José Cardoso, ex-candidato à liderança da Iniciativa Liberal (IL) que obteve menos de 5% dos votos em janeiro de 2023, anunciou a desfiliação do partido e manifestou indisponibilidade para apoiar a IL nas próximas eleições legislativas. Ao Nascer do SOL, diz que está disponível para formar um novo partido e admite que, mesmo que dure «três, quatro ou cinco anos , mas desde que consiga falar com 1,5 milhões de pessoas e que passe valores liberais, já será positivo». A ideia de José Cardoso é «lançar um projeto com desprendimento, com vontade de dar espaço às pessoas e que tenha prática liberal», alegando que «não há atualmente nenhum partido com essa prática, nem mesmo a IL, assente em poderes descentralizados e em candidaturas nominais».
Ainda assim, reconhece que mesmo que o novo partido venha a ser constituído, não poderá concorrer aos próximos atos eleitorais devido à burocracia que é exigida, nomeadamente a recolha de 7.500 assinaturas e o crivo por parte do Tribunal Constitucional.
O Nascer do SOL sabe que José Cardoso não é o único descontente com a IL com a ideia de criar um novo partido ‘verdadeiramente liberal’. Maria Helena Evangelista, atual militante da IL, lidera um movimento nas redes sociais a contestar a liderança de Rui Rocha e a apelar para a necessidade de criar uma alternativa externa.
Um cenário que vai ao encontro do que foi ouvido por várias fontes ouvidas pelo nosso jornal. «Pior do que as pessoas que saíram do partido são aqueles que estão inativos e não estão dispostos a ajudar a IL. Tratam-se de pessoas que estão a ser encostadas por terem uma opinião contrária à da comissão executiva e que nem estão interessados em ter qualquer cargo no partido. A noção que existe é que há uma atitude de perseguição», adianta um dos desiludidos. E são muitos os que acreditam que será natural assistirmos à saída em conta-gotas tanto de militantes como de conselheiros nacionais nas próximas semanas, tal como já tinha sido avançado pelo Nascer do SOL.
As mesmas fontes defendem que a saída de José Cardoso deixa claro que a oposição interna na IL não está a migrar para o Chega, ao contrário do que se especulava, mostrando que há um forte descontentamento ‘junto dos liberais’ e que a narrativa da direção do partido, que até agora alegava que as sucessivas deserções eram motivadas por «questões pessoais» ou que eram provenientes de conservadores pouco alinhados com as ideias liberais e que deveriam integrar o Chega, não faz sentido. «Estes comportamentos evidenciam um partido dividido, menos de um ano depois de Rui Rocha assumir a liderança», conclui a mesma fonte, alegando que a atual direção «tem optado por uma centralização de poder na definição das listas, orçamento e mensagem política, marginalizando adversários internos que se afastam gradualmente ou são afastados».
Num partido ideológico como a IL, alguns membros recordam que, em democracia, há um papel para quem não venceu e um reconhecimento das visões menos consensuais. «Ajudam a definir o nosso centro», explica um membro. Em contraste, mencionam que, nas recentes eleições para a liderança do PS, Pedro Nuno Santos cedeu 35% das listas aos órgãos ao candidato derrotado, algo considerado impensável na IL. «Há uma certa glorificação da vitória e um desvalorizar de quem não ganhou, mesmo que por uma margem estreita», explica outro membro deste movimento, lembrando que Rocha conquistou a Comissão Executiva com 51% dos votos, mas não a maioria no Conselho Nacional, onde a lista apoiada por Rocha conquistou 24 dos 50 lugares elegíveis. Argumento também usado pelo próprio José Cardoso. Este agora ex-militante desempenhou um papel crucial na campanha de rua de João Cotrim de Figueiredo em 2019, quando o partido não tinha representação e dependia dos cartazes de Carlos Guimarães Pinto, então presidente da IL. Cardoso ganhou notoriedade como operacional, o que aproveitou com sucesso para se candidatar a um lugar de conselheiro no órgão máximo interno do partido.
A gota de água
Enquanto conselheiro, Cardoso tornou-se ‘especialista’ em estatutos, defendendo que regras claras possibilitam a coexistência de várias visões e promovem a pluralidade política. Nos últimos meses, trabalhou, juntamente com outros membros, para reformular as regras do partido, mas as alterações foram inviabilizadas pelos apoiantes de Rocha, tornando-se a gota de água para a sua saída. «Trabalhei centenas de horas em propostas estatutárias que agora tentam impedir que vão a votos», esclareceu.
Ao Nascer do SOL, confessa: «Não gosto que me prendam muito. Sou liberal e a IL cruzou uma linha que não podia, que é a de impedir de propor coisas. Posso perder, mas não me podem impedir de propor e de levar a votação. Isso é ditadura e recuso-me a viver em ditadura. Montaram uma cilada para os membros não poderem fazer alterações estatutárias para ficar tudo na mesma. Parecem o Putin, que elimina candidatos antes de serem candidatos… E isto num partido liberal».
Em causa está a mudança de datas da convenção estatutária -inicialmente estava marcada para dezembro, mas após a queda do Governo foi adiada para julho. No entretanto, os membros receberam um novo regimento da convenção estatutária – onde, a par das datas, foi introduzida a palavra ‘apenas’ no artigo das propostas de emenda, eliminação ou aditamento aos projetos de alteração aos estatutos, o que, no entender de José Cardoso, só visou «impedir alterações aos estatutos atuais, impedindo propostas na especialidade versus os mesmos, como previsto nos atuais estatutos, apostando que as propostas globais votadas no início da Convenção não têm 2/3, e assim sendo ficará tudo na mesma». Uma alteração que levou José Cardoso a apelar ao recurso à justiça. «Espero que alguém tenha a coragem para recorrer para o Tribunal Constitucional», disse.
Recorde-se que, tal como o Nascer do SOL já avançou, após a saída abrupta de Cotrim e a eleição de Rui Rocha, em janeiro de 2023, tem havido uma série de abandonos ou afastamentos na IL. Logo após a eleição, Rui Rocha, já como presidente dos liberais, promoveu o ‘afastamento’ ou ‘saneamento’ de alguns assessores apoiantes da sua principal adversária na corrida interna, Carla Castro. Estas ações foram suavizadas, à data, por Carlos Guimarães Pinto, embora este tenha expressado que seria uma pena perder membros derrotados nas eleições e lembrou ter entregue ‘um partido unido’ quando deixou a liderança da IL.
Após o saneamento de Fevereiro, houve a saída da maioria dos candidatos da Lista B ao Conselho Nacional, com alguns deles a transitarem para o Chega nos meses seguintes. Em maio, Carla Castro demitiu-se do cargo de vice-presidente da bancada liberal, seguida pela desfiliação de Paulo Carmona, candidato a vice de Carla Castro. Nos últimos meses, têm ocorrido demissões de autarcas e conselheiros eleitos do Conselho Nacional. Outros membros anónimos descontentes têm deixado de participar nas iniciativas da IL ou de pagar as quotas. A elaboração das listas para as eleições também foi tumultuosa, com o afastamento de alguns apoiantes de Castro de posições proeminentes e a imposição de alguns candidatos com pouco passado nos respectivos distritos. O caso mais evidente é o de Aveiro, com a colocação do portuense Mário Amorim Lopes, membro da equipa de Rocha, como cabeça de lista.