápidos e de acordo com o mundo contemporâneo, aberto e concorrencial.

Esta semana, fez capa de um jornal económico que dois terços dos salários dos portugueses são abaixo dos 1000 euros. Dado que o ordenado mínimo é atualmente 760 euros, aumentando para 820 no próximo ano, não custa muito perceber que uma larga maioria da população ativa portuguesa aufere próximo do ordenado mínimo.

A habitação está em crise profunda: em 2023 86 mil famílias não têm uma habitação digna. Em 2018, esse número era de 26 mil, exatamente o número de novas casas de habitação pública previstas no portal da habitação, a entregar até 2026. Isto é, apesar do esforço que tem sido realizado, este não é suficiente para a dimensão do problema.

Os indicadores de pobreza do país indicam que perto de 20% estão em risco de pobreza e que 16% não têm médico de família.

Olhando estes dados percebemos que os portugueses ganham mal, não têm dinheiro para ter casa ou acesso a cuidados de saúde dignos. Isto é, o dito ‘contrato’ está em crise ou, melhor dito, o modelo de desenvolvimento do país está desajustado das necessidades da sua população.

Em 2020, após António Costa Silva ter apresentado o Plano de Recuperação e Resiliência, escrevi neste jornal um artigo intitulado Costa Silva é de Marte, mas o Governo é de Vénus, no qual dizia que o plano fazia o diagnóstico correto, apresentava um caminho, mas que o Governo dificilmente seria capaz de seguir o plano, porque contrariava o seu espírito.

É esse espírito que parece assombrar o país. Fernando Medina, confrontado com o facto da Roménia estar a ultrapassar Portugal no PIB per capita, disse que «a Roménia quer apenas crescer, nós queremos outras coisas». Claro que queremos ‘outras coisas’, mas essas, como vimos acima, não estão a acontecer, não há economia para que aconteçam.

As ditas reformas não se realizaram. Continuamos, por exemplo, a não abordar os projetos de investimento com a importância devida para que sejam céleres. A justiça cível e fiscal que afasta investidores eterniza-se, com juízes carregados de processos que levam décadas a conhecer conclusão. Veja-se que a diplomacia económica está, desde os tempos de Paulo Portas, sob tutela única do Ministério dos Negócios Estrangeiros, afastando o Ministério da Economia da matéria, como se não fosse este que os tivesse de coordenar. O que foi feito sobre isto? Zero!

Subjacente a tudo isto está a ideia do país que queremos. Os jovens qualificados emigram e continuarão a emigrar até que lhes seja dada uma perspetiva de futuro diferente da atualmente existente.

Os processos de decisão têm de ser mais rápidos e de acordo com o mundo contemporâneo, aberto e concorrencial.

O esforço realizado para melhoria da qualificação da população, um atraso estrutural antigo, não tem tido correspondência na organização do Estado e do país. As obras essenciais que todos sabem necessárias adiam-se, a economia definha e o Povo não sente que o ‘contrato’ esteja a ser cumprido.

É esse novo contrato que deve estar subjacente ao novo Governo. Os portugueses vão ter oportunidade de decidir entre o medo de perder o pouco que têm e arriscar um novo contrato, que verdadeiramente ainda não sabem qual será ou se haverá.

Portugal precisa de regressar ao tempo no qual se sonhava transformar o país. Deixámos há demasiado tempo de o fazer.