O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deve ser visto como uma salvação da economia portuguesa ou como uma oportunidade perdida? Para os economistas João César das Neves, João Duque e Pedro Ferraz da Costa, o programa não está vocacionado para o crescimento do país, nem para nos tirar da cauda da Europa. A agravar este cenário está o facto de Portugal viver um clima de instabilidade política, com os economistas a admitirem que as eleições poderão atrasar ainda mais a execução do PRR e a apontarem o dedo aos responsáveis políticos por serem pouco sensíveis em relação a esta matéria.
“Os atrasos são dificilmente justificáveis”
João César das Neves vê o PRR como “uma oportunidade perdida para o desenvolvimento nacional”, considerando que quase todo o programa é alheio ao progresso, “centrado como está em construção e na burocracia”.
E para o economista, tendo em conta o prazo que mediou entre a apresentação e a execução da famosa bazuca, “os atrasos são dificilmente justificáveis”, mas faz uma ressalva: “A não ser a dificuldade em executar um tão grande número de projetos”.
César das Neves defende ainda que “uma coisa é conceber e aprovar, outra muito diferente é realizar”, admitindo que a crise política e as eleições “claramente não ajudam nada na execução de um programa desta dimensão”.
Já quanto ao apelo do Presidente da República para o futuro Governo “multiplicar” o ritmo de execução do PRR, o economista refere que tudo depende do resultado das eleições, mas lembra que muito dificilmente “a crise política não terá efeitos negativos”.
Ainda assim, afirma que face aos erros na conceção do plano seria desejável que o novo Executivo levasse a cabo uma revisão das prioridades do Plano de Recuperação e Resiliência, mesmo reconhecendo que “a oportunidade para grandes alterações já não seja a mais adequada”. Refere também que “se a orientação política do país mudar, isso será bastante provável”.
“Face à previsão inicial estamos a cumprir muito pouco”
Para João Duque, o cumprimento e a execução do PRR está muito longe daquilo que era o planeamento inicial. “Em 2023, no plano inicial devíamos estar com uma previsão dos custos de 9700 milhões do programa. ora bem, se formos ao site monitorizar a execução, até agora foram pagos 6700 milhões. Ou seja, se comparamos o que foi pago com aquilo que era a previsão dos custos concluímos que estamos muito longe disso. Isto mostra que face à previsão inicial estamos a cumprir muito pouco”.
O economista admite que as críticas que têm sido feitas pelas empresas no que diz respeito à verba total que irão receber, considerando o que vai para a administração, fazem sentido. “Dizia-se que a proporção de projetos que ia para as empresas era pequena, acabaram por fazer uma dotação de 5400 milhões de euros, o que apesar de tudo acabou por melhorar face ao rácio inicial. Só para as empresas e para as entidades públicas tínhamos previsto 6800 milhões de euros, mas se somarmos 1700 milhões para instituições do sistema científico e tecnológico dá 8500 milhões. É muito dinheiro e estes 8400 milhões são limpinhos para coisas públicas, depois para as escolas e para as universidades são mil milhões, admito que grande parte vá para instituições públicas. É por isso que se reforça esta ideia de que é muito peso para o investimento no setor público quando se podia ter tido mais em conta o tecido empresarial”.
Ainda assim, chama a atenção para o facto de mesmo os pagamentos na administração pública estarem muito abaixo das empresas, o que no seu entender, “mostra que as empresas apesar de tudo são capazes de ser mais céleres”, acrescentando que “até por essa via mostra que se tivéssemos aplicado mais dinheiro nas empresas talvez tivéssemos maiores e melhores resultados à vista”.
Chamando a atenção para os atrasos, João Duque acredita que o processo corre novo risco de impasse face às eleições. Afasta contudo a ideia de haver mudanças de projetos por parte do novo Governo, mesmo que houvesse essa tentação. “Acredito que haja sempre uma tentativa de reprogramar, mas não acho que seja possível até porque os projetos já foram aprovados”, embora reconheça que possa haver algum espaço de manobra em alguns projetos. “O contrário é que não faria sentido. Então o que é que iríamos dizer às pessoas? O que valia deixou de valer?”, questiona.
O economista diz também que mesmo não aplicando os fundos comunitários da melhor forma, sem eles Portugal estaria pior. “É muito difícil um país sem capital conseguir fazer investimentos. Podemos é dizer que houve uma forma displicente de aplicar o dinheiro que nos deram, mas não somos só nós. E se calhar nem somos os piores, mas concordo que quando os projetos de investimento não têm em vista o aumento de produtividade, de eficiência, etc. e quando isso não é valorizado significativamente, o dinheiro acaba por ser aplicado tendo em conta outros critérios, o que é pena porque se desperdiçou verba. Mas desperdiçámos porque não nos exigiram uma orientação para a eficiência e para a produtividade, mas também se não fossem os fundos europeus não teríamos o que temos hoje, em termos de acessibilidades, estradas, construção pública, como escolas, etc.”.
João Duque afirma, no entanto, que há investimentos feitos na administração pública que cumprem esse desígnio. “Nem todos os investimentos estão a ser orientados para esse tipo de fins. A ideia é fazer mais com menos e de forma mais eficiente, mas há projetos que já cumprem esses objetivos e que estão presentes em alguns casos, por exemplo, nos projetos vocacionados para a sustentabilidade, para a área da desarborização da indústria, da eficiência energética, para a digitalização”.
“País anda sempre de mão estendida”
Pedro Ferraz da Costa lamenta a falta de ambição que existem em Portugal, em termos de crescimento económico e defende que o PRR não poderá ser visto como uma espécie de salvação, até porque entende que o país “é um pouco difícil de salvar”, acrescentando que “a ideologia dominante hoje não se vira nem para o crescimento, nem para fazer coisas diferentes”.
Um cartão vermelho que é dado tanto ao atual Governo como à oposição. “O crescimento mão é prioridade para quase ninguém e estão a minimizar as consequências que isso irá ter sobre o emprego de melhor qualidade durante anos. Estamos a criar empregos em áreas que precisam de pouca qualificação, assentes em ordenados baixos, como o turismo barato, os hortícolas no Alentejo, etc. São projetos em que estamos a apostar muito, a mandar vir muitas pessoas para isso, enquanto os nosso jovens qualificados acreditam cada vez menos que possam vir a fazer carreira em Portugal”.
Mas também admite que estes temas raramente são debatidos porque os portugueses também não estão interessados. “A maior parte das pessoas são velhos e reformados e querem é saber das pensões, dos subsídios e deste género de coisas. Não vejo muitos a queixarem-se da falta de iniciativa ou da grande dificuldade em ultrapassar as burocracias”.
A agravar esse estado das coisas está o facto de Portugal se ver a braços com novas eleições, afirmando que atualmente nesta fase qualquer tema que seja desagradável para os sindicatos não será discutido. “O Governo arranjou aquele título pomposo da Agenda do Trabalho digno para fazer uma série de coisas que não representaram qualquer tipo de avanço e depois há uma coisa extraordinária, em que as pessoas quando querem metem baixa por contra própria por três dias. E mesmo não recebendo há imensas pessoas a fazerem isso. Isto é, as pessoas querem ir três dias para fora põem três dias de baixa e vão-se embora”.
Ainda assim, o também presidente do Fórum para a Competitividade refere que o principal problema do país não é a falta de capital, já que entende que as ideias boas nunca foram travadas por falta de dinheiro. “Há verba e há financiamento ao nível internacional, mas as coisas têm é de ter alguma dimensão e têm de ser adequadas às necessidades de mercado. E em termos de dimensão têm falhado muito, porque a maioria das empresas portuguesas são muito pequenas para se meterem em grandes projetos e estariam excluídas em termos de investimento em relação a outros fundos comunitários”.
Face a este cenário, o economista diz que não sabe se é a falta de verbas comunitárias ou o excesso de burocracia que dificulta o avançar dos projetos. “As pessoas puseram-se todas nesta choraminguice, o país anda sempre de mão estendida e anda sempre a ver se se desculpa de qualquer coisa. Acho que todos nós estamos a ser pouco persistentes. Claro que há casos de sucesso, mas também acho que são muito poucos casos para a dimensão do país. Precisávamos de cultivar mais pessoas para investirem mais, precisávamos de motivar mais gente a investir em Portugal. Temos feito pouco isso”, refere ao nosso jornal.
Quanto aos projetos, Ferraz da Costa garante que “fazemos sempre tudo ao contrário”, afirmando que “agora vem uma data de dinheiro, quando devíamos ter sabido o que é que queríamos modernizar para tentar arranjar recursos para modernizar”, lamentando que a grande maioria do financiamento do PRR tenha ido para a administração pública. “É para fazer de forma digital exatamente a mesma complicação que se fazia sem ser de forma digital. Ninguém está a aproveitar esta oportunidade para ser inovador em relação aos processos. Não há gente suficiente para continuar a fazer as coisas como se fazia antigamente e se não modernizamos a nossa maneira de funcionar, quer nas empresas, quer na administração púbica daqui a uns anos estamos completamente ultrapassados. Era muito importante que modernizássemos os processos e não vimos isso. No essencial, as coisas continuam na mesma maneira”.
E dá ainda o exemplo dos investimentos do PRR na ferrovia. “Ninguém sabe bem os projetos, nem qual foi a lógica da escolha. Não há uma explicação em relação a esta política. Há 30 anos que os espanhóis têm um plano que se vai desenrolando de acordo com o que está previsto e todos sabem o que é e o que vai ser”.