Como está o mercado de habitação?
Em relação ao mercado de arrendamento, infelizmente é um mercado praticamente inexistente. Contamos com as rendas antigas que rondam as 200 mil, mais as rendas semi-antigas que são posteriores a 1990 e depois as rendas modernas, chamemos assim. Em relação às rendas antigas estamos a falar de valores muito baixinhos, em que este ano foi permitido um aumento do coeficiente de 6,94%. No entanto, aplicar um aumento de 6,94% a uma renda de 20 ou de 30 ou de 40 euros é estar a brincar com o pagode. Ainda assim, temos associados que fizeram questão de levar a cabo esses aumentos, pois fizeram questão de fazer prova de vida para que o arrendatário se lembre que tem senhorio. Já em relação às pessoas que andam à procura de casa é quase uma missão impossível, mas estou a falar no caso de portugueses, porque os preços das rendas atingiram um valor tal que praticamente para os portugueses é incomportável. Mesmo que tenham um rendimento de mil euros sabemos que é muito difícil em Lisboa, por exemplo, arranjar uma renda por esse valor. E mesmo quando aparece ao final de oito ou 15 dias está arrendada. Mas está arrendada a quem? Está arrendada a estrangeiros ricos ou a estrangeiros pobres. Por exemplo, nas cidades de província norte-americanas, uma renda média num apartamento relativamente pequeno anda à volta dos dois mil dólares. Se os americanos chegarem a uma cidade como Lisboa e pagarem uma renda de mil euros – em que o euro tem uma paridade mais ou menos semelhante ao dólar – para eles é um ótimo negócio. Em relação aos estrangeiros pobres, em que a grande comunidade de imigrantes é brasileira também é muito simples: juntam-se dez brasileiros numa casa que é feita para duas pessoas ou para um com casal com um filho, em que cada um dá cem euros e vivem em beliches. Já ouvi falar de casas que são arrendadas a estrangeiros pobres que dormem no sistema de cama quente, ou seja, dormem por turnos. Por isso, para nacionais e para habitarem na grande Lisboa ou no grande Porto é quase missão impossível, porque realmente não há mercado.
Os preços estão altos, mas também é reflexo da oferta e da procura…
O problema é que não há oferta. Mas se me perguntar se há casas devolutas, casas que estão fechadas e que poderiam estar no mercado? Respondo que há. Qual é o problema? É a falta de confiança dos senhorios. Há casos de arrendatários que entram numa casa e depois não cumprem os contratos. Estão lá dois, três, quatro ou cinco anos à borla, sem pagarem rendas, a fazerem a vida negra ao senhorio e quando este finalmente o põe na rua, o inquilino como vingança destrói a casa, destrói as portas, os armários – os armários da cozinha são os primeiros a ficarem todos escangalhados. Trata-se de vandalismo puro e os senhorios ficam de tal maneira traumatizados e têm o direito de o ficar que preferem deixar a casa fechada. Além disso, as pessoas não dão garantias, às vezes, até apresentam um fiador que ainda vale menos do que o fiado e para o porem a andar de lá para fora é uma carga de trabalho e de despesa.
Só é possível aumentar a oferta se os senhorios ganharem confiança ou deveria haver uma maior aposta por parte do Governo e das autarquias?
Isso é metade do problema. Estamos num país em que se entra à balda. Não há controlo nenhum. Vamos supor que aparece um Governo milagroso e que arranjava casas para 500 mil pessoas ou para 500 mil famílias garanto-lhe que isto começava a constar na África, na Ásia e noutros sítios e continuava a não haver casas porque tínhamos gente a entrar por aí dentro que nunca mais acabava. Para chegarmos ao problema da habitação ou da falta dela, primeiro temos de resolver o problema da sociedade, porque esta sociedade em que nós estamos inserimos é do mais desorganizado e desregulado do que já vi. Não tenho nada contra os imigrantes, porque eles, coitados, também têm direito a respirar, a morar, etc., mas também acho que alguém devia olhar para os portugueses.
Então qual é a solução para haver mais habitação e a preços mais baixos?
Tem de haver uma intervenção do Estado e este tem de fazer casas. Isso já se fez, como era o caso das casas sociais. Houve uma época e não foi assim há tantos anos que acabaram com as barracas e havia casas para toda a gente. Isto é um fenómeno relativamente recente, mas já tem 20 anos.
O Governo ainda avançou com o programa das rendas acessíveis, mas tem ficado aquém do previsto. O que tem falhado?
Há um sentimento que, uma vez perdido, jamais se recupera ou muito tarde se recupera. É igual ao que se passa com um casal. Se houver um membro do casal do que é infiel e se o outro descobre a sua vida nunca mais volta a ser a mesma. Cria-se uma desconfiança e no mercado do arrendamento passa-se o mesmo. Criou-se uma desconfiança. Não sou político, mas o que é que acontece? Estes governos que apareceram agora não deram confiança nenhuma aos detentores das casas para arrendar. E a ideia de que os senhorios eram donos de um bairro inteiro ou de um quarteirão ou de uma rua ou até de um prédio inteiro praticamente já não existe. A maioria são mono-senhorios. Isto é, têm um apartamento e são os que mais facilmente são enganados porque não têm prática, porque aqueles que têm três ou quatro ou cinco ou seis apartamentos já passaram por algumas coisas e foram aprendendo. Estes quando vêm até nós já vêm enganados. Muitas dessas pessoas até são emigrantes que tiveram de ir para fora, ficaram com o apartamento vago e pensaram que assim iriam receber algum dinheiro extra. Resultado: metem lá um individuo qualquer que não lhes paga a renda. Isto é relativamente recorrente. Os senhorios que são mais enganados são aqueles que só têm uma casa.
E as vantagens fiscais dadas aos proprietários a quem põe as suas casas no arrendamento acessível, como a isenção de IRC e de IRS e até redução no IMI não é suficientemente atrativo?
Os proprietários não acreditam nessas coisas. Por exemplo, no final de 2022, o coeficiente que daria para aplicar à atualização das rendas, um mecanismo que já dura há 40 anos, era de 5,43%. No entanto, há um político e que agora até é líder de um partido disse que era muito e obrigou a aplicar apenas 2% de aumento. Armou uma confusão e fez mais contra a habitação do que não sei quantos juntos. E a inflação nessa altura já era galopante. Foi uma medida que não foi ponderada e o resultado está à vista: as pessoas perderam a confiança.
No entanto, este ano não houve a tal norma travão…
Nesse ano nem sequer fomos ouvidos, este ano sim. Mas temos de ter em conta que o coeficiente da inflação não é decidido pelo Governo, é definido por uma entidade que se chama Instituto Nacional de Estatística, cujas referências que temos é que tem uma idoneidade acima de qualquer suspeita, que fez umas contas em função de quanto custa o leite, as batatas, a roupa, os transportes, etc. e naquele período que era de agosto a agosto chegou à conclusão que seria de 5,43%. Com esse número como é que é possível dizer que os aumentos seriam de apenas 2%? No ano passado, ao contrário do que aconteceu no ano anterior, fomos ouvidos pela ministra da Habitação e explicámos que ao não aplicar o aumento dos tais 5,43% e de nos terem imposto 2% originou mais falta de habitação. Lá está a tal confiança que se perdeu. E ainda por cima esses 2% foram para todos, nem sequer foi para beneficiar os inquilinos pobres. Por exemplo, as grandes redes de supermercados que são arrendatários ou balcões de bancos beneficiaram desse travão, apesar de terem subido os preços dos bens alimentares ou de terem aumentado os seus lucros.
Este ano foi então mais justo?
Este ano foi aplicado o número que o Instituto Nacional de Estatística definiu.
Foi anunciado que uma parte do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) iria ser usado para construir mais casas. Mas até à data pouco ou nada se viu…
O que me parece é que nesta e em outras questões, o Governo central tem estado a transferir para os municípios muitas dessas responsabilidades, nomeadamente no domínio da habitação, tal como, no domínio da saúde. Como sabe, os centros de saúde passaram também ou estão a passar para os municípios, o mesmo acontece no domínio das escolas. Portugal tem 308 municípios e no fundo, o Estado Central vai ficar esvaziado daqui por uns anos. Vamos ter em Portugal 308 “governinhos”. E o que é que aconteceu? As câmaras como viram dinheiro a palpitar, muitas delas candidataram-se aos fundos do PRR para fazerem casas. Vamos ver como é que isto se resolve.