António Machado. “É preciso uma política fiscal que penalize quem cobre rendas mais elevadas”

Para o secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, “enquanto não houver fiscalização e regulação no mercado, os preços das rendas não vão baixar”. E alerta: “Nas rendas mais recentes um aumento de 7% é, em muitos casos, muito violento”.

Como está o mercado de arrendamento?

Mantém-se o calvário de arrendar uma casa em Portugal, não só em Lisboa ou nos arredores, mas no país todo. A disponibilidade é insuficiente e o preço é elevadíssimo. Sem falar nos prazos de contratação que são pequenos, rondam um ano, o que representa uma precariedade ou instabilidade, colocando problemas sérios a quem quer arrendar casa. Os inquilinos acabam por ser uma espécie de turistas, em que de ano a ano têm de andar a mudar de malas para ver se conseguem arranjar alternativas. E não há diferenças significativas ao nível nacional, quer em termos de encontrar casa, quer em condições de arrendamento. Isto é, quer no preço, quer no prazo contratual. Os prazos até podem ir até aos três anos, mas a especulação é de tal ordem que mesmo que haja uma casa hoje por mil euros, os senhorios têm a expectativa que para o ano seguinte ano possam pedir 1100 ou 1200 euros. E, por isso, fazem um contrato curto para poderem atualizar as rendas a seu bel-prazer.

E para quem já tem a casa arrendada? Este ano foram confrontados com aumentos de 6,94%, tal como foi definido pelo INE, sem poderem beneficiar da tal norma travão que existiu em 2023..

Claro, o que penaliza tanto aqueles que já pagam rendas elevadas, como todos os outros. Em termos gerais, a taxa de esforço, mesmo nas rendas antigas é superior a 40%, porque quem tem contratos mais antigos também tem rendimentos relativamente baixos. E por isso, muitas famílias deste segmento acabaram por receber os apoios do Estado. Inicialmente eram 195 mil famílias abrangidas mas já vai em mais de 230 mil. E mesmo para quem já tem rendimentos razoáveis, as rendas são muito elevadas. Está tudo muito difícil e as medidas que estão previstas ou não são executadas em alguns casos ou não têm credibilidade absolutamente nenhuma.

E nem chega a todos. Há casos de pessoas que ficam de fora desse tipo de apoios por pequenas margens…

Os apoios só são dados até ao sexto escalão, a partir daí, as pessoas não têm direito a apoios. Mas a questão que se coloca também é outra: isto não pode funcionar só com políticas assistencialistas. As políticas assistencialistas têm de ser transitórias, provisórias e de curto prazo. Há qualquer coisa errada e o que é preciso resolver é o problema que existe em termos de mercado. É preciso regular e fiscalizar o mercado. É preciso uma nova política fiscal que penalize as rendas mais elevadas. Ou seja, é necessário uma política fiscal escalonada e progressiva, tal como acontece com os rendimentos em matéria de IRS, em que quem tem maiores rendimentos paga mais impostos. Aqui não, o que se passa é que ou pagam todos os mesmo imposto ou não pagam imposto nenhum, porque estão isentos, mas não baixam as rendas. E quem paga é sujeito a uma taxa liberatória que está agora nos 25%. 25% é um quarto da renda, naturalmente é demasiado elevado para rendas médias e é pouco para rendas elevadas. Enquanto não houver intervenção nesta área, em termos de regulação no mercado e de fiscalização as rendas não vão baixar. Também não tem sentido que quem compre uma casa tenha uma taxa de esforço idêntico ou menor do que se optar pelo arrendamento, porque ao comprar uma casa está a criar uma poupança e no outro lado está a pagar um serviço. Como é que o serviço é igual ou mais elevado do que uma poupança? Isto é uma questão antiga que ninguém quer intervir, nem ninguém quer resolver. Nenhum partido político tem qualquer ideia sobre esta matéria.

Pedro Nuno Santos já falou em mudar a fórmula de alteração da atualização das rendas, defendendo que os novos aumentos das rendas teriam de ter em linha de conta a evolução dos salários, quando a taxa de inflação for superior a 2%. Seria uma boa alternativa?

Com alguma ironia digo que é a mesma coisa que os violinos de Chopin. Não resolve nada, é apenas uma migalha, um penso rápido que não vai funcionar, como também não vai funcionar esta medida em que as novas rendas só podem aumentar 2%, porque depois os proprietários podem fazer um novo acerto no contrato da próxima vítima fatal. Isto está a funcionar? Não está e não está porque não se fiscaliza. Não há registos, não há regulação e, por isso, ninguém fiscaliza nada. E essa função não é da Autoridade Tributária (AT) que quer receber impostos. Não é a sua função estar a fiscalizar o mercado. A AT cobra impostos.

Têm chegado à associação mais pedidos de ajuda perante os aumentos de rendas deste ano?

Geralmente, pedem para analisar se as cartas dos senhorios estão de acordo com a legislação relativa ao aumento das rendas e se são legíveis para os apoios de 4,94% que devem chegar este mês.

Os inquilinos estão então de pés e mãos atadas…

Depende das circunstâncias. Nas rendas mais recentes um aumento de 7% é, em muitos casos, muito violento. E as atualizações dos rendimentos não acompanharam essa atualização das rendas e dos outros preços. Estamos a falar das rendas e o resto? O supermercado, a alimentação, os medicamentos, os combustíveis, a energia, etc.? As atualizações das pensões e dos salários não chegam para acumular os aumentos gerais dos preços que aconteceram. Há uma redução efetiva e objetiva do rendimento disponível das famílias.

As câmaras e o próprio Governo têm vindo a acenar com programas de rendas acessíveis. O que é que tem falhado?

Tem falhado porque os programas são insuficientes e depois levam tempo a executar. Além disso, depois temos um conjunto de propriedades devolutas que deviam estar a ser utilizadas, seja pública ou privada, e não estão com o argumento ‘da coitadinha da propriedade’. E o programa de renda acessível não é assim tão acessível. Rendas de 900 euros são acessíveis em que sítio? Pode ser na Alemanha, Luxemburgo, França, em Portugal são inacessíveis, 900 euros corresponde ao salário mediano. Quando se diz que o salário médio é de 1300 euros e o salário mínimo é de 820 euros se for buscar o salário mediano anda à volta dos 900 euros. Esse valor chega para pagar uma renda? Em que sítio? Depois as pessoas têm que se juntar às vezes com terceiros que, muitas vezes, não se sabem muito bem quem são. Chama-se o desenrasca, mas são soluções que se encontram. Há casais que se separaram e continuam a ter de viver os dois porque não conseguem resolver o problema da habitação de nenhum deles. As situações são tremendas. Há sobrelotação e isso afeta as famílias do ponto de vista social.

O Governo aprovou o pacote Mais Habitação e uma das medidas passou por restringir o alojamento local em determinadas zonas. Nota alguma passagem desses imóveis, por exemplo, para o arrendamento de longa duração?

Não tenho noção disso. O que se verificou é que se cancelaram os registos, mas houve corrida a outros registos. Tira-se daqui e põe-se ali, o resultado final é que continua tudo na mesma. Assim é difícil que as coisas se resolvam.

Acha que o próximo Governo poderá ter outras sensibilidade em matéria de habitação?

Vamos ver o que é que vai acontecer. Não quero fazer previsões. Mas é uma área em que a ausência de respostas se deverá manter, independentemente de quem ganhe as eleições. Há muita demagogia, muita conversa de que é preciso fazer, mas em 30 anos não fizeram nada. Quem esteve no Governo, tanto no centro-esquerda, como no centro-direita pouco ou nada fez. Algumas câmaras ainda foram fazer alguma habitação, muito parca e de repente e a partir de 2014, principalmente, as coisas começaram a complicar-se com a aceleração da gentrificação e da turistificação das cidades em primeiro lugar e depois espalhando por aí fora.

 Ainda não chegámos à  campanha eleitoral, mas a habitação é um tema que está sempre nas agendas políticas…

A habitação vai continuar a ser um tema central na discussão. Agora, vamos ver quais são as respostas de cada um. Vamos fazer um debate e convidámos todos para debater connosco no dia 3 de fevereiro, no Auditório Camões, as suas propostas. Isso é que me interessa saber. Vamos ver o que é que cada um diz.