Filomena Marona Beja. A romancista que se servia do caldo histórico

1944-2023. A escritora morreu aos 79 anos.

Cresceu na Rua do Açúcar, mas era avessa a histórias glicodoces, até porque glicodoce não foi o século XX português, pleno de transformações sociais e mentais por vezes aceleradamente incorporadas no viver coletivo, e no qual se movem, com pessoalíssimo à vontade, boa parte dos seus romances.

Se o seu livro de estreia, As Cidadãs (1998, reeditado em 2009) decorre no período da Primeira República, o que se lhe seguiu, Betânia (2000), permite-nos acompanhar uma história que decorre do nascer ao pôr-do-sol do dia da morte de Oliveira Salazar, em julho de 1970. Romance com força narrativa ímpar, com o qual ganhou o Grande Prémio de Literatura DST, em 2006, A Sopa (2004), centra-se no final do século XX,  atento às injunções sociais e às contradições da vida contemporânea.

Autora de uma significativa obra atraída pela História – das invasões francesas ao mandato de Manuel Teixeira Gomes como Presidente da República – era, no domínio do romance, uma voz tão ímpar quanto discreta. 

A sua escrita elíptica, ágil, de ritmo sincopado, aberta aos registos de um humor subtil, opera mais pela sugestão do que pela descrição, sendo capaz de desenhar com argúcia, nitidez e impressionante economia narrativa os traços essenciais das personagens e dos ambientes onde se movem.

Aluna do Liceu Francês – Lycée Français Charles Lepierre – e da Faculdade de Ciências da Universidade Clássica de Lisboa, onde se licenciou, cedo começou a trabalhar em documentação técnico-científica na área de Arquitetura e Construções Escolares, primeiro no Ministério das Obras Públicas, depois no Ministério da Educação.

 Neste domínio, desenvolveu estudos de investigação, e é autora de vários trabalhos, na área dos espaços escolares e outros equipamentos educativos. Dir-se-ia que no final da década de 90 iniciou nova vida: a de romancista. Depois de uma «trilogia do século XX», prosseguiu o exercício seguro da escrita com A duração dos Crepúsculos (2006) e A Cova do Lagarto (2007), distinguido com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE. 

Novelas ao vento, publicado em abril de 2023, foi o último elo de uma cadeia ficcional talentosamente praticada nos seus vários géneros.