Segurança. Polícias ameaçam com greve ‘legal’

‘O protesto dos carros’ já levou à criação de uma plataforma que inclui PSP, GNR, Forças Armadas e Guardas Prisionais. Juntos vão pressionar o Governo por melhores condições.

A revolta da PSP poderá «terminar numa espécie de 25 de Abril». A frase podia ser de um qualquer Zé Patrulha, expressão usada pelo polícia mais famoso do momento, e já lá vamos, mas é de um oficial destacado da instituição. «Qual foi a razão principal para os militares se revoltarem contra o governo de então? Salários e carreira, além da guerra, claro. Nós, PSP, mais a GNR, Guarda Prisional, e as Forças Armadas somos o filho de um Deus menor das forças de segurança e ninguém vai conseguir travar as formas de luta legais que foram encontradas», continua.

Certo é que o movimento de contestação parece estar imparável, até porque muitos oficiais estão ao lado dos agentes, e a forma «brilhante», na opinião de alguns, de luta encontrada pelos agentes que estão em grupos de WhatsApp «é inatacável», como diz outro elemento da PSP.

Mas vamos à história. O descontentamento já vinha de longe – salários baixos, condições de trabalho deploráveis, escassez de habitação social – mas a passagem das competências do SEF para a PSP e GNR nos aeroportos e fronteiras terrestres e marítimas fez crescer a revolta de alguns elementos da PSP. «Dizia-se que o pessoal do SEF ganhava mais – começavam pelos 1700 euros – porque desempenhavam funções complicadas, mas os agentes da PSP que os foram substituir tiveram cursos de meia dúzia de semanas e ganham 900 euros. Ainda por cima o Governo resolveu outro problema. Sempre que havia uma greve do SEF instalava-se o caos nos aeroportos. Agora, as greves acabaram pois a PSP não pode fazer greve».

Se os problemas vêm de trás, tudo se complicou com a publicação do decreto-lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro. E o que diz o decreto-lei? Diz que o valor mensal do suplemento de missão de Polícia Judiciária é determinado pelo vencimento do cargo do diretor nacional da PJ, que é superior a seis mil euros. Assim, estabelece-se uma grelha que vai dos trabalhadores da carreira especial de investigação criminal, 15%, até aos trabalhadores das carreiras subsistentes, 5%, do valor mensal de Luís Neves. Acontece que na PSP o mesmo subsídio é de 20% do ordenado de cada um, qualquer agente em princípio de carreira ganha pouco mais do que 900 euros, é só fazer as contas. O subsídio de missão, ou de risco, «tem de ser igual para todos. Quando a PJ executa mandatos de detenção, e caso haja suspeitas de os elementos estarem armados, faz o contacto com a UEP da PSP ou a força especial da GNR e quem assume o risco somos nós. Se formos ver os acidentes, as agressões e mortos em serviço, constatamos que é mato na PSP e na GNR. A PJ tem um ou outro», desabafa um comissário.

O despertar de Pedro Costa

Se os sindicatos da PSP, que são quase 20, estavam a preparar formas de luta, como vigílias ou manifestações, Pedro Costa, um agente de 32 anos e que presta serviço no aeroporto de Lisboa, incendiou os ânimos com um vídeo emotivo onde apelava a outras formas de luta mais radicais, começando ele próprio por ir dormir para a porta da Assembleia da República. O agente em questão elaborou uma Carta aberta a todos os profissionais da PSP, da GNR e do Corpo da Guarda Prisional, convidando-os a juntarem-se a si em frente à Assembleia da República, onde anunciou que iria estar «calado e apático, sem fazer rigorosamente nada. Apenas vou ter um saco de lixo onde irei colocar dentro deste a insígnia da minha instituição (e as vossas insígnias), saco esse pronto a entregar aos nossos políticos para que eles sintam a nossa indignação».

O vídeo, mais do que a carta, teve um impacto estrondoso nas redes sociais Telegram e WhastApp, embora a primeira tenha acolhido os mais radicais, até porque num universo de quase 17 mil membros, não se sabe bem quem é quem. Já no WhastApp, em pequenos grupos, foram-se delineando estratégias. Se no Telegram se falou em estratégias radicais, como sabotar carros e afins, no outro, começou-se por falar em entregar as armas ou barricarem-se nas esquadras, não respondendo a nenhuma solicitação. Imperou o bom senso, e alguém disse que se devia combater a injustiça com a legalidade. «Se os nossos carros não cumprem as mínimas regras de segurança, então comecemos por aí e só vamos acorrer às chamadas em que há perigo de vida ou em casos de violência». Se assim o pensaram, melhor o concretizaram, deixando meio país à toa com a ausência de agentes. «Um vizinho faz queixa do ruído? Não temos carro em condições para ir lá, podemos fazê-lo a pé, mas vai demorar mais um pouco. Alguém se esqueceu da chave de casa e os bombeiros precisam da presença da Polícia para arrombar a porta, bem podem esperar», explica outro agente. A história é simples: quase 90% dos carros têm problemas, e como nenhum comandante pode obrigar um agente a andar num carro com problemas, a ação de contestação está a ter resultados «estrondosos», nas palavras de um dos ‘organizadores’.

O comando de Lisboa viu-se obrigado a recorrer a carros de outros distritos, mas que também são insuficientes. Foi então que ontem o comando de Lisboa e o de Cascais fizeram uma nota interna a determinar novas regras para a utilização dos carros, ameaçando que «sempre que a avaliação técnica conclua que existe a probabilidade da avaria decorrer da intervenção humana dolosa, existirá a possibilidade de acção disciplinar e criminal». As ameaças não parecem assustar os agentes e há já quem fale em processar o comandante de Cascais pelo crime de «coação indevida».

Numa das noites de vigília na AR de Pedro Costa, alguns elementos, presentes ou através do WhatsApp, lembraram-se de ir ao Google alterar o número das esquadras pelo da PJ e o caos foi ainda maior. Além disso, nalgumas esquadras trataram de reencaminhar as chamadas para a PJ, mesmo sem as atender. A_PJ diz que vai investigar.

Neste fim de semana, os elementos da UEP deverão voltara a adoecer quando estiverem destacados em jogos de futebol, à semelhança do que já aconteceu nos jogos do Sporting e do Benfica.

Certo é que a contestação já levou à criação de uma plataforma que inclui os sindicatos e associações profissionais da PSP, GNR, Forças Armadas e Guardas Prisionais, que já pediu uma audiência aos partidos políticos. Todos unidos pelo mesmo subsídio de risco… e melhores ordenados. «A PJ fez greve e teve aumentos. O SEF fez greves e teve aumentos. E nós?», questiona um agente.

«Abriu-se a caixa de Pandora e ninguém sabe como isto vai acabar. Ainda por cima, o que senhor ministro fez foi lançar as forças de segurança nas mãos de extremismos de direita, nomeadamente no Chega. Como foi possível Luís Montenegro falar, no meio do campo rural, de um assunto tão sério dizendo que não se pode comparar o trabalho das duas instituições, PSP e PJ, como se a vida de um PJ valesse mais do que uma da PSP. Claro que Ventura falou à porta de uma esquadra e rodeado de polícias. É esperto e os polícias estão a ir, lamentavelmente, no engodo», diz outro oficial. Também elementos afetos ao PCP reconhecem que Ventura está a aproveitar-se, por culpa dos outros políticos, da situação. Apesar de tudo, o protesto está a ‘abanar’ os partidos políticos e alguns já pensam numa reforma estrutural da PSP, quer em termos de vencimentos, quer de funcionamento e instalações. Um exemplo citado por outro oficial: «Faz algum sentido o departamento de finanças ser gerido por um polícia?».

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