O livro não era grande – duzentas e poucas páginas – e imaginei que durante o voo, que ia durar cinco horas e meia ou seis, ia conseguir dar-lhe um bom avanço. Ao fim de cerca de uma hora, fiz duas constatações. Primeira constatação: o livro tinha ‘empenado’, as páginas pareciam rígidas, secas e um pouco curvadas, provavelmente devido à falta de humidade do ar no interior do avião (julgo que é por isso que as hospedeiras usam cremes especiais de hidratação). Segunda constatação: uma hora de leitura e ainda não tinha passado do primeiro capítulo. As minhas previsões estavam a revelar-se decididamente optimistas.
O livro em questão intitula-se Ancient Egyptian Construction and Architecture e versa sobre os métodos de construção usados nos templos e monumentos do Antigo Egipto. O destino do voo, como talvez já tenham adivinhado, era a cidade do Cairo.
O avião aterrou depois da meia-noite e a chegada ao hotel foi só lá para as três da manhã, pelo que nessa noite já não houve mais leituras. Nos dias seguintes pouco li. Se calhar a vontade também não era muita.
Até que, num belo final de tarde a bordo de um cruzeiro no Nilo, subi para o convés, estendi uma toalha na espreguiçadeira e recostei-me com o livro aberto nas mãos. Dali a dez minutos estava a dormir.
Mas afinal qual era o problema deste livro para produzir um tal efeito soporífero? Suponho que fosse a linguagem demasiado técnica, o âmbito demasiado específico. Estava cheio de explicações detalhadas sobre como se extraía a pedra das pedreiras, quais as ferramentas que os antigos egípcios usavam ou não usavam, como eram as barcas em que transportavam os blocos e até qual a composição da argamassa. Nenhum deles, reconheçamos, um assunto muito excitante.
Mas não se pense que se trata de um livro desprovido de interesse. Muito pelo contrário. Com alguma perseverança, descobri aspetos fascinantes. Surpreendeu-me ler, por exemplo, que a qualidade das fundações dos famosos templos de Karnak é muito fraca, tal como a das paredes de cantaria (faria se fossem de boa qualidade!). Frequentemente uma parede era formada por duas fiadas de pedra preenchidas com entulho no meio. Num certo caso, “os blocos reutilizados [do preenchimento] foram tão descuidadamente atirados lá para dentro que um dos autores conseguiu rastejar entre eles quase até ao nível do chão” – e aqui confesso que me divertiu sobremaneira imaginar o circunspeto estudioso a rastejar no meio dos pedregulhos.
Igualmente surpreendente foi ler que edifícios gigantescos como a famosa sala hipóstila de Karnak iam sendo preenchidos com terra ou lama do Nilo à medida que as colunas e as paredes se iam erguendo, com o objetivo de permitir o acesso dos trabalhadores às zonas mais altas. “Poderia pensar-se que preencher um tamanho salão com terra seria trabalhoso para lá dos limites da razão, mas está longe de ser esse o caso”, comentam os autores. A sala hipóstila tem 5 mil metros quadrados, cem metros de comprimentos por 50 de largura!
Resumindo: agora que estou perto do final, concluo que valeu a pena o investimento. Ultrapassada aquela barreira das primeiras dezenas de páginas, revelou-se um livro bem interessante e utilíssimo. Claro que, deitado na cama com a luz da mesa de cabeceira acesa, uma vez por outra já tem acontecido a leitura começar a puxar-me o sono como naquele fim de tarde no Nilo. Mas até isso pode dar muito jeito.